D) A não-verdade originária: o mistério
. — O ser-aí descobre a cada momento o ente no aberto de um comportamento. Contudo, só pode deixar ser o ente que se manifesta deste modo se dissimular ao mesmo tempo o ente no seu conjunto. «Na medida», diz Heidegger, «em que o deixar-ser, em cada um dos seus comportamentos, deixa ser o ente ao qual se refere, e assim o desvela, dissimula o ente na totalidade. O deixar ser é em si e ao mesmo tempo uma dissimulação» (Questions I, Paris, Gallimard, 1968, p. 182). Esta dissimulação do ente em totalidade não procede, na realidade, do ser-aí, mas resulta da essência do ser. Ela é mais anterior que todo o comportamento humano e que toda a revelação deste ou daquele ente, mais anterior ainda, diz Heidegger, que o deixar-ser ele próprio. Esta dissimulação do ente na totalidade constitui o que Heidegger chama a não—verdade originária ou ainda o mistério (das Geheimnis). A não-verdade originária não tem nada a ver com uma qualquer inexatidão da representação. A não-verdade originária não tem uma significação lógica, mas «ontológica». Designa o velamento ou a dissimulação do ente na totalidade, ou ainda do próprio ser. A não-verdade não é, deste ponto de vista, o contrário da verdade, mas faz parte da sua essência integral. A plena essência da verdade, compreendida como desvelamento do ente enquanto tal na totalidade, inclui nela própria a sua não-essência (Un-wesen). A verdade enquanto des-velamento está intrinsecamente referida à não-verdade, quer dizer ao velamento. A verdade originária é de essência privativa.
Heidegger encontra um traço desta concepção privativa da verdade como desvelamento na palavra à aletheia pela qual os primeiros gregos designavam a verdade. A verdade, enquanto aletheia, designa o que foi subtraído (a-privativo) à ocultação (ao esquecimento: lethe). Letheia significa desvelamento. Dando como nome à verdade aletheia, os primeiros gregos tiveram o pressentimento da essência originariamente privativa da verdade, o que não quer dizer, porém, que eles tenham elaborado expressamente uma tal concepção da verdade.