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Not

terça-feira 4 de julho de 2023

Not  , distress, apremio, indigência, aflição, urgence, plight

A palavra alemã Not tem um campo semântico muito peculiar. Ela não significa apenas necessidade no sentido lógico do termo, mas abarca também as noções de indigência, penúria, carência. Como Heidegger pensa a necessidade existencial do ser-aí humano como advinda de sua pobreza ontológica, assim como da negatividade que atravessa tudo o que é, o próprio ser, é importante ter esse fato em vista. (N. T. GA65MAC:§5)


Toda necessidade [Notwendigkeit  ] enraíza-se em uma uma indigência [Not]. A filosofia como a primeira e mais extrema meditação [Besinnung  ] sobre a verdade do seer [Wahrheit des Seyns  ] e o seer da verdade [Seyn der Wahrheit  ] tem sua necessidade na indigência primeira e mais extrema.

Essa indigência é aquilo que impulsiona o homem [Menschen] de um lado para o outro no ente e que o traz pela primeira vez para diante do ente na totalidade [Ganzen] e para o meio do ente [Mitte   des Seienden  ], levando-o, assim, a si mesmo, e, com isto, deixando iniciar ou perecer respectivamente a história [Geschichte  ].

Esse elemento impulsionador é o caráter de jogado [Geworfenheit  ] do homem no ente, que o determina como o que joga o ser [Werfer des Seins] (a verdade do seer).

O jogador jogado [geworfene Werfer] leva a termo o primeiro lance, isto é, o lance [Wurf] fundador como projeto [Entwurf  ] (cf. A fundação, 203. O projeto e o ser-aí) do ente com vistas ao seer. No primeiro início [ersten Anfang  ], como o homem consegue se colocar pela primeira vez efetivamente diante do ente, o próprio projeto, seu modo de ser e sua necessidade e indigência ainda são obscuros, velados, e, apesar disto, poderosos: φύσις  ἀλήθεια   – εν – πᾶν  λόγος  νοῦς  πόλεμος   – μὴ ὄν   – δίκη – ἀδικία  .

A necessidade da filosofia consiste no fato de que ela não precisa afastar como meditação aquela indigência, mas suportá-la e fundamentá-la, transformá-la no fundamento da história do homem.

Aquela indigência é, contudo, diversa nos inícios e transições essenciais da história do homem. Nunca, porém, calculando externamente e de maneira míope, pode-se tomar a indigência como uma falha, como uma miséria e coisas do gênero. Ela se encontra para além de toda e qualquer valoração “pessimista” ou “otimista”. Sempre de acordo com a experiência [Erfahrung  ] inicial dessa indigência, ela é a tonalidade afetiva fundamental [Grundstimmimg] que afina para a necessidade.

[…]

A indigência como aquele elemento que impele de um lado para o outro aquilo que impõe pela primeira vez a decisão [Entscheidimg] e a cisão [Scheidung] do homem como um ente com ente e em meio a si e, uma vez mais, de volta a ele. Essa indigência pertence à verdade do seer mesmo. Da maneira mais originária, ela é indigência na coerção [Nötigung] para a necessidade das possibilidades extremas, por cujos caminhos o homem criando – fundando para além de si, retorna ao fundamento do ente. Onde essa indigência se eleva ao extremo, ela impõe o ser-aí [Da-sein  ] e sua fundação [Gründung  ] (cf. agora Semestre de inverno 37/38, p. 18 e segs) [1].

A indigência, aquele elemento que impele de um lado para o outro, essenciante [Wesende  ] – o que aconteceria se a verdade do seer mesmo fosse, o que aconteceria se, com a fundação originária da verdade, se tornasse ao mesmo tempo mais essenciante o seer – como acontecimento apropriador [Ereignis  ]? E se as coisas se derem assim e a indigência for mais compelidora, se ela impelir mais de um lado para o outro, mas o impulso [Umtrieb] for nessa violência [Heftigkeit] apenas aquela contenda, que teria na desmedida [Übermaß] da intimidade [Innigkeit  ] do ente e do seer seu fundamento que se recusa?. (GA65  :§17; GA65MAC)


VIDE: Not

die Not

Há uma ambiguidade constitutiva do termo Not em alemão, que se perde nor-malmente na tradução. Not significa em alemão tanto necessidade quanto indigencia e penúria. Heidegger vale-se dessa ambiguidade para pensar a necessidade de um espaço de abertura (mundo) para que o ser-aí humano possa superar a indigência e a penúria de sua constituição, ou seja, para que ele possa dirimir, ainda que apenas parcialmente, a incompletude e a indeterminação originária de seu ser. Em outras palavras, é porque o ser-aí humano é para Heidegger indigente, que ele necessita de uma fundação histórica de um mundo [N.T.]. [Casanova  ; GA66MAC  :15]

Observações

[1Preleção do semestre de inverno de 1937/38, Questões fundamentais da filosofia. “Problemas” seletos da lógica (Obra completa vol. 45, p. 67 e segs). Edição brasileira pela Martins Fontes, tradução de Marco Antonio Casanova, São Paulo 2014.