Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Bret Davis (2007:13-14) – “não-querer” [Nicht-Wollen]

sexta-feira 4 de outubro de 2024

Onde há sintonização, há a possibilidade de uma mudança na sintonização e, portanto, também de despertar a sintonização. (GA29-30  :268/181)

Com o termo “não-querer”, é importante, acima de tudo, não determinar demais nosso preconceito desde o início. Portanto, restringirei minhas observações aqui a uma indicação do sentido ou direção básica em que esse termo se destina. “Não querer” traduz o termo de Heidegger Nicht-Wollen. No entanto, Heidegger diz que o último termo pode significar várias coisas (ver GA77  :76). Ele mesmo emprega o termo em dois sentidos específicos: (1) “renunciar voluntariamente ao querer” e (2) “o que permanece estritamente fora de qualquer tipo de vontade” (G 30/59). Este último é o sentido final pretendido pelo termo “não voluntariedade”. O não-querer seria radicalmente diferente do querer. O primeiro sentido de Nicht-Wollen fala do não-querer no contexto da transição “querer não querer” [will to not will] ou da “vontade para não-querer” (Wollen das Nicht-Wollen, will to non-willing), que também será um foco importante de atenção.

Um terceiro sentido possível de Nicht-Wollen, que Heidegger comenta criticamente, mas que ele mesmo não emprega, é a simples negação ou ausência de vontade. Aproveitando o fato de que o inglês oferece duas maneiras de traduzir o Nicht de Nicht-Wollen, como “not” e como “non”. Vou me referir à simples negação ou ausência de vontade como “not-willing”, e ao radicalmente diferente de vontade como “non-willing”. Manter essa distinção será crucial, uma vez que é precisamente a confluência desses dois sentidos de Nicht-Wollen que está por trás de várias interpretações errôneas da tentativa de Heidegger de pensar um sentido não voluntarioso de Gelassenheit.

Como o comportamento da vontade se presta à hipostatização como “uma faculdade” ou, de fato, como “o fundamento dos entes”, é apropriado falar no nominativo de “a vontade”. Heidegger nem sempre tem clareza sobre (ou se preocupa com) a distinção entre “querer” e “vontade” e, de fato, ele afirma em um ponto que a palavra para essa relação está faltando. No entanto, ele sugere que, enquanto “a palavra ‘vontade’ [‘Wille’]” indica aquilo que fundamenta a essência da alma de acordo com a tradição metafísica, a palavra “querer” (Wollen) indicaria “a execução dessa vontade” (GA77  :78). A questão mais profunda em jogo é, portanto, a vontade; pois “estamos sempre no escopo da vontade, mesmo quando não estamos querendo” (GA6T1  :N1 57/57). O não-querer genuíno envolveria uma negação radical, não apenas do “querer”, mas da própria “vontade” hipostasiada; “Nicht-Wollen [em última análise] fala então”. Heidegger escreve: “Nicht-Wille” (GA77  :79).

E, no entanto, prefiro usar o termo quase-verbal “não-querer”, em vez de “não-vontade”; pois o comportamento de não-querer não seria uma faculdade do sujeito nem um fundamento metafísico substancial, mas sim uma maneira de se comportar fundamentalmente, de ser (verbal) fundamentalmente a-tunado, de ser-no-mundo de uma maneira diferente de querer. Recusando-se a reificar o “não-querer” em um substantivo, reconhecemos o fato de que, para pensar na possibilidade do não-querer, devemos questionar a própria gramática na qual pensamos. Assim, para Heidegger, a questão de como pensar na forma de um “pensar [que] seria algo diferente de querer” (G 30/59) é inseparável da questão de como pensar a sintonia fundamental do não-querer. Em última análise, para pensar não-querer se requereria pensar involuntariamente (ver GA77  :67).

[DAVIS. Bret W.. Heidegger and the Will. On the Way to Gelassenheit . Evanston: Northwestern University Press, 2007]


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