B) A condição de possibilidade da concordância
. — Heidegger começa por pôr em questão esta definição tradicional da verdade que, sendo olhada mais de perto, não é tão evidente como parece. O enunciado verdadeiro, dizemos nós, concorda com a coisa. Mas como um enunciado, que é uma realidade de ordem mental ou psicológica, pode estar de acordo com uma coisa que dele difere toto genere? A relação do enunciado verdadeiro com a coisa não pode consistir, como é claro, numa pura e simples identidade. «Enquanto esta relação», diz Heidegger, «permanecer indeterminada e não fundada na sua essência, toda a discussão sobre a possibilidade ou a impossibilidade, sobre a natureza e o grau dessa adequação se desenrola no vazio» (Questions I, Paris, Gallimard, 1968, p. 169). Na realidade, e está aí a primeira descoberta de Heidegger, o enunciado não é uma realidade subsistente, mas um ato ou um comportamento. O enunciado não subsiste independentemente do seu objeto, mas refere-se a ele logo à primeira vista revelando-o enquanto isto ou aquilo. Trazendo à luz a natureza «intencional» do enunciado, Heidegger resolveu bem a questão da relação do enunciado com a coisa, mas não trouxe ainda à luz a possibilidade da sua concordância. Com efeito, o enunciado, para ser verdadeiro, não deve apenas manifestar a coisa, mas também manifestá-la tal como ela é. Isto supõe que ele se possa regular por ela, e portanto que a coisa seja já manifesta de alguma maneira. Este revelamento da coisa produz-se sempre num «comportamento (Verhalten)» do ser-aí, quer dizer numa relação antepredicativa do ser-aí com a própria coisa. «Todo o comportamento», diz Heidegger, «se carateriza pelo fato de que, estabelecendo—se no seio do aberto, ele atém-se sempre ao que está manifesto como tal» (Ibid., p. 170). É apenas no seio do aberto de um comportamento, que não é necessariamente um comportamento teórico, mas é a maior parte do tempo prático ou afectivo, que as coisas, antes de tudo, nos encontram. A aperidade do comportamento é a condição de possibilidade da conformidade do enunciado e da coisa, e possui por consequência «um direito mais original», diz Heidegger, «de ser considerado como a essência da verdade» (Questions I, Paris, Gallimard, 1968, p. 171). «A verdade», acrescenta ele, «reside originalmente no juízo» (Ibid., p. 172).