Página inicial > Léxico Alemão > Rachel Bespaloff (2009) – encobrimento [Verschlossenheit]
Rachel Bespaloff (2009) – encobrimento [Verschlossenheit]
terça-feira 5 de novembro de 2024
Ou como você traduz Verschlossenheit [1]? Você dirá que o Ser é velado, encoberto, inacessível, que ele se evade e se recusa, que estamos proibidos de captá-lo em sua integridade, que a Existência humana está simultaneamente na verdade e na falsidade, que diante do Ser ela é tanto dotada de clarividência quanto afligida pela cegueira? (Zur Faktizität des Daseins gehören Verschlossenheit und Verdecktheit [2].) Tudo isso, entretanto, está implícito na Verschlossenheit. Entendamos que o Ser é elusivo porque no coração da Existência há um defeito, uma lacuna, uma nulidade original. A existência foi lançada no Ser, ela não o escolheu: foi transmitida a ele, entregue a ele (überantwortet). Seiend ist das Dasein geworfenes, nicht von ihm selbst in sein Da gebracht [3]. Há essa “vergonha” em sua origem. Das Dasein ist nie existent vor seinem Grunde, sondern je nur aus ihm und als dieser [4]. A existência assume o ônus do Ser: ao existir, é seu próprio fundamento, mas não o estabeleceu. Essa fenda pela qual o nada entra, nada pode preenchê-la: é a Geworfenheit des Daseins [5]. Mas não devemos confundir esse nada com uma negação vazia. Para Heidegger, ao contrário, o nada “é algo”. Ist es denn aber so selbstverständlich, dass jedes Nicht ein Negativum in Sinne eines Mangels bedeutet? [6] A falha original da Existência é ser das (nichtige) Grundsein einer Nichtigkeit [7]. Revelar o que existe é disputá-lo com as aparências, extorqui-lo, roubar-lhe o segredo. Isso requer uma decisão corajosa: é isso que é Entschlossenheit. Mesmo o que já foi descoberto, oferecido, deve ser redescoberto, apropriado. Das Dasein muss wesenhaft das auch schon Entdeckte gegen den Schein sich ausdrücklich zueignen [8].
Mas, antes de tudo, Entschlossenheit é a vontade de estar consciente de nosso nada íntimo: Gewissen-haben-wollen [9]. E aqui voltamos ao nosso ponto de partida: essa vontade de estar ciente do nada da Existência é, como autocompreensão, um aspecto — e não o menos sério, o menos importante — da Erschlossenheit dos Daseins.
Tudo isso por três prefixos…
[BESPALOFF, Rachel. Sur Heidegger. Paris: Éditions de la revue Conférence, 2009]
Ver online : VERSCHLOSSENHEIT
[1] "Fechamento", SZ:184, 222, 308, 348
[2] “O fechamento e a recuperação pertencem à facticidade do Dasein”. (SZ:222)
[3] “Ente, o Dasein é lançado — ele não é trazido para o seu Aí por si mesmo.” (SZ:284)
[4] O Dasein “nunca é existente antes de seu fundamento, mas sempre apenas a partir dele e como tal”. (SZ:284)
[6] “É então tão “óbvio” que todo não significa uma negativa no sentido de um defeito?” (SZ:285-286)
[7] “O ser-fundamento (nulo) de uma nulidade”. (SZ:285)]. Essa falha, na maioria das vezes, nós podemos e queremos ignorar: é por isso que a Existência está tanto na verdade — Erschlossenheit — quanto no erro — Verschlossenheit.
Mas, mais uma vez, vamos mudar o prefixo: Erschlossenheit — Verschlossenheit — Entschlossenheit. Espírito de decisão, coragem resoluta? É seco, carece de grandeza, tensão, peso. Entschlossenheit é o esforço difícil, muitas vezes perigoso, que temos de fazer para nos afastar da mentira original. Wahrheit (Entdecktheit) muss dem Seienden immer erst abgerungen werden. A pessoa que está sendo vista entra em contato com a verdade… Entdecktheit ist gleichsam immer ein Raub [[“A verdade (ser-descoberto) deve sempre ser primeiro arrancada do ser. O ser é arrancado da retirada. Em todos os casos, a descoberta fáctica é, por assim dizer, sempre uma abdução”. (SZ:222)
[8] “O Dasein deve essencialmente se apropriar expressamente até mesmo daquilo que já foi descoberto contra a aparência.” (SZ:222.)