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Wrathall (2011:1-2) – des-encobrimento [Unverborgenheit]

sábado 19 de outubro de 2024, por Cardoso de Castro

“Des-encobrimento” [Unconcealment], “Unverborgenheit”, foi um termo que entrou pela primeira vez na filosofia de Heidegger como uma tradução para a antiga palavra grega aletheia. A tradução mais comum de aletheia é “verdade” (Wahrheit em alemão), mas Heidegger optou por uma tradução literal: a-letheia significa literalmente “des-encoberto”. Ele fez isso porque acreditava que os primeiros gregos pensavam na “verdade” como uma questão primordial de “tornar disponível como não encoberto, como desvelado, o que estava anteriormente encoberto ou velado” (ver GA63  :12).

Heidegger acabou acreditando que os próprios gregos não haviam conseguido compreender o que era essencial para a noção de des-encobrimento, o que ele havia pensado inicialmente que estava sugerido em sua palavra aletheia. Assim, ele se dedicou à tarefa de pensar a noção original de forma mais original do que qualquer outra pessoa havia feito antes (consulte GA9  : 237-8). O pensamento de Heidegger pode ser visto de forma proveitosa como a elaboração das implicações da compreensão original do des-encobrimento. Pensar o des-encobrimento como tal é rejeitar a ideia de que há entidades, não sabemos quais, que existem como são, independentemente das condições sob as quais podem se manifestar. O des-encobrimento é um acontecimento — acontece, e só acontece “com os seres humanos” por meio da “projeção criativa da essência e da lei da essência” (GA36/37: 175). O pensamento do des-encobrimento também rejeita a ideia de que há respostas exclusivamente corretas para perguntas como o que são as entidades e o que é o ser. Ao invés, sustenta que encontramos entidades como sendo o que são somente em virtude do mundo dentro do qual estas podem ser reveladas e encontradas. Mas estes mundos estão sujeitos a não serem desencobertos — eles surgem historicamente e são suscetíveis à dissolução e à destruição. Assim, o próprio ser deve ser compreendido não como algo determinado e estável, mas em termos das condições para o surgimento de entidades e mundos que saem do encobrimento para o des-encobrimento.

O des-encobrimento é uma noção privativa — consiste em remover o encobrimento. Consequentemente, o encobrimento deve, de certa forma, ter prioridade na compreensão de entidades e mundos. Mas “o encobrimento tem”, observa Heidegger, “um sentido duplo: 1. não ter consciência de, e 2. nenhum contexto possível” (GA36/37: 188). O sentido (1) descreve uma forma superficial de ocultação, em que algo existe, mas não temos um sentido para ele. O sentido (2) aponta para a forma mais profunda e fundamental de encobrimento. De acordo com Heidegger, para uma entidade ser, esta deve ser em um contexto de relações constitutivas. A falta de qualquer contexto possível é, portanto, um encobrimento ontológico — a ausência das condições sob as quais a entidade em questão poderia se manifestar no ser. Assim, há uma dualidade ou ambiguidade produtiva embutida na noção central de des-encobrimento: o des-encobrimento consiste em trazer as coisas à consciência, mas também em criar o contexto no qual as coisas podem ser o que são.

A noção central de des-encobrimento funciona como um princípio metodológico em toda a obra de Heidegger. Por princípio metodológico, quero dizer que o des-encobrimento era, na abordagem de Heidegger à filosofia, a diretriz para discernir o papel e a estrutura constitutiva dos elementos da ontologia. Podemos ver isso ao considerar como Heidegger definiu as características ontológicas de seu pensamento — por exemplo, a existencialia de Ser e Tempo   (as categorias ontológicas de Heidegger para o modo humano de ser), Ereignis, terra e mundo, linguagem e o quádruplo. Todas essas noções foram compreendidas em termos do papel que desempenharam na abertura de um mundo, revelando-nos e descobrindo entidades com base nas possibilidades abertas por uma determinada projeção de mundo. A ontologia de Heidegger foi fundamentada dessa forma na noção de des-encobrimento. A questão de individualizar e compreender as estruturas ontológicas sempre foi “o que isso contribui para abrir um mundo e permitir que as entidades apareçam como as coisas que são?” Em outras palavras, “que função reveladora ela desempenha?”


Ver online : MARK A. WRATHALL


WRATHALL, Mark A. Heidegger and unconcealment: truth, language, and history. Cambridge ; New York: Cambridge University Press, 2011