Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Gmeiner: Poesia

terça-feira 30 de maio de 2017

Heidegger pretende buscar na hermenêutica o fio condutor, o caminho para a linguagem originária. Percorrer o caminho, ou ao menos encontrar sua direção, é já esbarrar com os marcos indicativos do dizer essencial. A língua grega, matriz do pensamento filosófico ocidental, presta-se a essa investigação sistemática; mas é preciso, também, saber ouvir o que diz a linguagem do "pensamento", mesmo quando ele se dá na espontaneidade do simples contato com o "objeto" do pensar. A linguagem que nasce do pensamento que conhece assiste ao conhecimento e incorpora-o, no sentido em que conhecer é um "nascer com" (con-naitre, co-gnoscere). Pensamento e ser fundem-se e expressam-se na palavra.

O pensamento transcende e supera a Filosofia. O dizer que se descompromete com o racional categorial para doar-se inteiramente à intuição de sentido e à revelação do Ser traz por isso, com maior clareza, sua mensagem. Daí o percurso hermenêutico possibilitar que se "ouça" essa mensagem. Hermes, mensageiro dos deuses, traz a mensagem do Ser - Hermenêutica possibilitando seu desvelamento. Em Experiência do Pensar Heidegger diz: "Desde que temos a coisa diante dos olhos e, no coração a atenção à palavra, o pensar é bem-sucedido".

O desgaste da linguagem, no dizer impróprio do social e do convencional, mascara o sentido originário da palavra. Quando se trata meramente de utensílios, a convenção vai, progressivamente, alterando a sua re-ferência com a palavra; perde-se o sentido primeiro da palavra que disse o ser do utensílio; perde-se sua re-ferência-ser, sua re-ferência de realidade e de valor. Perde-se a ligação com o Da-sein que não é mais capaz de pôr-se em silêncio para ouvir o Ser. A palavra soa ruidosa e indevida e anula a presença simples e ingênua do Da-sein diante do Ser.

Restam espaços onde esse re-encontro torna-se ainda possível. São os momentos fugazes e privilegiados da Filosofia; são também os momentos da Poesia. Filosofia e Poesia encontram-se na busca pela Palavra, pelo autêntico nomear. Dar nome é dar ser. A função de nomear é função ativa do guardião do Ser, do Homem. Essa função realiza-se na linguagem. Mas alterar o nome, alterar a palavra é também suprimir o ser, alterar o ser. A linguagem, na Filosofia e na Poesia, é a instância privilegiada, a fortaleza onde o ser se abriga. Na ideia mesma de poeta está o ser sempre guardião da natureza".

O encontro do poeta com a palavra tem a rudeza da verdade da revelação. A poesia é produto de uma possessão, da possessão do poeta pelo Ser. Nas profundezas, ele mergulha para resgatar o primeiro sentido, o sentido mais próprio. Como a pérola velada na ostra, o Ser esconde-se no falar impróprio e distancia-se do Da-sein. O poeta procura vencer esse distanciamento, indo em direção ao encontro poético. Por isso a Poesia caminha, não no tempo, mas sempre em direção à origem e, embora a produção poética se dê no tempo, ela o transcende sempre12.

Livre, a Poesia procura retomar o dizer originário, nomear na luz da primeira descoberta, sempre nova, imaculada e fresca como no "primeiro dia". Simples, a Poesia abre-se para o Simples, que se perdeu na impropriedade do viver no mundo.

O Simples guarda o enigma do que permanece e do que é grande… mas… o perigo ameaça que o homem não possa ouvir sua linguagem. Em seus ouvidos retumba o fragor das máquinas, que chega a tomar pela voz de Deus. Assim o homem se dispersa e se torna errante. Aos desatentos o Simples parece uniforme. A uniformidade entedia. Os entediados só veem monotonia a seu redor. O Simples desvaneceu-se. Sua força silenciosa esgotou-se.

No despojamento, a Poesia encontra-se com o Ser. Na renúncia, ela o diz silenciosamente. Na expressão, ela o revela aos que possam ouvi-lo. O dizer do pensar somente se acalmaria em sua essência, quando ele se tomasse impotente de dizer o que deve ficar inexprimido. (Conceição Neves Gmeiner, A Morada do Ser)


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