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McNeill (2006:4) – alma - órgãos de sentido - percepção
segunda-feira 4 de dezembro de 2023
Tradução
O argumento de Sócrates torna claro que, pelo menos na apreensão humana, os órgãos dos sentidos (em grego, organon) não são, por si só, aquilo que ativamente faz a percepção; pelo contrário, são apenas aquilo através do qual a percepção ocorre. Os órgãos dos sentidos são meros canais ou "instrumentos" da percepção, como o grego organon (ferramenta, implemento) implica. A atividade de perceber como tal é realizada pela alma, pela apreensão ou "ver" (noein) de algo mais do que as particularidades reveladas pelos vários sentidos, ou seja, a unidade de sua pertença juntos em uma ideia, em uma "visão". Não podemos examinar aqui o espantoso pormenor com que Heidegger, no seu curso de 1931-32 sobre a República e o Teeteto de Platão (GA34 ), analisa o argumento socrático, mas vale a pena notar a sua ênfase no facto de a ideia grega aqui (e o noein e o dianoein que ela implica) não se referir ainda a uma forma não-sensível oposta ao reino da aisthesis. Ideia significa antes, argumenta Heidegger, "algo visto no seu ser visto" (das Gesichtete in seinem Gesichtetsein), o ser visto de uma unidade que foi vista (GA34 , 173). A apreensão (noein) desta unidade através (dia) de toda a diferenciação dos sentidos e dos seus objetos não é simplesmente uma apreensão que ocorre por meio dos órgãos dos sentidos concebidos como "instrumentos", mas uma apreensão que se estende pelos vários canais da percepção dos sentidos, relaciona-os uns com os outros e mantém-nos juntos na sua unidade. É com base nessa unidade que é possível qualquer dispersão da percepção sensorial, uma percepção de "isto e não aquilo". A nossa dispersão sensorial e corporal é uma dispersão na reunião e uma reunião ou unificação na dispersão. Como reunião e unificação antes de qualquer apreensão sensorial de particularidades, a alma (que aqui ainda não está isolada como uma entidade, mas concebida e vista como uma "atividade", um ser-visto) é, como diz Heidegger, nada mais do que esse alongamento (Erstreckung) que se estende pelos vários órgãos dos sentidos, permitindo uma relação reunida com os objetos dos sentidos. É a presença da alma como este alongamento relacional (o esforço do eros de Platão ) que primeiro permite que algo corpóreo se torne semelhante a um órgão, que seja um corpo. "Só assim é que algo corpóreo [ein Körper] pode tornar-se um corpo [Leib]", observa Heidegger (GA34 , 177).
Original
Socrates ’ argument makes it clear that, in human apprehending at least, the sense organs (in Greek, organon) per se are not that which actively do the perceiving; rather, they are only that through which perception occurs. The sense organs are merely channels or “instruments” of perception, as the Greek organon (tool, implement) implies. The activity of perceiving as such is accomplished by the soul, by the apprehending or “seeing” (noein) of something more than the particulars disclosed by the various senses, namely, the unity of their belonging together in one idea, in one “vision.” We cannot here examine the astonishing detail with which Heidegger in his 1931-32 course on Plato ’s Republic and Theaetetus (GA34 ) analyzes the Socratic argument, but it is worth noting his emphasis that the Greek idea here (and the noein and dianoein it implies) does not yet refer to a nonsensible form opposed to the realm of aisthesis. Idea means, rather, Heidegger argues, “something seen in its being seen” (das Gesichtete in seinem Gesichtetsein), the being seen of a unity that has been sighted (GA34 , 173). The apprehending (noein) of this unity throughout (dia) all differentiation of the senses and their objects is not simply an apprehending that occurs by way of the sense organs conceived as “instruments,” but an apprehending that stretches throughout the various channels of sense perception, relates them to one another and holds them together in their unity. It is on the basis of such a unity that any dispersion of sense perception is possible, a perceiving of “this and not that.” Our sensuous, bodily dispersion is a dispersion in gathering and a gathering or unifying in dispersion. As gathering and unifying in advance of any sensory apprehending of particulars, the soul (which is here not yet isolated as an entity, but conceived and seen as an “activity,” a being-seen) is, as Heidegger puts it, nothing other than that stretching (Erstreckung) that stretches throughout the various sense organs, enabling a gathered relating to sense-objects. It is the presence of soul as this relational stretching (the striving of Plato ’s eros) that first enables something corporeal to become organ-like, to be a body. “Only thus can something corporeal [ein Körper] become a body [Leib],” remarks Heidegger (GA34 , 177).
[MCNEILL , William. The Time of Life. Heidegger and Êthos. New York: State University of New York Press, 2006, p. 23]
Ver online : William McNeill