1) Das Wie, que, dependendo do contexto, pode ser traduzido por como, modo, maneira ou modalidade, constitui uma categoria fundamental da existência humana. Vale lembrar que o programa filosófico que toma forma no curso das primeiras palestras de Freiburg, proferidas por Heidegger entre 1919-1923, gira em torno da tentativa de articular conceitualmente os diferentes modos pelos quais a vida humana se relaciona com o mundo em que está imersa. Em outras palavras, se esforça para mostrar quais são as estruturas ontológicas inerentes a essa mesma vida humana. Esse esforço recebe diferentes nomes durante esse período: ciência original da vida (1919), hermenêutica fenomenológica do Dasein (1922) ou hermenêutica da facticidade (1923). Diferentes esboços e variantes da analítica existencial de Ser e Tempo (1927).
Essa ciência original da vida não consiste tanto em descrever o conteúdo objetivo, o que (Was) das experiências da existência humana, quanto em compreender a maneira pela qual essas experiências são realizadas, o como (Wie) é estabelecido a relação intencional entre a vida e o mundo ao qual se refere. O cuidado, a solicitude, a queda, a preocupação são algumas das modalidades que ilustram como a vida se desenvolve com o mundo das coisas e com as outras pessoas. Ora, diante da insatisfação produzida pela fenomenologia reflexiva de Edmund Husserl por colocar a vida imediata e suas experiências na região autônoma da consciência teórica segundo o esquema sujeito-objeto, Heidegger decidiu elaborar o que ele mesmo chama de fenomenologia hermenêutica [105] que busca penetrar nas tramas de sentido que configuram a compreensão pré-teórica e reflexiva que a vida sempre já tem de si mesma. Em suma, esse texto apenas intensifica essa rejeição explícita do paradigma clássico da filosofia da consciência como incapaz de tornar acessível aquele nível de doação original e manifestação imediata no qual a vida é primariamente dada antes de qualquer tipo de reflexão.
Essa análise estritamente modal da vida humana é caracterizada por um esforço feroz para relativizar a teoria. Tendo como pano de fundo a discussão com Husserl e o neokantianismo, a proposta heideggeriana de uma articulação abrangente da vida humana ou Dasein é feita em termos de indicadores formais (que em Being and Time são equivalentes aos existenciais). Com essa nova formulação terminológica, busca-se uma alternativa ao incômodo conceito de categoria, imbuído de ressonâncias epistemológicas que o jovem Heidegger já está tentando evitar a todo custo. A indicação formal não compartilha de forma alguma o interesse da teoria de ordenar e catalogar as entidades, ou seja, de fixar seu conteúdo objetivo, seu quê (Was). O que é decisivo na abordagem de Heidegger é que as características que constituem ontologicamente a existência humana têm de ser realizadas, executadas, postas em prática em todas as ocasiões. Assim, a natureza móvel e o caráter histórico da vida factual não correspondem aos parâmetros de uma essência dotada de um conteúdo eidético imutável e universalmente válido, mas incorporam um como (Wie), um modo de ser particular e contingente. Em outras palavras: ao existir, estamos jogando nosso tipo. E o que determina o modo apropriado ou impróprio da existência do Dasein depende de como ele atualiza, como ele realiza, como ele dinamiza as possibilidades de ser que estão ao seu alcance (para a questão da importância metodológica dos indicadores formais na arquitetura da analítica existencial). [1]