Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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estar-presente

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Será possível escapar a uma tal agressão? E de que modo? Talvez apenas concedendo à coisa, por assim dizer, um campo livre para que ela revele imediatamente o seu carácter de coisa. Tudo aquilo que se poderia pôr entre nós e a coisa – sejam concepções ou enunciados sobre a coisa – deve, antes de mais, ser posto de lado. Só então nos abandonamos ao ESTAR-PRESENTE [Anwesen  ] não-dissimulado da coisa. Mas não precisamos nem de convocar primeiro nem mesmo de preparar este deixar que as coisas venham imediatamente ao [nosso] encontro. Há muito que isso acontece. Naquilo que a visão, a audição, o tacto [ – todos os sentidos – ] apresentam, nas sensações do colorido, do sonoro, do áspero, do duro, as coisas, literalmente, caiem sobre nós. A coisa é o aistheton  , aquilo que, por meio das sensações, é perceptível nos sentidos da sensibilidade. Por consequência, tornou-se então comum, mais tarde, o conceito de coisa segundo o qual ela não é senão a unidade da multiplicidade do que é dado aos sentidos. Que esta unidade seja compreendida como somatório ou como totalidade ou como figura, não modifica em nada a feição determinante deste conceito de coisa. [tr. Borges-Duarte   et alii; GA5  : A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

O utensílio, por exemplo, o calçado, enquanto algo feito, repousa também em si como a mera coisa, mas não tem o carácter espontâneo do bloco de granito. Por outro lado, o utensílio apresenta uma afinidade com a obra de arte, na medida em que é algo de produzido [Hervorgebrachte] pela mão do homem. No entanto, a obra de arte, pelo seu ESTAR-PRESENTE auto-suficiente, assemelha-se antes à mera coisa, que é espontânea e a nada impelida. Todavia, não incluímos as obras de arte entre as meras coisas. Geralmente, as coisas de uso que estão à nossa volta são as coisas mais imediatas e as que o são em sentido próprio. Assim, o utensílio, sendo determinado pela modalidade da coisa [Dinglichkeit  ], é em parte uma coisa, e é, porém, algo mais; é em parte, ao mesmo tempo, obra de arte, e é, porém, menos que isso, porque não tem a auto-suficiência da obra de arte. O utensílio tem uma peculiar posição intermédia entre a coisa e a obra, supondo que uma tal ordenação, que faz o ajuste de contas [entre eles], seja lícita. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

Uma obra arquitectónica, um templo grego, não copia coisa alguma. Está simplesmente aí de pé, no meio do vale rochoso e acidentado. A obra arquitectónica envolve a figura do deus e, neste encobrimento [Verbergung  ], deixa-a avançar, através do pórtico aberto, para o recinto sagrado. Por meio do templo, o deus torna-se presente no templo. Este ESTAR-PRESENTE do deus é, em si, o estender-se e delimitar-se do recinto como um recinto sagrado. Porém, o templo e o seu recinto não se desvanecem no indeterminado. A obra que o templo é articula e reúne pela primeira vez à sua volta, ao mesmo tempo, a unidade das vias e das conexões em que nascimento e morte, desgraça e benção, triunfo e opróbrio, perseverança e decadência… conferem ao ser-humano a figura do seu destino [Geschick  ]. A vastidão vigente destas conexões que estão abertas é o mundo deste povo histórico. É só a partir dele e nele que este retorna a si mesmo para a realização da sua determinação. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

Se tentarmos alcançá-lo por outra via, pondo a pedra sobre uma balança, só trazemos o que nela há de pesado ao cálculo [Berechnung  ] de um peso. Esta determinação da pedra – talvez [até] muito precisa – é apenas um número, e o pesar subtraiu-se-nos. A cor reluz e quer apenas luzir. Se a analisamos medindo-a racionalmente em termos de frequências de vibração, desaparece. Só se manifesta quando permanece não-desencoberta e inexplicada. Assim, a terra faz com que qualquer tentativa de intromissão em si se despedace contra ela mesma. Leva a que qualquer importunidade meramente calculadora se transforme numa destruição. Esta bem pode estar investida da aparência de um domínio e de trazer consigo o progresso na forma da objectivação técnico-científica da natureza, mas este domínio não é senão uma impotência da vontade. A terra só aparece abertamente clareada, enquanto terra, onde é guardada e resguardada como aquilo que é essencialmente insusceptível de ser descerrado [das Unerschließbare], que recua perante qualquer descerramento [Erschließung], o que significa que se mantém constantemente encerrada [verschlossen]. Todas as coisas da terra, e ela mesma no seu todo, se derramam numa unissonância recíproca. Mas este derramar não é um dissipar. Corre aqui a corrente, que assenta sobre si, da delimitação que limita tudo aquilo que está presente no seu ESTAR-PRESENTE. Desta forma, em cada uma das coisas que se fecham há o mesmo não-conhecer-se. A terra é aquilo que, por essência, se fecha. E-laborar a terra quer dizer: trazê-la ao aberto como aquilo que se encerra. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

Será necessário, para isso, que se faça a renovação da filosofia grega? De modo nenhum. Uma renovação – mesmo que fosse possível isso que é impossível – não nos ajudaria em nada, pois a história encoberta da filosofia grega consiste, desde o início, no facto de não permanecer conforme à essência da verdade que brilha na palavra aletheia  , e no facto de o seu saber e o seu falar acerca da essência da verdade se ter de desviar mais e mais para a discussão de uma essência derivada da verdade. A essência da verdade como aletheia permanece impensada no pensar dos gregos e, com maior razão, na filosofia ulterior. O não-estar-encoberto é para o pensamento o que de mais encoberto há no aí-ser [Dasein  ] grego, mas, ao mesmo tempo, é aquilo que determina, desde cedo, todo o ESTAR-PRESENTE daquilo que está presente. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

O ente só pode ser enquanto ente estando inserido e explicitado no aclarado desta clareira. É somente esta clareira que nos oferece e nos garante a nós, homens, uma passagem para o ente que nós próprios não somos e o acesso ao ente que nós próprios somos. É graças a esta clareira que o ente está em certa medida e de modos diversos não-encoberto. Pois, [até] mesmo encoberto, o ente só o pode estar na margem consentida [Spielraum  ] por este aclarado. Qualquer ente que vem ao [nosso] encontro [begegnet] e que acompanhamos [mitgegnet] submete-se a este peculiar antagonismo [Gegnerschaft] do ESTAR-PRESENTE, na medida em que, ao mesmo tempo, é sempre retido num estar-encoberto. A clareira em que o ente está inserido é, ao mesmo tempo, dentro de si, encobrimento. Mas o encobrimento vigora de um duplo modo no meio do ente. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

O artista não é um technites   pelo facto de ser também um artesão, mas porque tanto o e-laborar de obras quanto o e-laborar de utensílios acontecem no pro-duzir [Hervor-bringen  ] que, de antemão, permite ao ente apresentar-se [vor-kommen  ] no seu ESTAR-PRESENTE, a partir do seu aspecto. Porém, tudo isto acontece no meio do ente que irrompe por si mesmo, da physis  . A denominação da arte como techne não implica de modo nenhum que o trabalho do artista seja apreendido a partir do trabalho manual. Aquilo que, no criar de obras, se assemelha à confeição artesanal é de um outro tipo. Este trabalho está determinado pela e em consonância com a essência do criar, e permanece também retido nela. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

Temos de pensar o “colocar” no sentido de thesis  . Assim, diz-se na pág. 49: “Pôr e ocupar são aqui sempre (!) pensados a partir do sentido grego de thesis, que quer dizer um levantar no não-encoberto.” O “pôr” grego significa: colocar enquanto fazer-surgir, por exemplo, uma estátua; significa: o assentar, o depor de uma oferenda consagrada. Colocar e assentar têm o sentido de: trazer a emergir [Her-] no não-encoberto, [para] diante [vor-], para o que está presente, i. e. deixar-jazer-diante [vorliegenlassen]. Pôr e colocar não significam aqui nunca o contrapor-se [Sichentgegenstellen] (ao Eu-sujeito) que desafia, que foi concebido na modernidade. O estar-de-pé [Stehen  ] da estátua (i. e. o ESTAR-PRESENTE do (a)parecer que põe à vista um viso) é diferente do estar do que se opõe [Gegenstand  ] no sentido do objecto [Objekt], “Estar-de-pé” (cf. pág. 31) é a permanência [Ständigkeit  ] do (a)parecer. Pelo contrário, no interior da dialéctica de Kant   e do Idealismo alemão, tese, antítese e síntese significam um colocar no interior da subjectividade da consciência. Em conformidade com isso, Hegel   interpretou – com razão, a partir da sua posição – a thesis grega no sentido do pôr imediato do objecto [Gegenstand]. Este pôr é para ele, por consequência, ainda não-verdadeiro, porque ainda não sofreu a mediação pela antítese e pela síntese. (Cf. agora Hegel und die Griechen [Hegel e os Gregos], in: Wegmarken  , 1967.) [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

Se, no entanto, mantivermos em vista, no estudo acerca da obra de arte, o sentido grego de thesis: deixar-jazer-diante no seu (a)parecer e no seu ESTAR-PRESENTE, então o “fixo” em ‘fixar’ não pode ter nunca o sentido de rígido, imóvel e seguro. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

Se considerarmos em que medida é que a verdade como não-estar-encoberto do ente não significa senão o ESTAR-PRESENTE do ente enquanto tal, i.e., o ser (ver pág. 59), então o discurso acerca do estabelecer-se da verdade, i.e., do ser, no ente toca aquilo que é digno de questão na diferença ontológica (cf. Identität   und Differenz   [Identidade e diferença], 1957, pág. 37 e ss.). É por isso que se diz de forma cautelosa (A origem da obra de arte, pág. 49 e s.): “Com a referência ao estabelecer-se da abertura no aberto, o pensar roça um domínio circunscrito que ainda não pode ser aqui exposto.” Todo o ensaio A origem da obra de arte se move conscientemente, porém, de forma inexpressa, no caminho da pergunta pelo estar-a-ser do ser. A meditação sobre o que é a arte está determinada apenas, no seu todo e de forma decisiva, pela pergunta sobre o ser. A arte não é tida nem como campo de realização da cultura, nem como uma aparição do espírito, pertence ao acontecimento de apropriação [Ereignis  ] unicamente a partir do qual se determina o “sentido do ser” (cf. Ser e tempo  ). A pergunta acerca do que é a arte é uma das perguntas para as quais, no ensaio, não são dadas quaisquer respostas. O que quer que se lhes assemelhe não é senão uma directiva para o perguntar. (Cf. as primeiras frases do epílogo.) [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

O primeiro parágrafo designa a coisa da filosofia. “Ela contempla o-que-está-presente enquanto o-que-está-presente e assim (contempla) aquilo que neste (no que-está-presente) predomina já a partir de si mesmo”, [citação em grego] (Aristoteles  , Met. G, 1,1003a 21). O predominar diz respeito ao vir ao de cima no não-estar-encoberto. A filosofia contempla o-que-está-presente no seu ESTAR-PRESENTE. O contemplar observa o-que-está-presente. Trata-o de tal modo que o vê apenas enquanto tal. A filosofia vê o-que-está-presente no que diz respeito ao seu aspecto. Na visão deste contemplar não há a efervescência de nenhum sentido profundo. A ‘theoria   é o tornar sóbrio de todo o conhecer. Diz Hegel, na linguagem do seu pensar, que a filosofia é “o conhecer efectivo do que em verdade é”. Entretanto, o deveras ente revelou-se como o efectivo, cuja efectivi-dade é o espírito. Mas a essência do espírito assenta na autoconsciência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A absolutidade do absoluto, a absolvição absolvente que se absolve, é o trabalho de conceber-se da certeza de si incondicionada. É o sacrifício da dor em aguentar a ruptura com que a infinita relação [Relation] é, na qual se cumpre a essência do absoluto. A tempo, Hegel toma nota que “uma meia remendada é melhor que uma meia rota, mas não é assim com a autoconsciência”. Quando Hegel fala do trabalho do conceito, não é ao suor do esforço cerebral dos doutos que se refere mas sim ao ultrapassar-se do próprio absoluto para a absolutidade do seu conceber-se a partir da certeza incondicionada de si. Com o esforço do absoluto, assim especificado, pode todavia unificar-se o sem-esforço que caracteriza a parusia, na medida em que é a referência do ESTAR-PRESENTE em nós. O absoluto enquanto absoluto pertence simplesmente a esta referência. Ao esforço em fazer aparecer no absoluto o seu estar-em-pre-sença e, neste, a si mesmo, corresponde o esforço da ciência. É do sacrifício daquele que se determina o empenho desta. Contrariamente, a actividade diligente do pôr-à-prova crítico exime-se o mais que pode do que faz parte do esforço da ciência, passando-lhe ao lado: ao ponderar que o conhecer que deve ser posto à prova criticamente é conhecer absoluto, o que quer dizer, filosofia. O procedimento habitual da crítica corrente ao conhecer filosófico assemelha-se ao processo daqueles que pretendem representar um carvalho mas que não reparam que se trata de uma árvore. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A frase de Hegel: “Mas a ciência, na medida em que entra em cena, é ela mesma uma aparição”, é dita ambiguamente e, com efeito, com um propósito elevado. A ciência não é uma aparição apenas no sentido em que o aparecer vazio do saber não-verdadeiro é também uma aparição, contanto que se mostre em geral. Pelo contrário, a ciência é em si mesma já aparição, no único sentido em que, como conhecer absoluto, é o raio com que o absoluto, a própria luz da verdade, nos ilumina. O aparecer a partir deste brilhar do raio significa o ESTAR-PRESENTE em todo o esplendor da representificação [Repräsentation  ] que se presentifica [sich präsentierenden]. O aparecer é o próprio ESTAR-PRESENTE ele mesmo: a parusia do absoluto. Em conformidade com a sua absolutidade, o absoluto está, a partir de si mesmo, em nós. Na vontade de estar em nós, o absoluto é o que-está-presente [an-wesend]. Em si, de modo a trazer-se a si mesmo, é para si. É unicamente por causa da vontade de parusia que é necessária a apresentação do saber que se manifesta. É coagida a permanecer virada para a vontade do absoluto. A apresentação é ela mesma um querer, quer dizer, não é nem um desejar nem um aspirar, mas sim o próprio agir, contanto que se reúna na sua essência. No instante em que reconhecemos esta necessidade, temos de meditar sobre o que é esta apresentação, para saber como é, para que possamos ser a seu modo, quer dizer, executando-a. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Hegel faz uso dos nomes “consciência” e “saber” para o mesmo. Ambos se explicitam reciprocamente. Ser-consciente [Bewußtsein  ] quer dizer ser no estado do saber. O saber ele mesmo cerceia, presentifica e determina assim o modo do “ser-” enquanto ser-consciente [Bewußtsein]. Em tal estado estão, simultaneamente, o sabido [Gewußte], quer dizer, aquilo que o sapiente [Wissende] representa imediatamente, e este, o representante ele mesmo e o representar enquanto seu comportamento. Porém, saber significa vidi, vi, avistei alguma coisa, tomei conhecimento de alguma coisa. O perfeito do ter-visto é o presente do saber, em cuja presença [Präsenz  ] o visto é presente. Ver, é pensado aqui como ter-diante-de-si no re-presentar. Este, presentifica, indiferentemente de o que está presente [Präsente] ser algo percepcionado sensivelmente ou algo não pensado, nem querido nem sentido sensivelmente. O representar avista de antemão, é um ver originário da visão [Ersehen des Gesichtes], é idea  , embora no sentido da perceptio. Percebe algo-que-está-presente [Präsente] de cada vez enquanto tal e ocupa-se dele, classifica-o e consolida-o. O re-presentar vigora em todos os modos da consciência. Nem é apenas um intuir, nem é já um pensar no sentido do conceito que julga. O re-presentar reúne de antemão num ter-visto (coagitat). Na reunião está-presente o visto [Gesichtete]. A conscientia é a reunião no estar-em-presença [Anwesenheit], do gênero da presença do representificado. O re-presentar, enquanto modo do ter-visto [Gesichtethaben], traz à presença o que se vê, a imagem. O re-presentar é o depositar da imagem que vigora no saber enquanto o ter-visto: a imaginação. Ser-consciente significa ESTAR-PRESENTE [anwesen] no trazer de algo a partir do estar-representado [Vorgestellheit]. É deste modo que o directamente representado, o que representa e o seu representar são, e são-no enquanto co-pertencentes em si. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O nome ser-consciente designa um ser. Mas este “ser-” não deve ressoar em nós como uma palavra vazia. Quer dizer: o ESTAR-PRESENTE no modo da reunião do visto. O uso da palavra “ser-” significa todavia, em conformidade com o uso de há muito habitual da palavra, simultaneamente o próprio ente, que é de tal modo. A outra designação para este ente, que é no modo do saber, reza “sujeito”: o por todo o lado já subjacente, o que-está-presente e, por isso, acompanhando toda a consciência: o próprio re-presentante no seu representar, que remete para a si o seu re-presentado e assim o repõe. O representar presentifica no modo da representificação. O ser deste que se antecipa a tudo o que é representado, o ser do sujeito enquanto referência sujeito-objecto reflectida em si, chama-se subjectidade. Ela é a presença no modo da representificação. ESTAR-PRESENTE no estado do estar-representado quer dizer presentificar-se como saber no saber, aparecer no sentido imediato de mostrar-se num não-estar-encoberto, ESTAR-PRESENTE, existir [Dasein]. A consciência é, enquanto tal, em si, o que aparece. O existir imediato da consciência ou do saber é o aparecer, mas de modo a que o local do aparecer enquanto seu palco seja constituído no aparecer e por este mesmo. Talvez agora se tenha tornado mais nítido o que significa o título “Apresentação do saber que aparece”. Não significa a apresentação de algo que só começa a surgir, no mero aparentar. Significa unicamente: representar no seu aparecer o saber que, imediatamente, não é outra coisa que o que aparece no seu aparecer. Com o saber que aparece, a apresentação representa a consciência que é enquanto é, quer dizer, enquanto saber efectivo, real. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Diferentemente do uso linguístico de Hegel, utilizamos o termo “ser” tanto para aquilo que Hegel, juntamente com Kant, designa por objectualidade [Gegenständlichkeit] e objectividade [Objektivität] bem como para aquilo que ele representa como o deveras efectivo e designa como a efectividade do espírito. O einai   o ser dos gregos, interpretamo-lo não como Hegel, não a partir da sua visão, como objectualidade do representar imediato de uma subjectividade que ainda não se alcançou a si, quer dizer, não a partir desta, mas sim a partir da aletheia grega, como o ESTAR-PRESENTE a partir do e para o não-estar-encoberto. Mas a presença que acontece apropriadamente na representificação da skepsis da consciência é um modo do estar-em-presença que, tal como a ousia   dos gregos, se essencia a partir da essência ainda impensada de um tempo encoberto. A entidade do ente que, desde o início do pensamento grego até à doutrina nietzscheana do eterno retorno do idêntico, aconteceu apropriadamente como a verdade do ente, é para nós apenas uma maneira, ainda que decisiva, do ser que, de modo algum, aparece necessariamente apenas como o estar-em-presença do que vem-à-presença. A maneira do uso que Hegel faz da palava ser, em rigor, ele não devia continuar a designar aquilo que, para ele, é a verdadeira efectividade do efectivo, o espírito, com um termo que contivesse ainda a palava “ser”. Isto sucede, porém, por todo o lado, na medida em que o ser-autoconsciente permanece a essência do espírito. É evidente que este uso linguístico não é consequência de uma terminologia imprecisa ou inconsequente, funda-se, sim, no modo encoberto em que o próprio ser se desvela e encobre. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Com a devida precaução e as necessárias cautelas, é possível estabelecer uma diferença [Differenz] relativamente às distinções postas por Hegel, que anteriormente fora designada noutro sentido. A consciência natural podia chamar-se consciência ôntica, na medida em que visa directamente [geradezu] o objecto enquanto ente e, nesse sentido, igualmente, o seu saber dele enquanto algo que é ente e sempre o será. A expressão ôntico, criada a partir da expressão grega tò ón, o ente, significa aquilo que tem a ver com o ente. Mas o grego ón, “ente”, alberga em si uma essência própria de entidade (ousia), a qual não permanece de modo algum a mesma no decurso da sua história. Quando, pensando, fazemos uso das palavras ón e “ente”, pressupõe-se, em primeiro lugar, que pensamos – quer dizer, que tomamos em consideração – em que medida, em cada caso, o significado se altera e como, em cada caso, historicamente se fixa. Quando o ente aparece como objecto, na medida em que a entidade se clareou enquanto objectualidade e quando, por conseguinte, se aborda o ser como não-objectual, então tudo isto assenta já sobre aquela ontologia, pela qual o ón foi determinado enquanto hypokeimenon  , este, como subiectum, mas cujo ser o foi a partir da subjectidade da consciência. É porque ón significa tanto “ente” [Seiendes  ] como “sendo” [Seiend] que o ón enquanto “ente” pode ser reunido (legein  ) em direcção ao seu “sendo”. O ón até já está reunido em entidade, em conformidade com a sua duplicidade enquanto ente. Ele é ontológico. Mas com a essência do ón e a partir dele, altera-se sempre este reunir, o logos, e, com ele, a ontologia. Desde que o ón, o que-está-presente, emergiu enquanto physis, o ESTAR-PRESENTE do que-está-presente assenta, para os pensadores gregos, no phainesthai, no aparecer que se mostra do não-encoberto. Assim, a multiplicidade do que-está-presente, ta onta, é pensada como aquela que no seu aparecer é simplesmente tomada como o que-vem-à-presença. Tomar significa aqui: receber, sem mais nem menos, e deixá-lo permanecer no presente. O tomar (dechesthai) permanece sem fazer nada mais. Não continua, nomeadamente, a pensar o ESTAR-PRESENTE do presente. Permanece na doxa  . Em compensação, o noein   é aquele perceber que percebe o presente especificamente no seu ESTAR-PRESENTE e nesse sentido o inquire. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A duplicidade do ón designa tanto o presente como o ESTAR-PRESENTE. Designa ambos simultaneamente e nenhum deles enquanto tal. A esta duplicidade essencial do ón corresponde que o noein do einai, do eon, co-pertence à doxa dos dokounta, quer dizer, dos eonta. O que o noein percebe não é o deveras ente, disitinguindo-se da mera aparência. Pelo contrário, a doxa percebe ela mesma imediatamente o que-está-presente, mas não o ESTAR-PRESENTE do presente, cujo ESTAR-PRESENTE o noein percebe. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O décimo quarto parágrafo começa com a frase: “Este movimento dialéctico, que a consciência exerce sobre ela mesma, tanto sobre o seu saber como sobre o seu objecto, na medida em que daí lhe surja o novo objecto verdadeiro, é, no fundo, aquilo a que se chama experiência.” O que designa Hegel pela palavra experiência? Designa o ser do ente. O ente tornou-se, entretanto, sujeito e, com este, objecto e objectivo. Ser significa, desde há muito tempo, ESTAR-PRESENTE. O modo em que a consciência, o ente a partir do estar-sabido, está-presente, é o aparecer. A consciência é, enquanto ente que é, o saber que aparece. Pelo nome de experiência, Hegel designa o que aparece enquanto o que aparece, o ón he ón. Na palavra experiência está pensado o he. A partir do he (qua, enquanto) é pensado o ente na sua entidade. Experiência já não é, agora, o nome de uma espécie de conhecer. Experiência é, agora, a palavra do ser, na medida em que este é percebido a partir do ente enquanto tal. Experiência designa a subjectidade do sujeito. Experiência diz o que significa o “ser-” na palavra ser-consciente [Bewußtsein] e, justamente, de modo que só a partir deste “ser-” é que se torna evidente e vinculativo o que permanece por pensar na palavra “-consciente”. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Com esta duplicidade, a consciência revela a característica fundamental da sua essência: o de ser já algo que, simultaneamente, ainda não é. O ser, no sentido de consciência, significa o fazer estância no ainda-não do Já, e, justamente, de tal modo que este Já está-presente no ainda-não. O ESTAR-PRESENTE é, em si, o remeter-se para o Já. Põe-se a caminho deste. Forma-se a si mesmo o caminho. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

É apenas a partir do dialógico da consciência ôntico-ontológica que se pode realçar o tético do seu representar; é por isso que a caracterização da dialéctica pela unidade de tese, síntese e antítese continua a ser sempre correcta, mas também apenas derivada. O mesmo é válido também para a interpretação do dialéctico como in-finita negatividade [un-endliche Negativität  ]. Ela assenta no reunir-se-passando-por das figuras de diálogo da consciência em direcção ao conceito absoluto, na qualidade do qual a consciência é na sua verdade consumada. O tético-posicional e a negação negadora pressupõem o aparecer originariamente dialéctico da consciência, mas nunca formam a composição da sua natureza. O dialéctico não pode nem ser explicado logicamente a partir da posição e da negação do representar, nem comprovado onticamente como uma actividade e forma de movimento particular dentro da consciência real [reales Bewußtseins]. O dialéctico, enquanto modo do aparecer, é inerente ao ser, o qual, enquanto entidade do ente, se desenvolve a partir do ESTAR-PRESENTE. Hegel não concebe a experiência dialecticamente, pensa, sim, o dialéctico a partir da essência da experiência. Esta, é a entidade do ente, a qual, enquanto subiectum, se determina a partir da subjectidade. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O ir a é um conduzir até chegar a: o pastor vai com o rebanho, conduzindo-o ao monte. O experienciar é o conseguir chegar estendendo-se para e alcançando [auslangenderlangendes Gelangen]. O experienciar é um modo do ESTAR-PRESENTE, quer dizer, do ser. Pela experiência, a consciência que aparece está-presente enquanto a que aparece no seu próprio ESTAR-PRESENTE residindo em si mesma. A experiência recolhe a consciência na reunião da sua essência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A essentia   do ens no seu esse é a presença [Präsenz]. Mas a presença essencia-se no modo da presentificação. Mas porque entretanto o ens, o subiectum, se tornou res cogitans  , a presentificação é simultaneamente em si re-presentante [vor-stellend], quer dizer, representificação. Aquilo que Hegel pensa na palavra experiência é o que primeiro diz o que é a res cogitans   enquanto subiectum co-agitans. A experiência é a presentificação do sujeito absoluto que se essencia na representificação e assim se absolve. A experiência é a subjectidade do sujeito absoluto. A experiência é, enquanto a presentificação da representificação [Repräsentation] absoluta, a parusia do absoluto. A experiência é a absolutidade do absoluto, o seu aparecer no aparecer a si absolvente. Tudo reside em pensar a aqui chamada experiência como ser da consciência. Mas ser quer dizer ESTAR-PRESENTE. ESTAR-PRESENTE anuncia-se como aparecer. O aparecer é, agora, aparecer do saber. No ser, na qualidade do qual a experiência se essencia, reside o representar, no sentido de presentificar, como carácter do aparecer. Mesmo quando utiliza a palavra experiência no sentido comum de empiria, Hegel considera sobretudo o momento do ESTAR-PRESENTE. Entende, então, por experiência (cf. o prefácio ao “Sistema da Ciência” na Fenomenologia do Espírito, ed. Hoffmeister, p. 14) “a atenção ao actual [das Gegenwärtige] enquanto tal”. Intencionalmente, Hegel não diz de modo algum apenas que a experiência seja um ter em atenção o actual, mas sim tê-lo em atenção no seu ESTAR-PRESENTE. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Experiência diz respeito ao que-está-presente no seu ESTAR-PRESENTE. Mas, na medida em que a consciência é, ao pôr-se a si mesma à prova, parte para o seu ESTAR-PRESENTE, para chegar a ele. É inerente ao aparecer do saber que aparece, representificar-se na sua presença, quer dizer, apresentar-se. A apresentação é inerente à experiência e, com efeito, na sua essência. Não é meramente uma réplica da experiência, que também podia faltar. É por isso que a experiência só será, então, pensada na sua plena essência como a entidade do ente, no sentido do sujeito absoluto, quando se tornar claro, de que modo a apresentação do saber que aparece é própria do aparecer enquanto tal. O último passo em direcção à essência da experiência é dado no penúltimo parágrafo do trecho. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A experiência é o ser do ente. Entretanto, o ente apareceu no carácter da consciência e, enquanto o que aparece, é na representificação. Mas se, agora, a apresentação é inerente à essência da experiência, se a apresentação se funda na inversão, se a inversão, enquanto nosso ingrediente, é a consumação da nossa relação essencial para com a absolutidade do absoluto, então a nossa essência mesma é inerente a parusia do absoluto. A inversão é a skepsis em direcção à absolutidade. Inverte o que aparece no seu aparecer. Na medida em que se provê de antemão do aparecer, passa sobre tudo o que aparece enquanto tal, circunscreve-o [umfangt] e abre o perímetro do local [Umfang der Stätte  ] em que o aparecer aparece a si. É neste local e através dele que a apresentação faz a sua marcha, na medida em que permanentemente avança cepticamente diante de si [vor-sich-geht]. Na inversão, a apresentação tem a absolutidade do absoluto diante si e, assim, o absoluto residindo em si mesma. A inversão abre e delimita o local da história da formação da consciência. Deste modo, assegura a completude e a progressão da experiência da consciência. A experiência avança [geht], na medida em que avança diante de si e, avançando diante de si, retorna a si, desenvolvendo-se no retornar em direcção ao ESTAR-PRESENTE da consciência e, enquanto ESTAR-PRESENTE, permanentemente devém. O permanente e absolvido estar-em-presença da consciência é o ser do absoluto. Pela inversão, a consciência que aparece mostra-se no seu aparecer e apenas nele. O que aparece aliena-se no seu aparecer. Pela alienação [Entäußerung], a consciência sai para fora até ao mais extremo do seu ser. Mas nem se afasta, assim, de si e da sua essência, nem cai o absoluto pela alienação no vazio da sua fraqueza. Pelo contrário, a alienação é o manter-em-si da plenitude do aparecer por força da vontade, na qualidade da qual a parusia do absoluto vigora. A alienação do absoluto é a sua recordação originária [Er-innerung] na marcha do aparecer da sua absolutidade. A alienação é tão pouco o estranhamento [Entfremdung  ] em direcção à abstracção de modo que, por ela, o aparecer acaba por se sentir justamente em casa no que aparece enquanto tal. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A apresentação provê-se do vigor-violência da vontade, na qualidade da qual o absoluto quer o seu estar-em-presença (parusia). Aristóteles designa por episteme   tis o por ele caracterizado contemplar do ente enquanto ente, um modo em que assim se encontra o nosso ver e perceber, designadamente, no ESTAR-PRESENTE enquanto tal. A episteme, enquanto modo do estar-em, é, no que permanentemente está-presente ele mesmo, uma espécie de ESTAR-PRESENTE humano no que está-presente não-encoberto. Nós mesmos precipitamo-nos no errar se traduzirmos a palavra episteme por ciência, e deixarmos à discrição que se diga com esta palavra o que, justamente, nos é conhecido sob a designação de ciência em geral. Mas se, apesar disso, traduzirmos aqui episteme por ciência, então esta interpretação só terá razão, se entendermos o saber como o ter-visto e pensarmos o ter-visto a partir daquele ver que se encontra ante o aspecto do que está-presente enquanto o que está-presente e visa o estar-em-presença ele mesmo. A partir do saber assim pensado a episteme tis de Aristóteles conserva, e de certo, não por acaso, a conexão essencial àquilo que Hegel chama “a ciência”, cujo saber, evidentemente, se transformou com aquela transformação do ESTAR-PRESENTE do que está-presente. Se entendermos o nome “ciência” apenas neste sentido, então as assim chamadas ciências são ciência em segunda linha. As ciências, no fundo, são filosofia, mas são-no de uma maneira em que abandonam o seu próprio fundamento e se instalam, a seu modo, naquilo que a filosofia lhes abriu. Este é o domínio da techne. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O décimo sexto parágrafo, com que o trecho termina, abre o horizonte deste contexto. Contudo, ele só se mostra, se não perdermos de vista que a experiência é a entidade do ente, o qual, enquanto consciência, vem-à-sua-presença nas suas figuras. O estar-em-presença do que-está-presente, a ousia do ón é já para os pensadores gregos, desde que o ón emergiu enquanto physis, o phainesthai: o aparecer que se mostra. Por conseguinte, a multiplicidade do-que-está-presente (ta onta) é pensada como aquilo que no seu aparecer é simplesmente percebido e aceite: ta dokounta. A doxa aceita e conforma-se imediatamente com o-que-está-presente. Pelo contrário, o noein é aquele perceber que aceita o-que-está-presente enquanto tal e o inquire no sentido do seu ESTAR-PRESENTE. Porque o ón, o-que-está-presente, significa de modo dúplice tanto o-que-está-presente [das Anwesende] ele mesmo como também o estado de presença [das Anwesend], o ón encontra-se de um modo essencialmente necessário e co-originário em conexão com o noein e com a doxa. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Também o ser daquilo que, na certeza, é o sabido tem a característica fundamental do ESTAR-PRESENTE. Essencia-se enquanto aparecer. Mas no ESTAR-PRESENTE do saber, quer dizer, do subiectum, no sentido da res cogitans, o aparecer já não é o mostrar-se da idea enquanto eidos  , mas sim da idea enquanto perceptio. O aparecer é agora o ESTAR-PRESENTE no modo da presentificação no domínio da representificação. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O aparecer do saber que aparece é o ESTAR-PRESENTE imediato da consciência. Mas este ESTAR-PRESENTE essencia-se à maneira da experiência. Com ela, o absoluto, o espírito, alcança “a totalidade do reino” desenvolvido “da sua verdade”. Os momentos da sua verdade são, porém, as figuras da consciência, que na marcha da experiência se libertaram de tudo o que, de cada vez, só parece ser o verdadeiro para a consciência natural, na medida em que, na sua história, ele só é de cada vez para ela. Se, pelo contrário, a experiência estiver consumada, o aparecer do que aparece alcançou o puro brilhar [das reine Scheinen  ], com que o absoluto está-presente absolutamente em si mesmo e é, ele mesmo, a essência. A partir deste puro aparecer [reines Scheinen] vigora o vigor-violência que exerce sobre a consciência mesma o movimento da experiência. O vigor-violência do absoluto que vigora na experiência “continua a impelir a consciência para a sua existência [Existenz  ] verdadeira”. Existência significa aqui o ESTAR-PRESENTE no modo do aparecer a si. Neste ponto, o puro aparecer do absoluto coincide com a sua essência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Porque que é que Hegel abandonou o título inicialmente escolhido, “Ciência da Experiência da Consciência”? Não sabemos porquê. Mas podemos supor. Ter-se-á assustado perante a palavra “experiência”, por ele próprio sublinhada e colocada no meio? A palavra dá, agora, nome ao ser do ente. Em Kant, é o nome que designa o único conhecimento teórico possível do ente. Pareceu todavia demasiado ousado fazer soar de um modo novo a ressonância do significado originário da palavra “experienciar” [erfahren  ], que Hegel provavelmente tinha no ouvido pensante: experienciar enquanto o estender-se para, indo à procura [auslangendes Gelangen], e este como o modo do ESTAR-PRESENTE [Anwesens], do einai, do ser? Pareceu demasiado ousado elevar esta sonoridade antiga a sonoridade fundamental da língua em que a obra fala, mesmo onde não surge a palavra “experiência”? Surge em todos os trechos e passagens essenciais da sua marcha. Contudo, na última parte principal, que apresenta o aparecer da consciência enquanto espírito, recua. Mas, por outro lado, o prefácio, escrito depois de terminada a obra, ainda se refere ao “Sistema da Experiência do Espírito”. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Mas o que é a fenomenologia do espírito, se é a experiência da consciência? Ela é o cepticismo que se consuma a si mesmo. A experiência é o diálogo [Gespräch  ] entre a consciência natural e o saber absoluto. A consciência natural é o espírito existente em cada caso historicamente no seu tempo. Mas este espírito não é ideologia nenhuma. Ele é, enquanto subjectidade, a efectividade do efectivo. Os espíritos históricos permanecem, em cada caso, neles mesmos originariamente recordados [er-innert] para eles mesmos. Mas o saber absoluto é a apresentação do aparecer do espírito que existe [daseinden]. Ele consuma “a organização” da constituição de ser do reino dos espíritos. A marcha do diálogo reúne-se no local pelo qual somente passa (obtém) na sua marcha para, atravessando-o, nele se instituir, e, assim alcance nele ESTAR-PRESENTE. A marcha que alcança do diálogo é o caminho do desespero do estar-em-dúvida [Verzweiflung  ], no qual a consciência perde, em cada caso, o seu ainda-não-verdadeiro e o sacrifica ao aparecer da verdade. No acabamento do diálogo “do cepticismo que se consuma a si mesmo” sentencia-se que este está consumado. Sentencia-se no local do caminho em que a consciência morre ela mesma a sua morte, para a qual é atirada pelo vigor-violência do absoluto. No fim da obra, Hegel chama à fenomenologia do espírito “o calvário do espírito absoluto”. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Literalmente, podemos tomar os dezasseis parágrafos como a explicação do título, que depois desapareceu. Contudo, pensando a partir da coisa, não é do título de um livro que se trata, mas sim da própria obra. Nem sequer da obra, mas sim daquilo de que a obra é apresentação: da experiência, da fenomenologia enquanto o-que-se-essencia da parusia do absoluto. Mas, de novo, não para disso tomarmos conhecimento, mas sim para que estejamos nós mesmos na experiência, que é também o nosso ser, e, isto, no sentido antigo do ser como ESTAR-PRESENTE residindo no [anwesend bei  ]… que-está-presente. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Longo é o tempo indigente da noite do mundo. Terá que demorar muito até esta chegar ao seu meio próprio. Na meia-noite desta noite será o apogeu da indigência do tempo. Então, o tempo em declínio deixará de experienciar a sua própria carência. Esta incapacidade, através da qual a própria carência do indigente cai na escuridão, é a indigência, por excelência, do tempo. O obscurecimento da carência torna-se completo por já só ser capaz de aparecer como a mera necessidade que quer ser satisfeita. Contudo, deve pensar-se a noite do mundo como um destino, que acontece aquém do pessimismo e do optimismo. Talvez se aproxime agora a noite do mundo da sua meia-noite. Talvez a era do mundo se torne completamente um tempo indigente. Por outro lado, pode ser que não, talvez ainda não, sempre ainda não, apesar da miséria incomensurável, apesar de todos os sofrimentos, apesar do sofrimento sem nome, apesar da propagação da ausência de paz, apesar da confusão crescente. É longo o tempo porque mesmo o horror, tomado como um fundamento da viragem, não é capaz de nada, enquanto não se der uma viragem com os mortais. Ora essa viragem apenas se dará quando os mortais encontrarem a sua própria essência. Pertence à sua essência o facto de serem eles, e não os celestes, a chegar primeiro ao abismo. Eles permanecem, se pensarmos na sua essência, mais próximos da ausência, porque se encontram tocados pelo ESTAR-PRESENTE, como desde há muito o ser é chamado. Mas porque o ESTAR-PRESENTE simultaneamente se encobre, é ele próprio ausência. Deste modo, o abismo alberga e percebe tudo. No Hino Titânico (IV, 120), Hölderlin   chama ao “abismo” o “que tudo percebe”. Quem dos mortais, primeiro e de uma forma diversa, tiver de chegar ao abismo, experimentará os sinais que o abismo anotou. Estes constituem, para o poeta, os vestígios dos deuses foragidos. De acordo com a experiência de Hölderlin, é Dionísio, o deus do vinho, que traz este vestígio aos homens sem-Deus envoltos pela escuridão da sua noite do mundo. Porque o deus das videiras guarda nestas e nos frutos destas, simultaneamente, a co-pertença originária da terra e do céu como o terreiro festivo onde se celebra a união entre os homens e os deuses. Apenas no domínio deste local poderão ainda ter ficado, se é que ficaram, vestígios dos deuses foragidos para os homens sem-Deus. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: Para quê poetas?]

Ora, enquanto pensadores, temos em consideração que, já de início, o ser do ente é pensado com vista à sua circunscrição. Pensamos, porém, este carácter esférico do ser demasiado desleixadamente e sempre apenas à superfície, se ainda não tivermos perguntado e experimentado como inicialmente se essencia o ser do ente. O eon, o sendo, dos eonta, do ente na sua totalidade, chama-se o hen  , o Uno que une. Mas que será este unir circunscrevente como traço fundamental do ser? Que significa ser? eon, sendo, significa: presente, nomeadamente, presente no que não está encoberto. No entanto, no ESTAR-PRESENTE encobre-se: a-presentar o não-estar-encoberto que faz essenciar-se algo que está presente enquanto tal. Na verdade, porém, presente está apenas o próprio ESTAR-PRESENTE, que está em todo o lugar como sendo o Mesmo no seu próprio centro, e sendo como tal a esfera. O carácter esférico não consiste num dar a volta que acabe por abranger, mas antes num centro que desencobre, que, clareando, alberga o que está presente. O esférico do uno e este mesmo uno têm o carácter do clarear que desencobre, dentro do qual o que está presente é capaz de estar presente. É por isso que Parmênides   (frgm.VIII, 42) denomina o eon, o ESTAR-PRESENTE daquilo que está-presente, como eukyklos sphaire. Esta esfera bem arredondada deve ser pensada como o ser do ente no sentido do Uno que, simultaneamente, desencobre e clareia. Isto, que une em toda a parte, segundo a forma acima exposta, leva-nos a denominá-lo de órbita que clareia, e que, precisamente na sua qualidade de desencobrir, não abrange de modo algum, mas antes pelo contrário, possibilita ele mesmo, de um modo que clareia, o surgimento de algo no ESTAR-PRESENTE. Jamais deveremos representar esta esfera do ser e o seu esférico como objectos. E como não-objectos? Também não. Isso constituiria mero subterfugio de uma forma de falar. O esférico deve ser pensado a partir da essência do ser inicial, no sentido do ESTAR-PRESENTE que desencobre. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: Para quê poetas?]

Quando fala do círculo mais vasto, será que Rilke   está a referir-se a este esférico do ser? Não apenas não temos quaisquer indícios a favor disto, como também a caracterização do ser do ente como risco (vontade) contraria, decerto, essa possibilidade. Contudo, o mesmo Rilke fala uma vez da «esfera do ser», e isto num contexto que diz imediatamente respeito à interpretação do conceito do círculo mais vasto. Rilke escreve numa carta do Dia de Reis de 1923, (cfr. Inselalmanach 1938, p. 109): «como a lua, a vida tem também, decerto, um lado que nos está permanentemente escondido, e que não é o seu oposto, mas sim o seu complemento para a perfeição, para o acabamento, para a esfera verdadeira, sã e salva [heil], plena do ser». Embora não possamos fazer uma interpretação forçada da relação plástica face ao corpo celeste representado como objecto, continua a ser evidente que Rilke não está aqui a pensar o esférico a partir do ângulo que visa o ser no sentido do ESTAR-PRESENTE clareador que une, mas sim a partir do ângulo que visa o ente no sentido do acabamento de todos os seus lados. A esfera do ser aqui mencionada, isto é, do ente na sua totalidade, é o aberto enquanto coesão das forças puras que fluem sem limites umas nas outras, interagindo entre si. O círculo mais vasto é a totalidade da conexão completa da atracção. A este círculo mais vasto corresponde, enquanto centro mais forte, o «centro inaudito» da força pura da gravidade. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: Para quê poetas?]

O dizer mais dizente dos que arriscam mais é o canto. Contudo, Cantar é existir [Dasein] diz o terceiro soneto da primeira parte dos Sonetos a Orfeu. A palavra existir é aqui utilizada no sentido tradicional do ESTAR-PRESENTE que significa o mesmo que ser. Cantar, dizer expressamente o existir mundano, dizer a partir do são e salvo da conexão pura e completa, e dizer apenas isto, significa: pertencer ao recinto do ente ele mesmo. Este recinto é, enquanto essência da linguagem, o ser mesmo. Cantar o canto significa: ESTAR-PRESENTE no que está-presente ele mesmo, significa: aí-ser [Dasein]. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: Para quê poetas?]

Do auge   da conclusão da filosofia ocidental profere-se esta palavra: “Imprimir ao devir o cunho do ser – eis a suprema vontade de poder”. Assim escreve Nietzsche   num apontamento que tem o título: Recapitulação. Pelo aspecto da caligrafia do manuscrito, temos de o datar do ano de 1885, altura em que Nietzsche, depois de Zaratustra, planeou a sua principal obra sistemática e metafísica. “O ser” que Nietzsche pensa aqui é “o eterno retorno do mesmo”. Este retorno é a forma de persistência [Bestândigung] na qual a vontade de poder se quer a si mesma e assegura o seu próprio ESTAR-PRESENTE [Anwesen] enquanto ser do devir. No extremo da conclusão da metafísica vem a ter lugar na palavra o ser do ente. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro  ]

A primeira coisa que retiramos da palavra poética é que tá eonta se distingue de tá essomena e de pró eonta. De acordo com isto, tá eonta designa o ente no sentido de “o-que-é-actual” [das Gegenwärtige]. Quando nós, os pósteros, dizemos “actual”, então temos em vista ou o que pertence a um “agora”, e representamos isso como algo de intra-temporal  , sendo o “agora” tido como uma fase no decurso do tempo; ou pomos o “actual” em relação com o que está perante como objecto [das Gegenständige]. Isto, sendo aquilo que é objecto, é posto em relação com um sujeito que representa. Se, todavia, usamos “actual” para a sobre-determinação de eonta, ficamos obrigados a compreender o actual a partir da essência de eonta e não ao contrário. Porém, eonta é também o que passou e o que virá. Ambos são um modo de o-que-está-presente [das Anwesende], a saber, do que está não-actualmente presente [das ungegenwärtig Anwesende]. Ao que está actualmente presente [das gegenwärtig Anwesende] chamam também os gregos, precisando, tá pareonta; pará significa “junto de”, a saber, o que chega junto do não-estar-encoberto. O gegen [“contra”, “perante”] em gegenwärtig [“actual”, “presente”] não tem em vista o que está presente no sujeito, mas sim a região-de-encontro aberta [die offene   Gegend] em que tem lugar o não-estar-encoberto – no qual se demora aquilo que aí chegou, entrando e permanecendo no seu interior. Em conformidade com isto, “actual”, enquanto determinação dos eonta, significa o mesmo que: chegado a uma demora [Weile  ] no interior da região-de-encontro do não-estar-encoberto. O eonta, que é dito em primeiro lugar, que, por isso, é acentuado e que, com isso, propriamente se diferencia de proeonta e essomena, designa, para os gregos, o-que-está-presente [das Anwesende] na medida em que isso chega, no sentido exposto, a uma demora interior à região-de-encontro do não-estar-encoberto. Uma tal vinda é a autêntica chegada, é o ESTAR-PRESENTE [das Anwesen] do que está autenticamente presente. Também o que passou e o que virá é algo-que-está-presente, nomeadamente dentro fora da região-de-encontro do não-estar-encoberto. O que está não-actualmente presente é o-que-está-ausente [das Ab-wesende]. Enquanto tal, permanece referido de forma essencial ao que está actualmente presente, na medida em que ou chega à região-de-encontro do não-estar-encoberto ou se vai dele. Também o-que-está-ausente é algo-que-está-presente e, enquanto algo-que-está-ausente do não-estar-encoberto, está presente nele. Também o que passou e o que virá são eonta. Assim, eon significa: “estando presente no não-estar-encoberto”. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Para o vidente, tudo o que está presente e tudo que está ausente se reúnem em um ESTAR-PRESENTE , e aí se preserva a descoberto [gewahrt]. A nossa antiga palavra war [“era”, “foi”] significa “protecção”. Conhecemo-la, ainda, em wahrnehmen   [“perceber”, “percepcionar”], isto é, acolher no domínio do que se preserva a descoberto [in die Wahr nehmen  ], em gewahren [“descobrir”, “notar”] e verwahren [“guardar, preservar”]. Há que pensar o “preservar a descoberto” [das Wahren] como o pôr-a-salvo que faz clarear e reúne [das lichtend-versammelnde Bergen]. O ESTAR-PRESENTE preserva a descoberto [wahrt], no não-estar-encoberto, aquilo que está presente – tanto o que está actualmente presente quanto o que está presente, mas não actualmente. O vidente fala a partir do preservar-se a descoberto do que está presente. Ele é aquele que diz o domínio do que se preserva a descoberto [die Wahr]. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Pensamos aqui o domínio do que se preserva a descoberto no sentido da reunião que clareia e põe a salvo – e é como tal que esse domínio indica um traço fundamental, até aqui velado, do ESTAR-PRESENTE, isto é, do ser. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Um dia aprenderemos a pensar a nossa já gasta palavra Wahrheit   [“verdade”] a partir de Wahr [“domínio do que se preserva a descoberto”], e experimentaremos o facto de que a verdade é o acto de se preservar a descoberto [Wahrnis] do ser, e de que o ser, enquanto ESTAR-PRESENTE, lhe pertence. Ao acto de se preservar a descoberto, como protecção do ser, corresponde o pastor – o qual tem tão pouco que ver com um pastoreio idílico e uma mística da natureza que ele apenas pode ser pastor do ser na medida em que continua a ser aquele que ocupa o lugar que é o do nada. Ambas as coisas são a mesma. Ambas as coisas são coisas de que o homem só é capaz no quadro do estar-decidido-abrindo o ser-o-aí [Entschlossenheit   des Daseins]. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

O vidente é aquele que já viu o todo do que está presente no seu ESTAR-PRESENTE; dito em latim: vidit; em alemão: er steht im Wissen   [“ele está no saber”]. Ter visto é a essência [Wesen] do saber. No ter visto, sempre já entrou em jogo uma outra coisa diferente da execução de um processo óptico. No ter visto, a relação com o-que-está-presente é anterior a todo o tipo de apreensão sensível e não-sensível. É a partir daí [dessa relação anterior] que o ter visto está relacionado com o ESTAR-PRESENTE que clareia. O ver não se determina a partir do olho, mas sim a partir da clareira do ser. A insistência [Inständigkeit] nela é a estrutura de todos os sentidos humanos. O estar-a-ser como ter visto é o saber. Este mantém a vista. Recorda o ESTAR-PRESENTE. O saber é a memória do ser. É por isso que Mnemosyne é a mãe das Musas. O saber não é a ciência no sentido moderno. O saber é a preservação a descoberto do domínio do ser que se preserva a descoberto [das Gewahren der Wahrnis des Seins]. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Ao mesmo tempo, revela-se que o ser como ESTAR-PRESENTE do que está presente, em si mesmo, é já a verdade, contanto que pensemos o estar-a-ser da verdade como reunião que faz clarear e põe a salvo [lichtend-bergende Versammlung] ; contanto que nos mantenhamos livres do posterior – e hoje óbvio – pressuposto da Metafísica segundo o qual a verdade é uma propriedade do ente ou do ser. O ser (diz-se esta palavra tal como foi pensada) é o einai como ESTAR-PRESENTE, é, de um modo oculto, uma propriedade da verdade – não, obviamente, da verdade como uma característica do conhecimento, seja ele divino ou humano, e não, obviamente, uma propriedade no sentido de uma qualidade. Além disso, ficou claro: tá eonta designa, de um modo ambíguo, tanto o que está actualmente presente quanto também o não-actualmente presente, o qual, compreendido a partir daquele, é o que está ausente. Mas o actualmente presente não se acha entre [as duas partes de] o que está ausente como um pedaço cortado. Se o que está presente se encontra, de antemão, no domínio da visão, tudo está a ser em conjunto [west… zusammen  ], um traz o outro consigo, este deixa escapar aquele. O actualmente presente no não-estar-encoberto demora-se nele como na região-de-encontro aberta [offene Gegend]. O que se demora actualmente nesta região-de-encontro (o-que-se-demora [Weilige]) surge nela a partir do encobrimento e chega ao não-estar-encoberto. Mas o que está presente é demorando-se como o que chega [weilend ankunftig], na medida em que também já se vai para fora do não-estar-encoberto e em direcção ao encobrimento. O que está actualmente presente demora-se por uma vez [jeweils]. É algo que se está a demorar na chegada [a partir da origem] e na ida [que o faz partir]. O demorar-se é a passagem da chegada à partida. O-que-está-presente é o-que-se-demora-por-uma-vez [das Je-weilige]. Demorando-se passageiramente, está ainda a demorar-se na chegada [a partir da origem] e a demorar-se já na ida [que o faz partir]. O que está presente demorando-se por uma vez, o presente actual, está a ser [west] a partir do estar-ausente. Isto é precisamente o que há a dizer do que está autenticamente presente – o qual a nossa representação habitual gostaria de separar de todo o estar-ausente. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Só algumas décadas depois de Anaximandro é que, através de Parmênides, eon (que-está-presente) e einai (ESTAR-PRESENTE) se tornam a palavra fundamental – dita de forma expressa – do pensar ocidental. É certo que isto não acontece por Parmênides ter interpretado o ente de forma “lógica”, a partir da proposição e da sua cópula, como ensina ainda hoje a ideia errada que é corrente. No quadro do pensar grego, nem sequer Aristóteles foi tão longe, quando pensou o ser do ente a partir da kategoria  . Aristóteles percebia o ente como aquilo que, estando perante, já está disponível para a proposição, isto é, como aquilo que está de cada vez presente de forma não-encoberta. Aristóteles não tinha de todo necessidade de interpretar o hypokeimenon, a substância, a partir do sujeito da proposição, porque a essência [Wesen] da substância, isto é, em grego, a essência [Wesen] da ousia, já havia sido tornada manifesta no sentido de parousia. Mas Aristóteles também não pensou a presença do que está presente a partir do carácter de objecto que inere ao objecto da proposição [aus der Gegenständlichkeit des Satzgegenstandes], mas sim como a energeia  , que, na verdade, está separada por um abismo da actualitas   do actus purus da escolástica medieval. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Mas, desde a madrugada do pensar, “ser” designa o ESTAR-PRESENTE do que está presente, no sentido da reunião que faz clarear e põe a salvo, que é como o logos é pensado e designado. O logos (legein, recolher, reunir) é experimentado a partir da aletheia, do pôr-a-salvo que desencobre. O referido estar-a-ser [Wesen] de Heris e Moira   esconde-se na sua essência [Wesen] discordante – dois nomes que, ao mesmo tempo, designam a physis. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

É no quadro da linguagem destas palavras fundamentais, pensadas a partir da experiência do ESTAR-PRESENTE, que as palavras do Dito de Anaximandro falam: dike  , tisis, adikia. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

O auta refere-se ao que foi designado na proposição precedente. Só isto pode ser visado: tá onta, o que está presente no todo, o que está actualmente e não-actualmente presente no não-estar-encoberto. Se se designa isto expressamente com a palavra eonta ou não, pode permanecer em aberto, de acordo com a incerteza a respeito do texto. O auta designa tudo o que está presente, que é no modo do “por-uma-vez”: deuses e homens, templos e cidades, mar e terra, águia e cobra, árvore e arbusto, vento e luz, pedra e areia, dia e noite. O que está presente pertence à unidade do ESTAR-PRESENTE, na medida em que cada ente fica presente a outro ente na sua demora, demorando-se com ele. Esta multiplicidade (polla  ) não é a adição em série de objectos separados, por detrás dos quais se encontrasse algo que os abrangesse em conjunto. No ESTAR-PRESENTE enquanto tal campeia, antes, o demorar-se-em-relação de uma reunião encoberta. Por isso, Heráclito  , tendo em vista este estar-a-ser no ESTAR-PRESENTE que reúne unindo e desencobrindo, chama “hen (o ser do ente) ao logos. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Em que medida é que aquilo que está presente por uma vez se encontra na injustiça? O que é injusto naquilo que está presente? O direito que assiste ao que está presente não é o de se demorar e permanecer de cada vez e por uma vez, de forma que preenche o seu ESTAR-PRESENTE? [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

O Dito diz inequivocamente que aquilo que está presente está na adikia, quer dizer, saiu da sua articulação própria. Isto, porém, não pode querer dizer que já não está presente. Mas também não diz apenas que é ocasionalmente, ou talvez em qualquer uma das suas propriedades, que aquilo que está presente saiu da sua articulação própria. O Dito diz: o que está presente – como presente que é – saiu da sua articulação. A articulação tem de pertencer ao que está presente enquanto tal, juntamente com a possibilidade de sair da articulação. O que está presente é o que se demora por uma vez. A demora [die Weile] está a ser [west] enquanto chegada passageira à ida. A demora está a ser [west] entre o chegar de algures e o partir para algures. É entre este duplo estar-ausente [Ab-wesen] que o ESTAR-PRESENTE de tudo o que se demora está a ser [west]. É neste “entre” que se articula aquilo que se demora por uma vez. Este “entre” é a articulação [Fuge] em que, desde a origem até à partida, se articula por uma vez aquilo que se demora. O ESTAR-PRESENTE do que se demora arremessa-se em direcção ao “de onde” da origem e ao “para onde” da partida. O ESTAR-PRESENTE articula-se no estar-ausente em ambas as direcções. O ESTAR-PRESENTE está a ser [west] numa tal articulação. O que está presente desponta do chegar da origem, e vai-se na ida – as duas coisas ao mesmo tempo e, na verdade, na medida em que se demora. A demora está a ser [west] na articulação. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Então, o que se demora por uma vez está, porém, precisamente na articulação do seu ESTAR-PRESENTE, e não está de modo nenhum – poder-se-ia dizer agora – na não-articulação [Un-Fuge], na adikia. Só que é isto mesmo que o Dito diz. Ele fala a partir da experiência essencial de que a adikia é a característica fundamental dos eonta. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

O que se demora por uma vez, enquanto algo que se demora, está a ser [west] na articulação que articula o ESTAR-PRESENTE no duplo estar-ausente. Porém, o que se demora por uma vez, enquanto o-que-está-presente, pode – precisamente ele e só ele – demorar-se [sich verweilen], ao mesmo tempo, na demora. O que chega pode até insistir na sua demora, apenas para continuar, através disso, mais presente – “presente” [aqui] no sentido de “o-que-persiste” [Beständiges]. O que se demora por uma vez permanece insistindo no seu ESTAR-PRESENTE. É de tal modo que ousa subtrair-se à sua demora passageira. Aferra-se à obstinação do permanecer insistente. Volta as costas a tudo o mais que está presente. Insiste, como se fosse isto o demorar-se [Verweilen], na persistência [Beständigkeit] do continuar-a-persistir [fort-bestehen]. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Estando a ser [wesend] na articulação da demora, o que está presente sai da articulação e, enquanto o-que-se-demora-por-uma-vez, é na não-articulação. Ao ESTAR-PRESENTE do que está presente, ao eon dos eonta, pertence a adikia. Então, este estar na não-articulação seria o estar-a-ser de tudo o que está presente. Assim, viria à luz, no Dito inicial do pensar, o pessimismo, para não dizer niilismo, da experiência do ser grega. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Entretanto, a “injustiça das coisas” – dita sem pensar – foi esclarecida, a partir do estar-a-ser – este pensado – do que se demora por uma vez, como a não-articulação no demorar-se. A não-articulação consiste no facto de que o-que-se-demora-por-uma-vez procura insistir na demora, no sentido, apenas, do “persistir”. O demorar-se como permanecer, se pensado a partir da articulação da demora, é a rebelião contra o mero durar. No próprio ESTAR-PRESENTE, que faz demorar-se por uma vez aquilo que está presente na região-de-encontro do não-estar-encoberto, entra em rebelião a insistência [Bestândigung]. Através deste elemento de rebelião da demora, o que se demora por uma vez insiste na mera persistência [Beständigkeit]. O que está presente, então, está a ser [west] sem e contra a articulação da demora. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Como é que é suposto que aquilo que está presente enquanto tal dê a articulação do seu ESTAR-PRESENTE? O “dar” aqui designado só pode assentar no modo do ESTAR-PRESENTE. Dar não é apenas entregar [Weggeben]. Mais originário que isso é o “dar” no sentido de “conceder” [Zugeben]. Um tal “dar” dá lugar a que aquilo que é outro tenha aquilo que lhe pertence [läßt gehören  ]. O que pertence ao que está presente é a articulação na sua demora, que aquilo que está presente articula na origem e na ida. Na articulação, o que se demora por uma vez conserva a sua demora. Assim, não aspira à não-articulação do mero permanecer. A articulação pertence ao que se demora por uma vez, que pertence à articulação. A articulação é a conveniência [der Fug  ]. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

dike, pensada a partir do ser como ESTAR-PRESENTE, é a conveniência que faz convir e articular. Adikia, a não-articulação, é a não-conveniência. Só continua a ser necessário que, ao pensarmos estas palavras escritas com letra maiúscula, também as pensemos em grande, de acordo com toda a sua força linguística. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

O que está presente demorando-se por uma vez está presente na medida em que se demora, demorando-se desponta e desaparece, demorando-se sustém a articulação da passagem da origem à ida. Este “suster a passagem demorando-se por uma vez” é a permanência do que está presente – uma persistência que articula. O que precisamente acontece é que ela não insiste no mero permanecer. Não cai às mãos da não-articulação. Prevalece sobre a influência [verwindet] da não-conveniência. Demorando-se na sua demora, o-que-se-demora-por-uma-vez dá lugar a que pertença ao seu estar-a-ser, como ESTAR-PRESENTE, a conveniência. O didonai designa este “dar lugar a que pertença”. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

O ESTAR-PRESENTE do que está presente dernorando-se por uma vez não consiste na adikia, tomada em si mesma, nem consiste na não-conveniência, mas sim no didonai diken… tês adikias, consiste no facto de que aquilo que está presente, de cada vez e por uma vez, dá lugar a que lhe pertença a conveniência. O que está actualmente presente não é impelido, como se fosse recortado, para o meio [das partes] do que está não-actualmente presente. O que está actualmente presente é o presente, na medida em que dá lugar a que ele próprio pertença ao não-presente: [citação em grego] eles, os mesmos, dão lugar a que pertença a conveniência (na prevalência sobre a influência) da não-conveniência. A experiência do ente no seu ser que vem aqui a ter expressão na linguagem não é pessimista e não é niilista; também não é optimista. Permanece trágica. Porém, esta é uma palavra pretensiosa. Talvez possamos, contudo, seguir o rasto da essência [Wesen] do trágico se não o esclarecermos do ponto-de-vista psicológico e estético, mas só pensarmos o seu modo de ser, o ser do ente, enquanto pensamos o [citação em grego]. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Contudo, cada ser que se demora também já se dispersa em relação ao que é outro. Nenhum tem em consideração o estar-a-ser – que se demora – do outro. Os que se demoram por uma vez não têm respeito [Rucksicht] uns pelos outros, cada um parte, por uma vez, da procura do permanecer – uma procura que campeia no próprio ESTAR-PRESENTE demorando-se, e que é sugerida por ele. Por isso, os que se demoram por urna vez não se desligam [uns dos outros] na mera ausência de respeito. É esta mesma ausência de respeito que os impele para o permanecer, de tal forma que eles ainda estão presentes como seres presentes. O que está presente no todo não se desmembra em partes que, apenas por ausência de respeito, se individualizassem, e não se dispersa naquilo que não tem estabilidade [das Bestandlose] , Pelo contrário, o Dito, agora, reza assim: [citação em grego] eles, os que se demoram por uma vez, fazem pertencer uma parte à outra: o respeito de uma pela outra. A tradução de tisis por “respeito” já coincidiria melhor com o significado essencial do “ter em consideração” e “apreciar”. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Seria pensada a partir da própria coisa, a partir do ESTAR-PRESENTE dos que são por uma vez. Mas a palavra Rucksicht [“respeito”] designa para nós – de um modo demasiado imediato – o ser humano, enquanto tisis, de forma neutra, porque mais essencial, se diz de tudo o que está presente: auta (tá eonta). A nossa palavra Rucksicht [“respeito”] não falta apenas a amplitude necessária – falta, acima de tudo, o peso [necessário] para falar como palavra que traduza tisis no quadro do Dito e em correspondência com a dike como “a conveniência”. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Ainda se usa, de forma similar, a palavra ruchlos no sentido de vil e vergonhoso: sem cuidado por… [ohne Ruch]. Já não sabemos de todo o que significa Ruch. A palavra do alto alemão da Idade Média ruoche significa preocupação [Sorgfalt  ], cuidado [Soige]. O cuidado cuida de que uma outra coisa permaneça no seu estar-a-ser. Este cuidar-de…, pensado a partir dos que se demoram por uma vez e em relação ao ESTAR-PRESENTE, é a tisis, o cuidado [der Ruch]. A palavra geruhen [“fazer o obséquio (a alguém)”, “dignar-se”, “condescender”, “permitir algo a alguém por reverência”] pertence a Ruch [“cuidado”] e não tem nada que ver com Ruhe   [“repouso”]; geruhen significa: apreciando algo, consentir que isso seja tal como é em si mesmo. O que se fez notar a propósito da palavra Rucksicht [“respeito”] – que designa comportamentos humanos – também vale para ruoche. Mas nós aproveitamos o carácter extinto da palavra, tomamo-la numa nova amplitude essencial e falamos da tisis como Ruch [“cuidado”], tal como falamos de dike como Fug [“conveniência”]. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Na medida em que os seres que se demoram por uma vez dão a conveniência, acontece com isso que, de um só golpe, cada um – na relação de uns com os outros – também já dá lugar a que, em relação a outro, pertença o cuidado, [citação em grego]. Só se tivermos pensado de antemão tá eonta como o que está presente e o que está presente como o todo do que se demora por uma vez é que se pode destinar ao allelois aquilo que ele designa no Dito: por uma vez, um ser que se demora no ESTAR-PRESENTE em relação a outro ser que se demora no interior da região-de-encontro aberta em que tem lugar o não-estar-encoberto. Enquanto não pensarmos tá eonta, o allelois não passa de um nome que designa uma indeterminada relação recíproca no interior de uma multiplicidade difusa. Quanto maior for o rigor com que pensarmos, no allelois, a multiplicidade do que se demora por uma vez, tanto mais inequívoca se torna a relação necessária de allelois com tisis. Quanto mais inequívoca se mostra esta relação, tanto mais claramente reconhecemos que o [citação em grego], um dar cuidado ao outro, é o modo como se demoram os-que-se-demoram-por-um-vez – na medida em que são os-que-estão-presentes – , quer dizer, é o modo como diken didonai, o modo como dão a conveniência. O kai entre diken e tisin não é um “e” vazio que meramente adicione. Significa a consequência essencial. Quando os que estão presentes dão a conveniência, então isso acontece de tal modo que eles, sendo os-que-se-demoram-por-uma-vez, dão cuidado uns aos outros. A prevalência [Verwindung] sobre o efeito da não-conveniência acontece, na verdade, através do “dar lugar a que pertença o cuidado”. Quer dizer: na adikia há, como consequência essencial da não-conveniência, o não-cuidado [Der Un-Ruch], a ausência de cuidado [das Ruchlose]. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

A segunda oração do Dito nomeia o que está presente no modo do seu ESTAR-PRESENTE. O Dito fala do que está presente através do seu ESTAR-PRESENTE. Traz isto à claridade do que é pensado. A segunda oração esclarece o ESTAR-PRESENTE do que está presente. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Por isso, a primeira oração tem de nomear o ESTAR-PRESENTE e, na verdade, tem de o nomear na medida em que determina o que está presente enquanto tal; pois só então e só nessa medida é que a segunda oração, reenviando para a primeira através do gar, pode esclarecer, na direcção inversa, o ESTAR-PRESENTE a partir do que está presente. O ESTAR-PRESENTE, em relação ao que está presente, é sempre aquilo em conformidade com o qual o que está presente está a ser [west]. A primeira oração nomeia o ESTAR-PRESENTE, em conformidade com o qual… Da primeira oração conservam-se apenas as últimas três palavras: …kata tò chreon   [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Costuma traduzir-se: “segundo a necessidade”. Para já, deixamos tò chreon por traduzir. Mesmo assim, partindo da segunda oração, que se esclareceu, bem como do tipo de referência que ela faz à primeira, podemos já pensar duas coisas a respeito de tò chreon. Primeiro, que nomeia o ESTAR-PRESENTE do que está presente; depois, que, em chreon, se isto pensa o ESTAR-PRESENTE do que está presente, é pensada, de algum modo, a relação do ESTAR-PRESENTE com o que está presente – se é que a relação do ser com o ente só pode vir do ser e só pode assentar no estar-a-ser do ser [im Wesen des Seins], [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Mas em que declive e em sequência do quê é que aquilo que está presente enquanto tal está a ser [west], se não for na sequência e no declive do ESTAR-PRESENTE? O que está presente demorando-se por uma vez demora-se kata tò chreon. Como quer que se venha a pensar tò chreon, esta palavra é o nome mais inicial para o referido eon dos eonta; tò chreon é o nome mais antigo em que o pensar faz que o ser do ente venha a ter expressão na linguagem. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Os seres que estão presentes demorando-se por uma vez estão presentes na medida em que prevalecem sobre o efeito [verwinden] da não-conveniência-sem-cuidado, sobre a adikia, a qual campeia no próprio demorar-se como poder-ser [Mögen  ] essencial. O ESTAR-PRESENTE do que está presente é um tal prevalecer-sobre-o-efeito-de… Isto realiza-se através do facto de os-que-se-demoram-por-uma-vez darem lugar a que pertença a conveniência e, com isso, o cuidado de uns com os outros. Está dada a resposta à pergunta: a quem pertence a conveniência? Pertence àquilo ao longo do qual o ESTAR-PRESENTE – e tal quer dizer: a pre-valência-sobre-o-efeito-de… – está a ser [west]. A conveniência é kata tò chreon. Assim, torna-se claro – embora de muito longe – o estar-a-ser do chreon. Se este, sendo o estar-a-ser do ESTAR-PRESENTE, se relaciona essencialmente com o que está presente, então tem de estar incluído nesta relação que tò chreon articula a conveniência e, com isso, também o cuidado. O chreon articula – de forma que, ao longo dele, o que está presente dá lugar a que pertença a conveniência e o cuidado. O chreon dá lugar a que pertença ao que está presente um “articular”, e destina-lhe, assim, o modo do seu chegar, que é a demora do que se demora por uma vez. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Até aqui, só procurámos pensar o que significa tò chreon de acordo com a segunda oração do Dito – que reenvia para isso. Não perguntámos pela própria palavra. O que significa tò chreon? Esclarecemos em último lugar a primeira palavra do Dito, porque, do ponto-de-vista da própria coisa, é a primeira. Que “própria coisa”? O ESTAR-PRESENTE do que está presente. A “coisa”a do ser é ser o ser do enteb. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

A forma linguística deste genitivo misteriosamente polissémico designa uma gênese, uma origemc – que o que está presente tem origem no ESTAR-PRESENTE. Porém, no estar-a-ser [Wesen] de ambos permanece escondido o seu estar-a-ser [Wesen]. Não apenas isto – até acontece que já a relação entre ESTAR-PRESENTE e o que está presente permanece não-pensada. Desde o início, parece que o ESTAR-PRESENTE e o que está presente são, de cada vez, algo por si. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Sem se dar por isso, o próprio ESTAR-PRESENTE torna-se algo que está presente. Representado a partir do que está presente, torna-se aquilo que está presente acima de tudo o mais que está presente e, assim, o que de mais elevado está presente. Quando o ESTAR-PRESENTE é nomeado, já se está a representar algo que está presente. No fundo, não se distingue o ESTAR-PRESENTE enquanto tal daquilo que está presente. Passa apenas por ser a coisa mais geral e mais elevada das que estão presentes e, com isso, passa por ser algo que está presente. O estar-a-ser do ESTAR-PRESENTE e, com ele, a diferença entre ESTAR-PRESENTE e o que está presente permanece esquecida. O esquecimento do ser é o esquecimento da diferença entre ser e ente. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Só que o esquecimento da diferença não é, de modo algum, a consequência de uma mera distracção que esqueça o pensar. O esquecimento do ser pertence ao estar-a-ser do ser – que aquele mesmo esquecimento esconde. O esquecimento pertence tão essencialmente ao destino do ser que a madrugada deste destino começa como des-velamento do que está presente no seu ESTAR-PRESENTE. Quer dizer: a história do ser começa com o esquecimento do ser, começa com o ser a reter em si o seu estar-a-ser, a diferença em relação ao ente. A diferença desaparece. Permanece esquecida. Só as coisas que são diferenciadas, o que está presente e o ESTAR-PRESENTE, é que se desvelam – mas não enquanto coisas diferenciadas. Em vez disso, também o vestígio inicial da diferença é apagado, uma vez que o ESTAR-PRESENTE aparece como algo que está presente e encontra a sua origem naquilo que, de entre o que está presente, tem um carácter mais elevado. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Contudo, a diferença entre ser e ente só pode ser experimentada como uma diferença esquecida se ela já tiver sido desvelada com o ESTAR-PRESENTE do que está presente e se, assim, já tiver cunhado um vestígio que permaneça preservado na linguagem em que o ser vem a ser expresso. Pensando assim, podemos supor que a diferença clareou [sich gelichtet hat] na palavra inicial do ser, antes de ser clareada nas palavras posteriores – sem, no entanto, alguma vez ter sido nomeada como tal. A clareira da diferença não pode, por isso, significar também que a diferença apareça como diferença. Por outro lado, pode manifestar-se, no ESTAR-PRESENTE enquanto tal, a sua relação com o que está presente, de tal modo que o ESTAR-PRESENTE vem à palavra como sendo esta relação. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Se atendermos inteiramente ao facto de que temos de pensar a palavra a partir do Dito de Anaximandro, então a palavra só pode designar o que está ser [das Wesende] no ESTAR-PRESENTE do que está presente. Portanto, só pode designar a relação que, no genitivo, é referida de uma forma tão obscura. tò chreon é, então, o dar a manejar do ESTAR-PRESENTE, o qual “dar a manejar” entrega o ESTAR-PRESENTE ao que está presente, de tal forma que este conserva precisamente na mão o que está presente enquanto tal, quer dizer, preserva a descoberto o ESTAR-PRESENTE. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

A relação com o que está presente – uma relação que campeia no estar-a-ser do próprio ESTAR-PRESENTE – é única. É absolutamente incomparável com qualquer outra relação. Pertence à singularidade do ser ele próprio. Assim, a linguagem – para dizer o que o ser está a ser [das Wesende] – teria de encontrar um palavra única, a única. É nisto que se deixa medir quão ousada é cada palavra pensante que se dirige ao ser. Contudo, isto que é ousado não é impossível; pois o ser fala em todo o lado, das mais variadas formas, e fala sempre através de qualquer língua. A dificuldade está menos em encontrar no pensar a palavra do ser do que em conservar, puramente, no pensar autêntico, a palavra encontrada. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

O uso entrega à mão o que está presente no seu ESTAR-PRESENTE, quer dizer, no seu demorar-se. O uso dá ao que está presente a sua parte na demora. A demora do demorar-se que é concedida [ao que está presente] assenta na conveniência, a qual articula de forma passageira o que está presente entre um duplo estar-ausente (proveniência e ida). A conveniência da demora dá um termo ao que está presente enquanto tal, e delimita-o. O que está presente demorando-se por uma vez, tá eonta, está a ser [west] no limite (péras). [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

O uso, sendo o conceder daquela parte que a conveniência concede, é o articular que destina: a articulação da conveniência e, com esta, a articulação do cuidado. O uso dá a manejar a conveniência e o cuidado de tal modo que, de antemão, conserva para si próprio aquilo que dá a manejar, reúne-o em si próprio e trá-lo, como o que está presente, ao ESTAR-PRESENTE. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

O uso, articulando a conveniência e o cuidado, põe-se à solta na demora, e entrega o que está presente, por uma vez, à sua demora. Com isso, também está exposto ao perigo constante de, partindo do permanecer [Verharren] demorando-se, se endurecer no mero permanecer [Beharren]. Assim, o uso, em si mesmo, continua a ser, ao mesmo tempo, a entrega em mão do ESTAR-PRESENTE – e a entrega à não-conveniência. O uso articula o “não-”. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Por isso, o-que-está-presente-demorando-se-por-uma-vez só pode estar presente na medida em que dá lugar a que pertença a conveniência e, com isso, o cuidado: na medida em que dá lugar a que a conveniência e o cuidado pertençam ao uso. O que está presente está presente kata tò chreon, ao longo do uso. É a reunião do que está presente no seu ESTAR-PRESENTE de cada vez e por uma vez – uma reunião que, articulando, preserva a descoberto. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

O Dito de Anaximandro, pensando o que está presente no seu ESTAR-PRESENTE, esclarece aquilo que tò chreon designa. O chreon que é pensado no Dito é a primeira e a mais elevada interpretação daquilo que os Gregos experimentam sob a designação de Moira, como o conceder de uma parte. A Moira estão sujeitos os deuses e os homens. tò chreon, o uso, é o dar a manejar e o entregar do que está presente por uma vez a uma demora no não-encoberto. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Contudo, para pensar o Dito de Anaximandro, é necessário que nós, antes de tudo o mais – mas também sempre de novo dêmos o simples passo pelo qual nos traduzimos para aquilo que é dito pela palavra eon, eonta, einai, implícita em toda a parte. Ela diz: O próprio ESTAR-PRESENTE traz consigo o não-estar-encoberto. O próprio não-estar-encoberto é ESTAR-PRESENTE. Ambas as coisas são o mesmo, mas não são iguais. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Porque o ente é o que está presente no modo do demorar-se por uma vez, pode, uma vez chegado ao não-estar-encoberto e permanecendo nele, aparecer. O aparecer é uma consequência essencial do ESTAR-PRESENTE e tem o seu tipo. Só o que aparece, e apenas isso, mostra – sempre ainda pensado tendo em vista o seu ESTAR-PRESENTE – um rosto e uma aparência. Só um pensar que tenha pensado, de antemão, o ser no sentido de ESTAR-PRESENTE no não-estar-encoberto é que pode pensar o ESTAR-PRESENTE do que está presente como idea. Mas o que está presente demorando-se por uma vez demora-se, ao mesmo tempo, como o que foi trazido ao não-estar-encoberto. É trazido na medida em que, brotando de si mesmo, se traz a si próprio. É trazido na medida em que é posto a ser/produzido [her-gestellt] pelo homem. Dos dois pontos-de-vista, o que vem ao não-estar-encoberto é, de certo modo, um ergon  , pensado de modo grego: um trazido ao ser/algo produzido [ein Her-vor-Gebrachtes]. O ESTAR-PRESENTE do que está presente – tendo em vista o seu carácter de ergon, pensado à luz da presença – pode ser experimentado como aquilo que está a ser [west] no ser-trazido-ao-ser/ser-produzido [Hervorgebrachtheit]. Isto é o ESTAR-PRESENTE do que está presente. O ser do ente é a energeia. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

A energeia, que Aristóteles pensa como a característica fundamental do ESTAR-PRESENTE, do eon, a idea, que Platão   pensa como a característica fundamental do ESTAR-PRESENTE, o logos, que Heráclito pensa como a característica fundamental do ESTAR-PRESENTE, a Moira, que Parmênides pensa como característica fundamental do ESTAR-PRESENTE, o chreon, que Anaximandro pensa como o que está a ser [das Wesende] no ESTAR-PRESENTE, designam o mesmo. É na abundância escondida do Mesmo, que cada um dos pensadores pensa à sua maneira a unidade do uno unificador, o hen. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Entretanto, vem logo a seguir uma Época [Epoche  ] do ser em que a energeia é traduzida por actualitas. O elemento grego é soterrado e, até aos nossos dias, já só aparece através do cunho romano  . A actualitas torna-se a realidade. A realidade torna-se objectividade. Mas até esta precisa ainda, para permanecer no seu estar-a-ser, no ser-objecto, do carácter do ESTAR-PRESENTE. É a presença [Präsenz] na representação do representar [in der Repräsentation des Vorstellens]. A viragem decisiva no destino do ser como energeia está na passagem à actualitas. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]