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Marques Cabral (2015:85-86) – ser-no-mundo
segunda-feira 4 de dezembro de 2023
[…] o ser-aí é ser-no-mundo não porque ele está sempre inserido em um espaço geométrico que abarca o somatório de todos os entes presentes à vista. Sendo-no-mundo, o ser-aí experimenta o mundo como correlato intencional descerrado por sua existência. O mundo é, portanto, o horizonte transcendental e transcendente que fornece ao poder-ser do ser-aí o campo necessário para que ele projete suas possibilidades e conquiste a cada vez a sua ipseidade. A compreensão, portanto, necessita “dialogar” com o mundo, para projetar o campo de sentido do ser-aí. E a partir da totalidade que o mundo é que o ser-aí projeta existencialmente o sentido mediante o qual uma pluralidade de comportamentos torna-se possível. Sem esse diálogo com a totalidade que é o mundo, a compreensão não pode se realizar, recortando os entes com os quais o ser-aí comportar-se-á. Não cabe à compreensão, portanto, levar o ser-aí a experimentar o campo globalizante que o mundo é. O acesso à totalidade, por sua vez, não pode ser teórico. Isso porque, para que o ser-aí posicionasse teoricamente a totalidade, esta deveria ser concebida sob o modo do ente simplesmente à vista e não como o horizonte intencional a partir do qual o ser-aí pode comportar-se com todo e qualquer ente. A visada teórica representaria objetivamente o todo e posicionaria o ser-aí fora da totalidade, o que é impossível, pois o mundo é justamente o correlato intencional do ser-aí. Não apreendemos teoricamente o ente em sua totalidade. No entanto, podemos de algum modo acessar a abertura do ente na totalidade, porquanto [85] existir é já sempre ser em meio a essa totalidade. [1] Em outras palavras: o ser-aí já sempre acessou o ente na totalidade, não através de uma faculdade que lhe é inerente, mas a partir de um modo específico de ser, a saber, a tonalidade afetiva e outros conceitos correlatos como disposição e ser-lançado. À medida que o ser-aí é um ek-sistente, ele não pode não se situar no espaço mundano onde ele compreensivamente conquista a cada vez a si mesmo. O ser-aí já é sempre um ser-lançado ou jogado (Geworfenheit) no mundo fático que o determina enquanto ser-no-mundo. Por isso, Heidegger afirma, em Ser e tempo , que ser-lançado é sempre o fato de o ser-aí ser sempre o seu aí [CF. SZ /ST, §29], ou seja, o ser-aí é sempre quem é em meio ao mundo fático sedimentado que é o seu. Sendo sempre lançado em seu mundo fático, o ser-aí encontra-se sempre em meio ao horizonte mundano que lhe é constitutivo. Ele nunca pode deixar de encontrar-se em seu mundo fático. Esse “encontra-se em” (seu mundo fático) é caracterizado pela expressão alemã sich befinden in. Tal expressão foi condensada no termo Befindlichkeit, cuja tradução comum é disposição, para mostrar que o ser-aí já sempre se encontra em meio à totalidade do mundo fático que é o seu. Disposto, todo ser-aí encontra-se jogado e absorvido no horizonte mundano que se lhe abre existencialmente. Ora, o que determina essencialmente sua estrutura dispositiva, isto é, o modo pelo qual o ser-aí encontra-se sempre em meio à totalidade do mundo está contido no conceito de tonalidade afetiva. Como afirmou Heidegger em Ser e tempo : “o que ontologicamente designamos com o termo disposição é, onticamente, o mais conhecido no cotidiano: a tonalidade afetiva, o ser afinado” [Ibidem]. O ser-aí encontra-se em meio à totalidade mediante a tonalidade afetiva.
[MARQUES CABRAL , Alexandre. Niilismo e Hierofania: Uma abordagem a partir do confronto entre Nietzsche , Heidegger e a tradição cristã. Heidegger e a polimorfia de Deus. Rio de Janeiro: Mauad X, 2015]
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[1] Em O que é metafísica?, Heidegger diz: “Assim como é inconteste que nós nunca podemos apreender a totalidade do ente em si absolutamente, é certo, porém, que nos encontramos postados em meio ao ente de algum modo desvelado em sua totalidade. Por fim, há uma diferença essencial entre a apreensão da totalidade do ente em si e o encontrar-se em meio ao ente em sua totalidade. A primeira é fundamentalmente impossível. O segundo, no entanto, acontece constantemente em nosso ser-ai. Parece, sem dúvida, que em nossa rotina cotidiana estamos presos sempre a este ou àquele ente, como se estivéssemos perdidos neste ou naquele domínio do ente. Mas por mais fragmentado que possa parecer o cotidiano, ele sempre retém, mesmo que vagamente, o ente em sua unidade de ‘totalidade’” (M.C, p.120).