Primeiro a definição. É balizada por três vocábulos chave, que só encontram a sua ressonância no alemão: die Erklärung (a explicação), die Erläuterung (a elucidação ou o esclarecimento), die Erörterung (a situação) [1].
A explicação é o modo de pensamento dominado pelo princípio da razão, modo de pensamento que encontra o seu pleno desenvolvimento na ciência moderna, mas que já reina secretamente na metafísica. Na medida em que está como onto-teo-logia, funde o sendo no seu ser, e o ser num sendo supremo, é toda a procura metafísica do fundamento que pode estar, a bem dizer, assente na explicação ôntica: torna-se «uma técnica de explicação das causas supremas» [2].
Mas é com certeza a explicação que visa dar conta e razão de tudo, só pode por isso mesmo — falhar naquilo que essencialmente se revela e ao qual não saberíamos dar razão: aquilo que escapa a qualquer «fundamento» [3].
É a razão pela qual, Heidegger opõe-se a este pensamento explicativo, próprio da metafísica, um outro pensamento que não pretende — subindo a cadeia das causas e dos efeitos — dominar a coisa, mas sim recebê-la, deixá-la vir [4]. E visto que só vem na sua [129] palavra, este outro pensamento irá necessariamente estender-se sob forma de escuta, irá então apresentar-se como uma hermenêutica. É ela que designa os dois termos Erläuterung e Erörterung.
Porquê dois termos? Porque a linguagem oferece-nos num só gesto duas coisas: aquilo que diz e aquilo que não diz; o formulado e o não formulado [5]. A interpretação que tenta esclarecer o formulado na sua diversidade, irá chamar-se Erläuterung. Aquela que pretende situar o não-formulado na sua unidade (que está sempre protegida pela diversidade do dito) chama-se Erörterung. Os dois modos de interpretação não estão então, em relação de sucessão (como se um abolisse o outro), mas relembrariam sobretudo as duas faces de uma medalha, ou as duas vertentes de um vinco: supõem-se uma à outra, tal como o diz o reenvio ao não dito e o pensamento ao impensável [6].
Essas relações entre Erörterung e Erläuterung estão claramente expostas pelo próprio Heidegger. Relembramos o contexto desta exposição. Desde a primeira página da conferência sobre Trakl — justamente chamada «eine Erörterung seines Gedichtes» [7] —, Heidegger distingue entre os poemas especiais (einzelme Dichtungen), na sua rica diversidade e o Poema [8] único (das einzige Gedicht) que permanece por formular, mas que não deixa de ser a «origem da onda», a verdade daquilo que reconhecemos como «ritmo». É este não formulado, que uma vez recolhido constitui o «local» (Ort) para o qual a situação irá tender (Erörterung). Como ascender a esse local? A partir de poemas especiais. O Erläuterung permitirá esclarecê-los, enquanto o Erörterung irá questionar a unidade secreta que está reservada neles.
Isso quer dizer, que o local (do Poema) é por direito anterior aos lugares que concede (os poemas na sua diversidade); mas o intérprete, esse não pode poupar um movimento de vai e vem entre ambos. «Uma boa elucidação pressupõe já a situação. É só a partir do local do Poema, que resplandecem e ressoam os poemas especiais. Inversamente, uma situação do Poema necessita já de um percurso precursor através de uma primeira elucidação sobre poemas especiais [9].» E nesse «jogo de trocas», entre Erläuterung e Erörterung que Heidegger vê o essencial do «diálogo» entre pensamento e poesia [10] — o pensamento reconduzindo o dito do poeta ao não dito, que é o seu «local» e que só ele, como pensamento pode «situar». [130]
Mas se os dois modos de interpretação são por direito indissociáveis, o acento (e o esforço) de Heidegger serão sempre mais no segundo (Erörterung), na medida certa onde o seu pensamento procura sempre mais destacar o não dito e esclarecer o impensável. Nesse sentido, o Erörterung, pode de facto aparecer como sendo a última palavra da interpretação. Como entender exactamente aquilo que se desempenha nesta palavra?