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INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DE HEIDEGGER

Boutot (IFH:51-58) – Da essência da verdade à verdade da essência

Pensamento do Ser

sexta-feira 17 de fevereiro de 2017, por Cardoso de Castro

Excerto de Alain Boutot  , Introdução à Filosofia de Heidegger. Tr. Francisco Gonçalves. Lisboa: Europa  -América, 1993, p. 51-58

 E) A contra-essência da verdade: a errância

. — Heidegger distingue da não-essência (Un-wesen) da verdade, o mistério, a contra-essência (Gegen-wesen) da verdade, a que ele chama a errância. «A errância», diz ele, «é a contra-essência fundamental da essência originária da verdade» (Questions I, Paris, Gallimard, 1968, p. 187). A errância não é o erro, mas designa um modo de ser fundamental do ser-aí no qual o ser-aí, esquecendo o mistério, quer dizer, a dissimulação do ente na totalidade, insiste junto do ente encontrado no horizonte da preocupação quotidiana. Errante, o homem agarra-se ao ente que encontra imediatamente e desvia-se do que torna possível este próprio encontro, a saber, o velamento do estado desvelado do ente no seu conjunto. O erro, no sentido da não conformidade de um juízo, não é, neste ponto de vista, senão uma maneira entre outras, e além disso a mais superficial de errar. O menosprezo e os equívocos de todo o gênero desdobram-se sobre o fundamento do esquecimento do mistério inerente à verdade do ser. «A errância», diz Heidegger, «é o teatro   e o fundamento do erro» (Ibid., p. 187). O esquecimento do mistério não é, porém, imputável à fraqueza ou à desatenção do homem, como se este se desviasse, por simples negligência, da dissimulação do ente na totalidade. Pertence à dissimulação o dissimular-se a si mesma. A errância não é, então, um fenômeno de origem antropológica, mas resulta da essência privativa da verdade do próprio ser. «A dissimulação do que é dissimulado e da errância», diz Heidegger, «pertencem à essência originária da verdade» (Ibid., p. 188).

Esta «dedução» do fenômeno da errância representa um passo decisivo relativemente a O Ser e o Tempo, onde a errância, que aparecia sob os auspícios da queda do ser-aí, era, no fim de contas, inexplicável. Ela era um modo de ser do ser-aí que nada, a priori  , podia justificar. Se bem que o ser-aí tenha nele a possibilidade de existir autenticamente em vista dele próprio, ele estava sempre já «caído» junto ao ente intramundano. Na conferência Da Essência da Verdade, Heidegger funda a errância sobre a essência privativa da verdade do ser. Pertence à verdade originária, ou seja, ao desvelamento do ente no seu conjunto, não apenas velar-se, mas velar o seu velamento, e esta é a razão pela qual o homem, antes de tudo, erra junto do ente intramundano.


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