Partamos, pois, do conceito cosmológico de mundo dado por Kant . Esse conceito diz respeito à totalidade do ente por si subsistente [Totalität des Vorhandenen], à totalidade da natureza em sentido maximamente amplo. Nesse contexto, a totalidade da constituição do ser da natureza [Totalität der Seinsverfassung der Natur] é o correlato da experiência finita e, com efeito, da experiência teórico-científica, ou, indo além, do conhecimento físico-matemático. O fato de o questionamento kantiano dirigir-se para um estreitamento do conceito de mundo mostra-se na diferenciação que Kant faz entre um conceito mais restrito e um conceito mais amplo de mundo. O conceito mais restrito designa o todo matemático do que há de grande e pequeno no mundo, ou seja, a infinitude duplamente dirigida para o infinitamente grande e para o infinitamente pequeno, isto é, uma ideia especificamente matemática, quantitativa.
É certo que o conceito existenciário de mundo dado por Kant não é, de maneira alguma, elaborado e problematizado filosoficamente. Todavia, ele aponta na direção de um problema, pois justamente o todo do que Kant denomina o jogo da vida [Spiel des Lebens] possui, [328] manifestamente em sua constituição ontológica, um caráter totalmente diverso do caráter desse ente que é a “natureza” — mas ainda não é suficiente. Como vimos anteriormente, o ser-aí histórico e fático dos homens entre si e dos homens uns com os outros é sempre necessariamente mais do que um ser junto ao ente por si subsistente, pois também envolve um ser junto às coisas de uso. Em outras palavras: na medida em que o ser-aí, segundo a sua própria essência e origem, é um ser com os outros em meio ao ser junto ao ente por si subsistente, e tudo isso enquanto um si-mesmo, o todo da constituição ontológica desse ente assim manifesto na totalidade é, por princípio, mais rico e mais originário do que se pensou no conceito cosmológico de mundo, elaborado por Kant e do que ao menos se indica em seu conceito antropológico de mundo.
Por conseguinte, se tomarmos de maneira suficientemente originária e ampla aquilo que, embora não tenha sido concebido, sempre foi compreendido no ser-aí em relação ao ser, e se designarmos como mundo o todo desse ser compreendido, então já teremos ido, por princípio, além do conceito kantiano de mundo; e, com efeito, não apenas no sentido de uma mera ampliação e complementação dos âmbitos ontológicos. Mundo é o todo da constituição ontológica [Ganze der Seinsverfassung]. Ele não é apenas o todo da natureza, da convivência histórica, do próprio ser-si-mesmo e das coisas de uso. Ao contrário, ele é a totalidade específica da multiplicidade ontológica que é compreendida de maneira una no ser-com os outros [Mitsein mit Anderen], no ser junto a [Sein bei] e no ser-si-mesmo [Selbstsein]. No entanto, o problema é precisamente a totalidade de um tal todo orientado essencialmente para o ser-aí; tal totalidade não é conquistada pelo fato de colocarmos ao lado da ontologia kantiana da natureza em sentido maximamente amplo uma ontologia do ser-aí histórico, das coisas de uso ou da subjetividade. Se partirmos desse pressuposto, já não haverá esperança alguma de alcançarmos o problema essencial. O que precisa ser determinado é a totalidade específica de todo o ser que sempre é, a cada vez, compreendido no ser-aí, a organização interna [329] dessa totalidade ontológica que não podemos tomar a partir de ontologias formadas, como se fora uma espécie de empilhamento e de justaposição de regiões [1].