Página inicial > Hermenêutica > Mitchell (2015:31-32) – maquinação e experiência

Mitchell (2015:31-32) – maquinação e experiência

segunda-feira 21 de outubro de 2024, por Cardoso de Castro

A posição aparentemente privilegiada do sujeito humano na representação leva a uma ênfase pessoal e social na experiência vivida (Erlebnis), que Heidegger identifica como o participante necessário da extensão da maquinação. De fato, Heidegger vincula a maquinação e a experiência vivida diretamente como a transformação da época da afiliação tradicional entre ser e pensar: “A maquinação e a experiência vivida são formalmente a versão mais originária da fórmula para a questão-guia do pensamento ocidental: ser (ser) e pensar (como conceitualização representacional [vor-stellendes Be-greifen])” (GA65  : 128/101, tm). [1] O objeto representacional é um ente que está sempre relacionado a um sujeito (o representador) e, na medida em que este sujeito também é sempre entendido como um sujeito “vivo”, então este ente está sempre relacionado à vida: “O ente conta primeiro como existente, na medida em que e na extensão em que está incluído e relacionado a essa vida, ou seja, é experimentado na vida [er-lebt] e se torna experiência vivida [Erlebnis]” (GA5  : 94/71, tm). A vida aqui é entendida biologicamente, ou seja, por uma ciência determinada pela pesquisa e objetivação: “Os modos de pensamento mecanicista e biologicista são sempre apenas consequências das interpretações maquínicas ocultas dos seres” (GA65  : 127/100). Em Contribuições à Filosofia, Heidegger conecta a experiência vivida com a concepção romana do ser humano como racionalidade animal: “Por que o ser humano como ‘vida’ (racionalidade animal) (ratio-re-presentação! [Vor-stellen])” (GA65  : 129/102, tm). Essa breve nota afirma que, na determinação metafísica do humano como racionalidade animal, o animal se torna o sujeito da experiência vivida e a racionalidade se torna a faculdade de representação. Eles trabalham juntos na forma do ser humano moderno que tem um desejo irracional (animalesco, nesse sentido determinado pela oposição) e viciante por experiências vividas que são pré-embaladas e objetivadas (representadas) para consumo.

Sob o reinado da maquinação, a própria experiência é objetivada. O ser humano é entregue a um mundo fictício de experiências objetivadas que podem ser acumuladas e possuídas. Elas estão disponíveis para serem tomadas pelo intrépido aventureiro. Heidegger menciona “filmes” e “resorts de spa à beira-mar” a esse respeito (GA 65  : 139/109, tm). O impulso de possuir ou ter experiências (os alemães dizem, de forma reveladora, “fazer” experiências) também pode ser visto como a exacerbação do entendimento grego do humano como zoon logon echon, em que o echon, ou “ter”, é equiprimordial à definição e institui um reino de posse na própria definição do humano. A crítica à Erlebnis e à vida (Leben) que ela promove é alimentada pela oposição de Heidegger ao biologismo, à antropologia, ao psicologismo e à cultura. O papel do ser humano dentro do domínio da maquinação é ser conduzido como se fosse um animal agindo por instinto, de uma experiência superficial para outra (cf. GA65  : 98/78). O ser humano, como sujeito da Erlebnis, torna-se o possuidor do mundo, um status que, da mesma forma, exige uma maior objetivação representacional desse mundo. Essa vida isola a pessoa da angústia do ser abandonado. Na época da maquinação moderna, o ser humano se torna o consumidor ávido da experiência objetivada.


Ver online : Andrew Mitchell


MITCHELL, Andrew J. The fourfold: reading the late Heidegger. Evanston (Ill.): Northwestern university press, 2015


[1Da mesma forma, os diagramas nas seções 64 e 65 das Contribuições também mostram a ligação entre a maquinação e a experiência vivida (GA65: 130/102-3). As seções 61-68 detalham o papel da maquinação e da experiência vivida nas Contribuições, complementadas pelo argumento de “O tempo da imagem do mundo” [GA5].