Essa tranquilidade no ser impróprio não conduz, todavia, à inércia e à inatividade. Ao contrário, move para “promoções” desenfreadas. O decair no “mundo” já não tem mais repouso. A tranquilidade tentadora aumenta a decadência. No tocante à interpretação da presença (Dasein), pode surgir a convicção de que compreender as culturas mais estranhas e a sua “síntese” com a própria cultura levaria a um esclarecimento verdadeiro e total da presença (Dasein) a seu próprio respeito. A curiosidade multidirecionada e a inquietação de tudo saber dá a ilusão de uma compreensão universal de presença (Dasein). Mas o que propriamente se deve compreender permanece, no fundo, indeterminado e inquestionado; não se compreende que compreender é um poder-ser que só pode ser liberado na presença (Dasein) mais própria. Essa comparação de si mesma com tudo, tranquila e que tudo “compreende”, move a presença (Dasein) para uma ALIENAÇÃO na qual se lhe encobre o seu poder-ser mais próprio. O ser-no-mundo decadente, tentador e tranquilizante é também alienante (entfremdend). STMSC: §38
Essa ALIENAÇÃO não pode, por conseguinte significar que a presença (Dasein) se encontre faticamente arrancada de si mesma; ao contrário, ela move a presença (Dasein) para o modo de ser em que ela busca a mais exagerada “fragmentação de si mesma”, em que ela se vê tentada a todas as possibilidades de interpretação, e isso a tal ponto que as “caracterologias” e “tipologias” dela resultantes tornam-se,- inumeráveis. Essa ALIENAÇÃO fecha para a presença (Dasein) a sua propriedade e possibilidade, mesmo que se trate apenas de um autêntico fracasso; e também não a entrega ao ente que ela mesma não é. Força-lhe a impropriedade, num possível modo de ser de si mesma. A ALIENAÇÃO da decadência, tentadora e tranquilizante, em sua mobilidade própria, faz com que a presença (Dasein) se aprisione em si mesma. STMSC: §38
Os fenômenos aqui demonstrados de tentação, tranquilidade, ALIENAÇÃO e aprisionamento (prisão) caracterizam o modo de ser específico da decadência. Designamos essa “mobilidade” da presença (Dasein) em seu próprio ser de precipitação. A presença (Dasein) se precipita de si mesma para si mesma na falta de solidez e na nulidade de uma cotidianidade imprópria. Mediante a interpretação pública, essa precipitação fica velada para a presença (Dasein), sendo interpretada como “ascensão” e “vida concreta”. STMSC: §38
Todas essas características mostram a mobilidade da decadência em seus caracteres essenciais de tentação, tranquilidade, ALIENAÇÃO e aprisionamento. STMSC: §38
Tentação, tranquilização e ALIENAÇÃO caracterizam, porém, o modo de ser da decadência. Decadente, o ser-para-a-morte cotidiano é uma insistente fuga dele mesmo. O ser-para-o-fim possui o modo de um escape dele mesmo, que desvirtua, vela e compreende impropriamente. Que a própria presença (Dasein) sempre morre de fato, ou seja, que é num ser para o fim, esse fato fica velado porque transforma-se a morte num caso da morte dos outros, que ocorre todos os dias e que, de todo modo, nos assegura com mais evidência que “ainda se está vivo”. Com a fuga decadente da morte, porém, a cotidianidade da presença (Dasein) também atesta que o próprio impessoal, mesmo quando não está explicitamente “pensando na morte”, já está sempre se determinando como ser-para-a-morte. Também na cotidianidade mediana, o que está em jogo na presença (Dasein) é este poder-se mais próprio, irremissível e insuperável, conquanto seja apenas no modo da ocupação de uma indiferença imperturbável frente à possibilidade mais extrema de sua existência. STMSC: §51
No tocante a seu sentido temporal, os caracteres da decadência, anteriormente demonstrados, como tentação, tranquilização, ALIENAÇÃO e auto-aprisionamento significam que a atualização que “surge” busca, de acordo com a sua tendência ekstática, temporalizar-se a partir de si mesma. A presença (Dasein) aprisiona-se – esta determinação possui um sentido ekstático. O retrair-se da existência na atualização não significa que a presença (Dasein) se desligue de seu eu e de seu si-mesmo. Mesmo na atualização mais extrema, ela permanece temporal, ou seja, aguardando e esquecendo. Mesmo atualizando, a presença (Dasein) ainda se compreende, embora alienada de seu poder-ser mais próprio, primariamente fundado no porvir e no vigor de ter sido, em sentido próprio. Sempre oferecendo algo “novo”, a atualização não deixa que a presença (Dasein) volte a si mesma, tranquilizando-a sempre de novo. Essa tranquilização, no entanto, fortalece a tendência para surgir. A curiosidade não é “provocada” pela visibilidade sem fim do que ainda não se viu mas pelo modo decadente de temporalização da atualidade que surge. Mesmo que tenha visto tudo, a curiosidade sempre inventa algo novo. STMSC: §68
Yorck se empenhou em apreender categorialmente o histórico por oposição ao ôntico (ocular) e, assim, elevar a “vida” a uma compreensão científica adequada. Isso fica claro a partir da referência ao tipo de dificuldade com que tais investigações se deparam: o modo estético-mecanicista de pensar “encontra mais facilmente as palavras, mediante o esclarecimento disseminado da proveniência ocular das palavras, do que uma análise que remonta aquém da intuição… O que, ao contrário, penetra até o fundo da vida furta-se a uma exposição exotérica e, por isso, a terminologia não é compreendida pelo senso comum, sendo, inevitavelmente, simbólica. É da especificidade do pensamento filosófico que decorre a especificidade de sua expressão verbal” (p. 70s). “Mas o senhor conhece minha predileção pelo paradoxo. Eu a justifico observando que o paradoxo é uma marca da verdade e que a communis opinio certamente nunca está na verdade, pois é o sedimento elementar da generalização de uma meia-compreensão que se relaciona com a verdade, tal como o rastro de enxofre que o raio deixa atrás de si. A verdade nunca é um elemento. A tarefa pedagógica do Estado seria desfazer a opinião pública elementar e possibilitar, tanto quanto possível, a formação da individualidade no ver e no perceber. Ao invés do que se chama de consciência moral pública – essa ALIENAÇÃO radical – voltamos a consciências singulares, que fortaleceriam a consciência moral” (p. 249s). STMSC: §77