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INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DE HEIDEGGER

Boutot (IFH:51-58) – Da essência da verdade à verdade da essência

Pensamento do Ser

sexta-feira 17 de fevereiro de 2017, por Cardoso de Castro

Excerto de Alain Boutot  , Introdução à Filosofia de Heidegger. Tr. Francisco Gonçalves. Lisboa: Europa  -América, 1993, p. 51-58

 C) A liberdade como a essência da verdade

. —A coisa com a qual o ser-aí lida durante este ou aquele comportamento não pode, contudo, ser o objeto de um juízo, a menos que o ser-aí não se perca nela, mas recue diante dela para a deixar manifestar-se naquilo que ela é. Noutros termos, a coisa só pode servir de medida para o juízo se o ser-aí se tornou previamente livre face a ela, isto é, se ele a deixou ser o que ela é. E a razão pela qual Heidegger pode dizer, numa fórmula um pouco paradoxal, que deu lugar a bastantes contra-sensos, que «a essência da verdade repousa na liberdade» (Ibid., p. 173 ).

Heidegger não quer dizer com isto, com efeito, que a verdade estaria submetida ao arbitrário e ao capricho humano. A liberdade de que aqui se trata não é a simples ausência de constrangimento, a liberdade da indiferença, de que Descartes   nos dizia que era o mais baixo grau da liberdade. Não é também a liberdade racional no sentido da obediência à lei que se fixou. A liberdade como essência da verdade consiste no fato de deixar o ente que se manifesta no aberto do comportamento ser o ente que ele é. «A liberdade descobre-se…», diz Heidegger, «como o que deixa-ser o ente» (Ibid., p. 175). Esta expressão «deixar-ser o ente» não se deve prestar, por sua vez, a mal-entendidos. Ela não quer dizer que o ser aí, deixando-ser o ente, se afastaria. «Deixar-ser significa oferecer-se (Sicheinlassen) ao ente» (Ibid., p. 175). Dando-se ao ente, o homem preserva ou toma ao seu cuidado o seu estado desvelado. A liberdade, como exposição ao estado desvelado do ente, é a essência da verdade, pois é ela que, deixando o próprio ente manifestar-se naquilo que é, torna possível toda a concordância do enunciado.

Até aqui, a análise de Heidegger ficou bastante próxima da que era desenvolvida em O Ser e o Tempo. No seu tratado, Heidegger denuncia igualmente o carácter segundo e derivado da verdade como conformidade do enunciado com a coisa e regressa a uma verdade mais originária que não era nada mais que a aperidade constitutiva do ser-aí. O ser-aí está fundamentalmente aberto ao ente como tal, e esta abertura era, no tratado, a verdade originária precedendo e condicionando todo o acordo do enunciado com a coisa. Esta aperidade constitutiva do ser-aí recebe, na conferência Da Essência da Verdade, o nome de liberdade. Todavia, nesta conferência, Heidegger dá mais um passo, pois reconduz a liberdade ou a aperidade do ser-aí, a verdade originária de O Ser e o Tempo, a uma verdade ainda mais originária, a do ser ele mesmo (ou do ente na totalidade). E no cumprimento deste passo suplementar, que se situa entre os §§ 5 e 6 da conferência, que reside a viragem propriamente dita.


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