Seu foco nas estruturas e funções ontológicas leva Heidegger a um uso bastante idiossincrático da terminologia. Heidegger usa palavras como linguagem, verdade e história no que às vezes chama de um sentido “ontologicamente amplo”. De fato, a primeira regra geral para interpretar Heidegger é lembrar-se constantemente de que Heidegger tende a usar seus termos de uma forma bastante distinta do sentido comum e cotidiano em que são usados. Na verdade, essa prática é tão comum que ele normalmente alerta o leitor quando, para variar, está usando a palavra “no sentido usual” (im gewöhnlichen Sinne; im üblichen Sinne) ou no sentido contemporâneo (im heutigen Sinne). Heidegger vê as palavras em seu sentido familiar ou cotidiano como um uso ôntico e, portanto, derivado (abgeleitet) das palavras, que são adequadamente compreendidas em seu sentido mais autêntico e ontológico.
Uma análise completa do uso de termos por Heidegger abordaria sua vertiginosa variedade de diferentes tipos de sentido ou significado para um termo. Esses incluem (e essa é uma lista não exaustiva): o sentido formal (der formale Sinn), o sentido original (der ursprünglichen Sinn), o sentido autêntico (der eigentlichen Sinn), o sentido essencial (der wesentlichen Sinn) e o sentido ontológico (der ontologische Sinn). Valeria a pena detalhar as sutis distinções entre cada um desses diferentes sentidos, mas, para os propósitos atuais, devemos resumir.
Heidegger define o sentido em geral da seguinte maneira:
Sentido é aquilo dentro do qual a inteligibilidade de algo se mantém, sem que ela mesma apareça expressa e tematicamente. “Sentido” significa o ‘sobre o qual’ da projeção primária, a partir do qual algo pode ser apreendido como aquilo que é em sua possibilidade. A projeção abre possibilidades, o que significa dizer que ela torna possível. (GA2 : H. 151)
Projetar [Entwurf] é o termo de Heidegger para a maneira como compreendemos algo ao ver como se relaciona com outras coisas e atividades. Eu compreendo uma faca, por exemplo, sabendo de antemão o que fará quando entrar em contato com todos os tipos de coisas — manteiga, carne, cebola, granito e assim por diante. Ou compreendendo o papel que a faca desempenha ao unir toda uma rede de atividades, por exemplo, em uma cozinha. Ao compreender a faca, eu a projeto, ou seja, sou conduzido ou direcionado a outras entidades e atividades, e percebo um determinado padrão que a faca faz no mundo. O sentido da faca é o padrão dessas atividades ou possibilidades de uso para as quais sou orientado quando compreendo o que é a faca e para as quais sou conduzido quando uso a faca. Portanto, é a partir de ou com base em algum conjunto de relações projetadas que compreendo o que é qualquer coisa.
Existem, é claro, diferentes tipos de coisas nas quais podemos nos projetar. Podemos projetar as propriedades perceptivas de uma entidade em contingências sensório-motoras. Podemos projetar uma entidade em suas possibilidades de uso, como no nosso exemplo da faca. Ou podemos projetar algo nas estruturas ontológicas que permitem que seja o tipo de entidade que é — por exemplo, projetar uma faca nas estruturas de equipamento e nas funções de equipamento que permitem que seja um equipamento, ou projetar uma vida humana na estrutura de cuidado que permite que seja uma forma de vida humana. Esta última forma de projeção nos mostra o sentido de ser (Seinssinn, geralmente traduzido como “significado de ser”). Chega-se ao sentido de ser de algo, então, desencobrindo qual estrutura ontológica molda mais fundamentalmente as possibilidades que constituem esse algo como o que é. O “sentido amplo” (weiten Sinne) de um termo aplica-se a tudo que compartilha o mesmo sentido de ser.
A maneira como Heidegger geralmente procede é examinar a estrutura ontológica e a função do que quer que seja escolhido por um termo em seu sentido normal e restrito. Ou seja, ele pergunta o que a coisa à qual normalmente nos referimos contribui para o des-encobrimento e quais elementos estruturais permitem que ela faça esta contribuição. Em seguida, ele usa o termo de forma a incluir em sua extensão tudo o que compartilha a mesma estrutura ou função ontológica.
Por exemplo, normalmente predicamos a verdade de entidades proposicionais, como afirmações ou crenças. Mas podemos compreender uma proposição como potencialmente verdadeira ou falsa somente na medida em que podemos compreender como usá-la para descobrir ou tornar saliente um fato ou estado de coisas. Portanto, poderíamos dizer que o ser da verdade reside no desencobrimento. Assim, Heidegger considera o desencobrimento em um sentido amplo — elevando à saliência — como a função ontológica da verdade. Em seguida, ele aplica o termo em um sentido amplo a tudo o que revela. Assim, por exemplo, se eu cravo um prego em uma tábua, estou desencobrindo a maneira como um martelo é usado. Nesse sentido amplo, minha ação, para Heidegger, é verdadeira — ao martelar, eu evidencio o que é um martelo e como ele é usado. Ou, se um edifício como uma catedral medieval apoia os fiéis em seus esforços para habitar um mundo aberto pela graça de Deus, a catedral também é verdadeira no sentido ontologicamente amplo — ela funciona elevando à saliência o que é essencial ou mais importante nesse mundo e apoiando as práticas reveladoras dos habitantes desse mundo.
Agora, se não mantivermos firmemente em mente que Heidegger está usando seus termos em um sentido ontologicamente amplo, isso leva a erros terríveis na interpretação do que ele tem a dizer. Por exemplo, as coisas ficam completamente confusas se ( a ) pensarmos que a verdade é a verdade proposicional (ponto final), ( b ) lermos Heidegger discutindo como manipular um martelo demonstra a verdade sobre um martelo e, então, ( c ) concluirmos que Heidegger pensa que manipular um martelo é verdadeiro da mesma forma que uma proposição é verdadeira, que de alguma forma deve ser descontada em termos de uma série de proposições que o manipulador do martelo conhece sobre o manipular o martelo.
Assim, quando Heidegger usa termos como verdade, linguagem e história em um sentido amplo ou em um sentido de ser (e ele quase sempre os usa dessa forma), os termos não têm o sentido que têm no discurso comum. E se eles se referem àquilo a que normalmente nos referimos com esses termos (juntamente com uma gama mais ampla de fenômenos), eles só o fazem na medida em que os escolhem como tendo uma estrutura ou função ontológica específica, como desempenhando um papel particularmente importante no desencobrimento. Pode-se dizer que os termos de Heidegger funcionam para selecionar o que é normalmente referido por esses termos “sob uma descrição ontológica” e, consequentemente, eles também selecionam outras coisas que não são normalmente referidas por esses termos.