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Wesen
terça-feira 4 de julho de 2023
Wesen, essence, essência, esencia, despliegue esencial, essential sway, vigor, estar-a-ser. VIDE: to ti en einai
Em nota a sua tradução de "Carta sobre o humanismo", Emmanuel Carneiro Leão elucida o sentido que entende em "Wesen":
A Essência = das Wesen: o substantivo alemão, Wesen deriva-se do verbo, wesen, hoje usado apenas em algumas formas, como gewesen (sido), abwesend (ausente), anwesend (presente) e Wesen (essência, natureza, quididade). Esse substantivo não designa no texto essência, natureza, quididade, mas a estrutura em que vigora, i.é., desenvolve a força de seu vigor, o agir. Para exprimir esse sentido, escreve-se a palavra Essência sempre com maiúscula.
Na linguagem da escola, “essência” diz aquilo que alguma coisa é, em latim, quid. A quidditas, a quididade, responde à pergunta pela essência de alguma coisa. O que, por exemplo, convém e pertence a todas as espécies de árvores; carvalho, faia, bétula, pinheiro, é uma mesma arboridade, o mesmo ser-árvore. As árvores reais e possíveis caem todas sob esta arboridade, como seu gênero comum, o “universal”, no sentido de genérico. [GA7CFS:32]
Já ao falarmos de “Hauswesen” (os afazeres da casa), de “Staatswesen” (as coisas do Estado), não nos referimos à generalidade de um gênero, mas à maneira em que casa e Estado são e deixam de [33] ser o que são, isto é, se administram, se realizam e desfazem. Trata-se do modo em que vigem e exercem o seu ser. J.P. Hebel utiliza a antiga palavra alemã “Weserei”, na poesia Fantasma na Rua Kanderer (Gespenst an der Kanderer Strasse), pela qual Goethe tinha especial apreço. “Weserei” diz o Conselho Municipal, enquanto lá se reúne e está em causa a vida da comunidade, ou seja, enquanto vige e se realiza a Pre-sença da aldeia. É do verbo “wesen”, viger, que provém o substantivo vigência. Wesen, essência, em sentido verbal de vigência, é o mesmo que “währen”, durar e não apenas no sentido semântico, como também na formação fono-lógica. Já Sócrates e Platão pensaram a essência de uma coisa, como a vigência, no sentido de duração. Mas eles pensaram o duradouro, como o que sempre é e perdura (άεῖ ὂν). O que sempre perdura, eles o encontraram no que permanece em tudo o que ocorre e se dá. Esta permanência, eles a encontraram na estrutura (εἶδος, ἰδέα) do perfil, por exemplo, na ideia de “casa”.
Na ideia mostra-se o que é tudo que se constitui, como casa. Já as casas reais e possíveis são variações mutantes e passageiras da “ideia” e, nesta condição, não perduram e nem pertencem ao duradouro.
Ora, por outro lado, não se pode, de modo algum, provar que o duradouro deva fundar-se única e exclusivamente na ἰδέα pensada por Platão , no τὸ τί ἦν εἶναι (o que cada coisa já sempre foi, o ser em tendo sido), pensado por Aristóteles ou no que, nas mais diversas interpretações, a metafísica pensa, como essentia. [GA7CFS:32-33]
O que é algo, tò τί έστιν, o ser-isso, a quididade, contém, desde Platão , aquilo que comumente se chama de “essência”, a essentia de uma coisa. Assim entendida, a essência está restrita ao que posteriormente se chamou de conceito, isto é, à representação por meio da qual podemos dispor e apreender o que uma coisa é. […] A palavra “essência” não significa mais o que uma coisa é. Escutamos a palavra alemã Wesen, essência, como um verbo, wesend, ou seja, como vigorar, no sentido de vigorar na presença e na ausência. Wesen, vigorar, diz währen, perdurar, weilen, demorar. A expressão es west, está em vigor, significa mais do que: está durando, demorando. Está em vigor diz que algo persiste, perdura e assim nos toca, nos en-caminha e nos intima. Pensada desse modo, a essência designa o vigor, o que persiste e perdura, o que nos concerne em tudo que nos toca, porque é o que tudo en-caminha e movimenta. [GA12MCS:158]
DERIVADOS DE WESEN
wesen: essenciar-se, estar-a-ser
Abwesen (s) / Abwesende (s): o-estar-ausente, ausência / o-que-está-ausente
anwesen / Anwesen (s): vir-à-presença, estar-presente / o-estar-presente, o vir-à-presença
anwesend / Anwesende (s): presente, que está presente / o que-está-presente, o que-vem-à-presença
Anwesenheit (e): presença, estar-em-presença (cf. Präsenz)
Gewesene (s) / Ge-wesene (s): o sido, aquilo que foi / o sido, o já essenciado
Wesen (s) / Unwesen (s): essência, estar-a-ser, ser / anti-essência, abuso da essência, in-essência
Wesende (s): o-que-se-essencia, o que-está-a-ser
Wesenheit (e): essencialidade
Wesensblick ®: o olhar-que-vê-a-essência [GA5BD ]
essência
essence
esencia
modo-próprio-de-ser, vigência, vigor [GA7 ]
l’être-du-fond [GA10 55]
Wesen é a "essência, natureza interna ou princípio" de uma coisa. "Usada separadamente, a palavra significa ‘a quintessência de uma coisa’, ‘sua natureza básica’, ‘sua natureza essencial’, ‘ser interior’ […] Mas também pode significar o modo como esta essência se manifesta exteriormente" (DGS, 394). Ela é a substantivação do verbo desaparecido wesen, "ser, ficar, durar, acontecer", que originariamente significava " morada, vida, modo de ser, vigor etc." Deu origem a wesentlich, essencialmente, e o menos usual wesenhaft, "essencial". O verbo wesen também origina o particípio passado, gewesen, de sein, "ser", e sobrevive em compostos como: anwesend, ("presente") e abwesend ("ausente"). [DH ]
NT: A Essência = das Wesen: o substantivo alemão, Wesen deriva-se do verbo, wesen, hoje usado apenas em algumas formas, como gewesen (sido), ab-wesend (ausente), an-wesend (presente) e Wesen (essência, natureza, quididade). Esse substantivo não designa no texto essência, natureza, quididade, mas a estrutura em que vigora, i.é., desenvolve a força de seu vigor, o agir. Para exprimir esse sentido, escreve-se a palavra Essência sempre com maiúscula. [Carneiro Leão ; Nota a CartaH]
NT: Ainda que Wesen designe, de per si, essência e Unwesen (não-essência) desordem, Heidegger carrega os dois termos com um sentido fenomenológico. De acordo com sua compreensão do método fenomenológico, passam a ter força verbal. Wesen significará então: acontecer, imperar, revelar-se, a manifestação fenomenológica; Unwesen (treiben) frustrar e perturbar o acontecer, o imperar, dissimulação do que de si se revela, ocultação "fenomenológica". Wesen e Unwesen exprimem, assim, de maneira decidida, um traço básico do pensamento heideggeriano. Apontam sobretudo também para a superação da tradição essencialista. A nova carga semântica os transforma numa chave (ou clave) que desloca toda a linguagem do filósofo para dentro de um novo horizonte conotador. Todo o conteúdo ontológico tradicional se torna fenomenológico. Ontologia se torna fenomenologia. Na nova postura se revela, já desde o início, seminalmente, a destruição, transformação, repetição em outro nível, de toda a metafísica ocidental. Esta violenta metamorfose das palavras transfere toda a linguagem filosófica para um novo começo; e dele emerge o impulso do pensamento existencial como Heidegger o compreende. Quem lê então as expressões essência da verdade, essência do fundamento, deve saber transpor-se para dentro desta nova situação. Toda a problemática do fundamento é arrancada de sua perspectiva metafísica essencialista. Fala-se de fundamento não mais buscando razões, causas, mas descobrindo-se nele um acontecer originário ligado à transcendência, melhor, à existência, ao ser-aí. Esta subversão das estruturas podais da ontologia tradicional deixa entrever o impacto radical e, paralelamente, a dificuldade de compreensão da pretensão heideggeriana . Nesta passagem o filósofo aponta a "desordem", a dissimulação do acontecer do fundamento, provocada pelo conhecimento humano finito. Mais adiante este processo será atribuído também à liberdade finita. O método fenomenológico ocupa-se em desvendar o enigma do velamento e desvelamento que assim acontecem. [Ernildo Stein ; MHeidegger:Nota]
Wesen (das): «esencia». En el marco de la obra temprana, Wesen se suele emplear en el sentido usual de esencia. En la ontología escolástica, la esencia define la naturaleza interna o el principio de una cosa. En Ser y Tiempo , se rechaza la concepción escolástica al afirmar que la esencia del Dasein es su existencia. En sus escritos posteriores, Heidegger insiste en el sentido verbal de wesen entendido ahora como un «venir a la presencia». No se trata, por tanto, de una cualidad, sino de una actividad. [GA60 , p. 307 (situación, concreción); GA63 , p. 16 (hermenéutica, evidencia); GA17 , p. 70 (naturaleza); SZ , pp. 12, 42, 231, 318, 323, 443-444.] [LHDF]
Ao contrário desta primeira família etimológica, a segunda não se deixa traduzir por uma raiz única: wesen, quer na sua forma verbal arcaizante, quer como substantivo, serve de suporte a diferentes matizes de sentido que, embora unidos, excedem as possibilidades de variação em português. Enquanto substantivo, Wesen constitui, na tradição metafísica, a versão germânica do latim essentia, sentido que perdura inevitavelmente no português [XV] “essência". Atribui-se a Cícero [1] a formação do neologismo essentia, como tradução do grego οὐσία, uso que Santo Agostinho retoma (De Trinitate, V, 8, 9). Mas o sentido defectivo ligado ao caracter de ens (o “estar a ser do ente", ou seja, “do que está sendo”) desaparece no uso filosófico medieval do termo, definido como quidditas, a “quididade” ou o “quê” do ente – em alemão a sua Washeit. Para se libertar expressamente desta interpretação tornada tradicional, Heidegger retoma um sentido verbal primitivo, já caído em desuso, de wesen – sinônimo de sein, “ser”, no sentido de sich aufhalten, geschehen, e até mesmo verweilen, estar, acontecer, demorar-se, que utiliza quer na sua forma simples, para indicar a acção ou exercício de ser, em que o que está a ser é, quer com o prefixo an- (em anwesen), para dizer a acção ou exercício de chegar à “presença” (lat. prae-) e estar-em-presença de tudo o que, assim, é. Ser, sein, é o que se dá sempre como um sendo: essência em exercício. Este uso verbal é, além disso, substantivado, para acentuar o sentido defectivo da acção – o que não se deixa ler em “essência”, termo filosoficamente investido na acepção metafisica antes referida. A dificuldade de tradução daí resultante foi resolvida, neste caso, de duas maneiras. Alguns tradutores optaram por designar como “essenciar-se” esse exercer-se essencial ou em essência do ser, de modo a sublinhar com o neologismo o vínculo etimológico marcante, que não convém perder. Outros tradutores preferiram, no entanto, naqueles contextos em que o significado verbal é claramente predominante, acentuar o sentido de “estar a ser”. Estas duas versões de wesen em sentido verbal (inclusive quando substantivado) foram ambas aceites como válidas, além de, naturalmente, “essência”, tradução em alguns contextos incontornável. Em qualquer caso, deve tomar-se como regra que o uso heideggeriano do termo, quer como substantivo quer como verbo, reúne sempre em si ambas as acepções: a “essência” é o que [XVI] “está a ser” e “o que está a ser” é o ser na sua “essência”, no seu “essenciar-se”. Também o substantivo Unwesen suscitou problemas de tradução, porquanto – ao contrário do advérbio unwesentlich, vertido como “inessencial" no sentido de “não essencial” – o uso do prefixo un- não indica aí, uma mera negação (a “não essência” ou o “não ser”), como se explicita claramente no texto sobre Hegel , mas um estado ou acção negadora ou antagonista do estar a ser: um abuso da essência. Daí a decisão de traduzir Unwesen, em geral, por “anti-essência”, com excepção do mencionado trecho, onde se verte como “in-essência”. [Borges-Duarte GA5 ]
NOTE TRANSLATOR: 1. "Essence" is the traditional translation of the German noun Wesen. One of Heidegger s principal aims in this essay is to seek the true meaning of essence through or by way of the "correct" meaning. He will later show that Wesen does not simply mean what something is, but that it means, further, the way in which something pursues its course, the way in which it remains through time as what it is. Heidegger writes elsewhere that the noun Wesen does not mean quidditas originally, but rather "enduring as presence" (das Wahren als Gegenwart). (See An Introduction to Metaphysics, trans. Ralph Manheim [New York: Doubleday, 1961], p. 59.) Wesen as a noun derives from the verb wesen, which is seldom used as such in modern German. The verb survives primarily in inflected forms of the verb sein (to be) and in such words as the adjective anwesend (present). The old verbal forms from which wesen stems meant to tarry or dwell. Heidegger repeatedly identifies wesen as "the same as währen [to last or endure]." (See p. 30 below and SR 161.) As a verb, wesen will usually be translated here with "to come to presence," a rendering wherein the meaning "endure" should be strongly heard. Occasionally it will be translated "to essence," and its gerund will be rendered with "essencing." The noun Wesen will regularly be translated "essence" until Heidegger’s explanatory discussion is reached. Thereafter, in this and the succeeding essays, it will often be translated with "coming to presence." In relation to all these renderings, the reader should bear in mind a point that is of fundamental importance to Heidegger, namely, that the root of wesen, with its meaning "to dwell," provides one integral component in the meaning of the verb sein (to be). (Cf. An Introduction to Metaphysics, p. 59.) [GA7 ; QCT , p 3]
NOTE DU TRADUCTEUR: 1. Le français « être » traduit à la fois Sein et Wesen. Heidegger emploie Sein quand il parle de l’ « être » tout court, ou de l’être de l’étant. Il nomme Wesen l’être de toute chose particulièrement désignée : l’être de la vérité, l’être de l’habitation. Dans le premier morceau, cependant, et dans certains cas spécieux très rares, Wesen est traduit par « essence ». « L’être de l’être » veut dire « le Wesen du Sein » ou plus rarement das Wesende des Seins.
La majuscule donnée à « Étre » (pp. 107, 111, 113 et 131) indique, d’une façon purement conventionnelle, que l’auteur a alors préféré l’orthographe Seyn.
L’infinitif wesen, qui n’appartient plus à la langue parlée, est l’ancien wesan, « être », qui a été plus tard remplacé par sein. Aujourd’hui le verbe wesen se survit à lui même dans la langue littéraire avec le sens d’être, se présenter ou se comporter de telle manière. Il implique alors une idée de vie, d’activité et de rayonnement qui manque à sein. Wesan ou wesen, d’ailleurs, ne voulait pas dire seulement « être », mais aussi « demeurer en un lieu, séjourner, habiter ». (Cf le sanscrit vas, « habiter ».) Das Wesen, l’être, l’essence, la manière d’être, le comportement (cf. p 41) semble avoir désigné originellement le séjour, la demeure, l’habitation. Or, habiter, c’est être présent à un monde, à un lieu; et le verbe allemand pour « être présent », anwesen, est effectivement un composé de wesen. La chose déploie donc plus ou moins son être dans le Wesen, alors que le Sein est beaucoup plus caché et mystérieux. Le Sein est énigmatique et ses rapports avec le Nichts sont étroits. [GA7 , 347]
NT: Partout et toujours, chez Heidegger, le mot d’essence doit être pensé, pour être compris, non comme une « essence » platonicienne figée, immuable, planant au-dessus des « formes », ou représentant la capsule définitive de l’« en-soi » sartrien. Essence (Wesen) doit être pensé à partir d’« être », lequel est, avant tout, verbe. L’essence est ainsi le mode propre de déploiement de l’être d’un étant.
Dans essentia, le -sentia est le signe d’une substantification ultérieure qui a figé le mouvement, c’est-à-dire la futurition propre de l’être des étants. Il faudra donc toujours lire, dans cette traduction, l’esse que recèle toute essence. [GA5 ]
Wesen, das: GA1 GA2 GA3 GA4 GA5 GA6T1 GA6T2 GA7 GA8 GA9 GA10 GA11 GA12 GA13 GA14 GA15 GA16 GA17 GA18 GA19 GA20 GA21 GA22 GA23 GA24 GA25 GA26 GA27 GA28 GA29-30 GA31 GA32 GA33 GA34 GA35 GA36-37 GA38 GA39 GA40 GA41 GA42 GA43 GA44 GA45 GA46 GA47 GA48 GA49 GA50 GA51 GA52 GA53 GA54 GA55 GA56-57 GA58 GA59 GA60 GA61 GA62 GA63 GA64 GA65 GA66 GA67 GA68 GA69 GA70 GA71 GA74 GA75 GA76 GA77 GA78 GA79 GA81 GA85 GA86 GA87 GA88 GA89 GA90
Observações
[1] Cf.J. Ritter (Hg.), Historisches Wörterbuch der Philosophie, vol. 2 (1972), Dannstadt, WBg, col. 753ss. Também K.E. e H. Georges, no seu Ausfuhrliches Lateinisch-Deutsches Handwörterbuch, Hannover, 1913, referem a mesma fonte para essa atribuição: Séneca, Epistolae ad Lucilium, 58, 6.