Subjekt
subjectum
hypokeimenon
O decisivo não é que o homem [Mensch] se tenha libertado das anteriores amarras [Bindungen] para encontrar-se consigo mesmo: o importante é que a essência do homem [Wesen des Menschen] se transforma, desde o momento em que o homem se converte em sujeito. Naturalmente, devemos entender esta palavra subjectum como uma tradução do grego hypokeimenon. Esta palavra designa o qualificativo que jaz diante de nós e que, como fundamento reúne tudo sobre si. Em um primeiro momento, este significado metafísico do conceito de sujeito não está especialmente relacionado com o homem e menos ainda com o Eu [Ich].
Todavia, se o homem se converte em primeiro e autêntico subjectum, isto significa que se converte naquele ente sobre o qual se fundamenta todo ente no tocante ao seu modo de ser e à sua verdade [Art seines Seins und seiner Wahrheit]. O homem se converte em centro de referência do ente como tal [Bezugsmitte des Seienden als solchen]. Isto, porém, é somente possível caso se modifique a concepção do ente em sua totalidade. Em que se manifesta esta transformação [Wandlung]? Qual é, conforme a ela, a essência da Idade Moderna [Wesen der Neuzeit]? [DZW; GA5:88]
É somente porque o homem se converteu em sujeito de modo geral e essencial, e somente porque isso ocorreu, que se pode então colocar para ele a pergunta [Frage] expressa por um eu limitado ao seu gosto e abandonado a sua arbitrariedade ou a um nós da sociedade [ob der Mensch als das auf seine Beliebigkeit beschränkte und in seine Willkür losgelassene Ich oder als das Wir der Gesellschaft], se estes querem ser tomados como indivíduos ou como comunidade [als Einzelner oder als Gemeinschaft], se querem ser uma pessoa dentro da comunidade [Persönlichkeit in der Gemeinschaft] ou um simples membro de um grupo dentro de um organismo [blosses Gruppenglied in der Körperschaft], se querem e devem ser como Estado, nação e povo [Staat und Nation und als Volk] ou como a humanidade geral do homem moderno [allgemeine Menschheit des neuzeitlichen Menschen], se querem e devem ser os sujeitos que já são enquanto seres modernos [neuzeitliches Wesen]. Com isso temos que, somente ali onde o homem já é essencialmente sujeito, existe a possibilidade de cair no abuso do subjetivismo no sentido do individualismo [besteht die Möglichkeit des Ausgleitens in das Unwesen des Subjektivismus im Sinne des Individualismus]. Porém, do mesmo modo, somente ali onde o homem permanece sujeito, tem sentido a luta expressa contra o individualismo e em favor da comunidade como meta de todo esforço e proveito [als das Zielfeld alles Leistens und Nutzens].
O entretecimento de ambos os processos [Verschränkung der beiden Vorgänge], decisivo para a essência da Idade Moderna, que faz com que o mundo se converta em imagem e o homem em subjectum [die Welt zum Bild und der Mensch zum Subjectum wird], lança também uma luz sobre o processo fundamental da história moderna, o qual, a primeira vista, parece quase absurdo. Quanto mais completa e absolutamente esteja disponível o mundo enquanto mundo conquistado, tanto mais objetivo aparecerá o objeto, tanto mais subjetivamente ou, o que é o mesmo, imperiosamente, se elevará o subjectum e de modo tanto mais irreprimível se transformará a contemplação do mundo e a teoria do mundo [Welt-Betrachtung und Welt-Lehre] em uma teoria do homem, em uma antropologia [Lehre vom Menschen, zur Anthropologie]. [DZW; GA5:]
Pelo fato de a compreensão do ser [Seinsverständnis] fazer parte do sujeito enquanto o ser-aí que transcende [transzendierenden Dasein], pode a ideia de ser ser tirada do sujeito.
Que resulta de tudo isto? Primeiramente, que Leibniz — mantidas todas as diferenças em face de Descartes — retém com este a certeza que o eu possui de si mesmo [Selbstgewissheit des Ich] como a primeira certeza [primäre Gewissheit] que ele vê, como Descartes, no eu [Ich], no ego cogito, a dimensão da qual devem ser tomados todos os conceitos metafísicos fundamentais [metaphysischen Grundbegriffe]. Procura-se resolver o problema do ser [Seinsproblem] como o problema fundamental da metafísica no retorno ao sujeito [Rückgang auf das Subjekt]. Apesar disso, permanece em Leibniz, como em seus precursores e sucessores, ambíguo este retorno ao eu, pelo fato de o eu não ser captado em sua estrutura essencial e seu modo específico de ser.
A função de fio condutor do ego é, porém, sob muitos pontos de vista, ambígua. Em relação ao problema do ser é o sujeito o ente exemplar [exemplarische Seiende]. Ele mesmo dá enquanto ente, com seu ser a ideia de ser como tal. De outro lado, porém, o sujeito é enquanto aquele que compreende o ser; enquanto ente de natureza especial, o sujeito tem a compreensão do ser em seu ser; o que não quer dizer que ser apenas designe: ser-aí existente [existierendes Dasein].
Apesar do realce dado a autênticos fenômenos ônticos, o próprio conceito de sujeito permanece ontologicamente não esclarecido.
Por isso surge justamente em Leibniz a impressão de que a interpretação monadológica do ente é simplesmente um antropomorfismo [Anthropomorphismus], uma pan-animação em analogia com o eu [Allbeseelung nach Analogie mit dem Ich]. Isto, porém, seria uma compreensão extrinsecista e arbitrária [äusserliche und willkürliche Auffassung]. Leibniz mesmo procura fundamentar metafisicamente esta consideração analogizante: cum rerum natura sit uniformas nec ab aliis substantiis simplicibus ex quibus totum consistit Universum, nostra infinite differre possit. “Pois, dado o fato de a natureza das coisas ser uniforme, não pode a nossa própria essência ser infinitamente diferente das outras substâncias simples de que se compõe todo o universo” (carta a de Volder, dia 30 de junho de 1704, Gerh. II, 270, Livro II, 347). O princípio ontológico universal aduzido por Leibniz para a fundamentação necessitaria, sem dúvida, por sua vez, de ser fundamentado.
Em vez de se mostrar satisfeito com a simplificante afirmação de um antropomorfismo, é preciso perguntar: quais são as estruturas do próprio ser-aí que devem tornar-se relevantes para a interpretação do ser da substância [Interpretation des Seins der Substanz]? Como se modificam estas estruturas, para adquirirem a qualidade de tornar monadologicamente compreensível qualquer ente, todos os graus do ser? [MHeidegger:210-211; GA9:89-90]