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Richardson (2003:53-55) – instrumentalidade

sexta-feira 27 de setembro de 2024, por Cardoso de Castro

Vamos examinar mais de perto o Ser desses instrumentos com os quais o Aí-ser se ocupa. Todo instrumento é essencialmente “com o propósito de” (um zu) fazer algo, ou seja, com propósito (por exemplo, a caneta para escrever), e esse propósito tem em sua própria estrutura uma referência (Verweisung) àquilo para o qual serve a um propósito. Referido além de si mesmo a uma tarefa a ser cumprida, o instrumento (p. ex., caneta), em conjunto com outros instrumentos (p. ex., papel, tinta, escrivaninha etc.), reside em um padrão de referências que constitui o instrumento como intencional e, portanto, como um instrumento. É a tarefa a ser cumprida que constitui a unidade desse padrão, e a própria tarefa se torna um instrumento inserido em um padrão ainda mais amplo que constitui a unidade total da ocupação (Besorgen). [SZ  :68, 70]

A estrutura ontológica do instrumento, portanto, é caracterizada por sua referência além de si mesma, em razão de sua inserção em um padrão intencional total. Esse padrão, ou complexo, de referências, sempre latente e considerado garantido pelo próprio fato da ocupação, torna-se aparente no momento em que o padrão é perturbado, como ocorre, por exemplo, se um instrumento, quando quebrado, torna-se inútil. O próprio fato da perturbação, no entanto, indica que o padrão total em si sempre esteve, de alguma forma, em vista, mesmo que não fosse considerado. Essa totalidade que sempre esteve em vista é o que Heidegger entende por mundo. [SZ  :74-75]

Todo instrumento, então, é encontrado dentro do mundo que torna possível sua finalidade e, por outro lado, todo instrumento tem uma relação ontológica com o mundo. Assim, quando um instrumento é descoberto, o próprio Mundo, por uma certa prioridade ontológica, já foi descoberto, mesmo que ainda não tenha sido tematizado. [SZ  :83] Essa totalidade, na qual os instrumentos são encontrados e que é o termo final de sua referência, não é estranha ao Aí-ser, mas está intimamente associada à sua estrutura ontológica. Lembre-se de que os instrumentos que estamos analisando são aqueles com os quais o Aí-ser está envolvido em sua pré-ocupação diária com o Mundo circundante e sob o controle da circunvisão (Umsicht) do Aí-ser. O mundo é profundamente o mundo do Aí-ser.

Mais precisamente: Já vimos que a estrutura ontológica do instrumento é caracterizada por sua referência além de si mesmo. Seu próprio Ser, portanto, consiste em seu ser-destinado (Bewandtnis), ou seja, sua estrutura ontológica inclui um caráter duplo: um ser que é destinado e um ser para o qual ele é destinado. [SZ  :84] Esse para o qual o instrumento é destinado dependerá, é claro, do padrão no qual ele está inserido (Bewandtnisganzheit), e esse padrão, por sua vez, será inserido em um padrão maior. Por exemplo, o martelo terá seu destino imediato em uma martelada, a martelada em um prego, o prego na construção de uma casa. Mas o processo não continua indefinidamente. A casa está destinada ao Aí-ser. O Aí-ser é o termo de todos os destinos - e isso, não por causa de uma “egocentricidade” banal própria (uma concepção puramente ôntica do Aí-ser), mas por causa de sua estrutura ontológica, ou seja, o Ser dos instrumentos deve ser destinado a outro, mas o Ser do Ser-aí deve se preocupar com seu próprio Ser e, portanto, não pode ser referido além de si mesmo. [SZ  :123]


Ver online : William J. Richardson


RICHARDSON, William J. H. Heidegger. Through Phenomenology to Thought. New York: Fordham University Press, 2003