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GA25:24-29 – objetificação

sábado 9 de novembro de 2024, por Cardoso de Castro

Em nosso uso diário das coisas, podemos nos direcionar adequada e explicitamente a elas, por exemplo, quando elaboramos reflexivamente os critérios mais adequados à situação. Mas, mesmo quando paramos, por assim dizer, em nossa ação e examinamos a situação, essa consideração ainda não é um comportamento teorético-científico, não é um simples olhar, uma simples consideração, mas permanece completamente presa à atitude de usar…, de lidar com…, é apenas uma pré-vidência, um “reconhecer-se nela” antecipado. Da mesma forma, nosso comportamento ainda não se torna científico simplesmente porque nos distanciamos de todo comportamento prático, ou melhor, técnico, em relação ao ente, e permanecemos em um modo meramente contemplativo ao ser-à-mão [Zuhandenheit]. A suspensão do comércio técnico, em outras palavras, a falta de algo, não significa o surgimento positivo de uma nova atitude, e menos ainda de uma atitude científica. A falta de práxis — de comércio técnico com as coisas — é tão pouco característica da ciência que a própria ciência, ao contrário, exige e inclui dispositivos e usos técnicos. Isso é claramente demonstrado pela instalação de qualquer sistema experimental em física, e também anunciado por trabalhos editoriais, pesquisas filológicas ou escavações em arqueologia e história da arte. Quanto ao comportamento simplesmente contemplativo, ele é tão pouco em si mesmo um comportamento teorético. Qual é, então, a determinação essencial, adequada e positiva do comportamento científico se a falta de práxis e a permanência puramente contemplativa perto do ente não são suficientes [26] para caracterizar a ciência em sua essência? Mais precisamente: o que caracteriza a mudança do comportamento pré-científico para o científico?

Ambos são conhecimentos no sentido de uma revelação do ser previamente velado, uma descoberta do ser previamente coberto, a abertura (Erschliessen) do ser previamente fechado. Mas o conhecimento científico é caracterizado pelo fato de que o Dasein existente estabelece para si mesmo a tarefa livremente escolhida de desvelar para o desvelar do ente que anteriormente já estava acessível de uma forma ou de outra. A livre apreensão da possibilidade de tal desvelamento — como uma tarefa para a existência — é ela mesma, como uma apreensão do desvelamento do ser em si mesmo, uma decisão de vincular-se livremente ao ser a ser desvelado como tal. Por meio dessa escolha de tarefa, é o próprio ser, no que ele é e no modo em que ele é, que é livremente adotado como a instância única que doravante regulará o comportamento investigativo. Como resultado, todos os propósitos que governavam o uso do ser revelado e conhecido desaparecem, assim como os limites que restringem a pesquisa realizada com uma intenção técnica planejada — a luta tem como única aposta o ser em si e visa apenas arrancá-lo de sua retirada e, assim, restaurar-lhe precisamente o seu direito próprio, ou seja, deixá-lo ser o ser que ele é em si mesmo.

Perguntamos: qual é o momento estrutural essencial que permite que esse comportamento — desvelar o ser apenas para alcançar o ser em seu desvelamento — se constitua? Qual é o ato fundamental que transforma o comportamento pré-científico em comportamento científico?

Chamamos o ato pelo qual o comportamento científico é constituído como tal de objetificação. O que significa objetificação e qual é a condição fundamental para sua realização?

[27] Objetificação significa transformar algo em um objeto. Somente aquilo que já é pode se tornar um objeto. Mas, para ser o que é e como é, um ente não precisa necessariamente se tornar um objeto. “O ente se torna objeto” não significa que o ente só chega ao seu ser dessa forma, mas que ele deve, a partir de então, entrar em questão para o questionamento consciente como o ente que já era. Tendo entrado em questão no que é, no modo como é, em sua proveniência, o ente enfrenta (steht entgegen) o questionamento revelador.

Como tal, a objetificação impõe a tarefa de trazer à luz (aufweisen), ou seja, de determinar em si mesmo o ente que se opõe a si mesmo nesse encontro. Mas toda determinação é uma distinção, uma delimitação e, simultaneamente, uma manifestação da coaparência de determinacidades. Nesse desvelamento, o ente é [47] circunscrito, abraçado, compreendido pelas determinacidades. No entanto, os conceitos que emergem desse desvelamento do ente precisam, a cada vez, que seu conteúdo seja atestado e confirmado em contato com o próprio ente que visam e do qual foram extraídos. Muitos domínios diferentes do ente podem se tornar objeto de pesquisa científica. Dependendo do que o ente é em cada caso, de acordo com seu conteúdo real (Sachhaltigkeit) [1], o acesso a ele, sua exploração e, correlativamente, a conceitualidade e o tipo de prova que podem ser aplicados a ele são diversificados. Não é possível examinar essas variadas possibilidades de objetificação aqui. Permaneçamos atentos apenas ao ato fundamental da objetificação em si e perguntemos: qual é a condição fundamental de sua realização e o que a objetificação “faz” primordialmente?

O comportamento em relação ao ente, como vimos, só é possível com base na iluminação e orientação prévias que lhe são dadas pela compreensão do ser; e essa compreensão, como também dissemos, não é como tal uma concepção deste ser, em si mesma não tem necessidade de se tornar consciente como o comportamento que é em relação ao ente. Todo acesso ao ente, todo comércio com ele, revela-o com base em uma compreensão do ser que permanece, antes de tudo, pré-ontológica. Nas ciências, no entanto, o ente deve, a partir de agora [28], tornar-se o objeto próprio da revelação e da determinação da revelação. Trazer à luz o ente como ente torna-se a tarefa adequada e única. A realização dessa tarefa dependerá, portanto, primariamente da realização da condição fundamental que governa qualquer desvelamento do ente, a saber, a realização da compreensão do ser. Aqui, nas ciências em que o ente como tal se torna um objeto, há claramente a necessidade de uma elaboração expressa da compreensão do ser. Em outras palavras, a essência do objeto é a essência do ser. Em outras palavras, a essência da objetificação está na realização expressa dessa compreensão do ser, onde a constituição fundamental do ente a ser objetivado se torna compreensível. A ciência histórica, por exemplo, a fim de objetivar o ente como história, precisa compreender expressamente o que pertence à história como tal; da mesma forma, toda problematização e pesquisa biológica repousa necessariamente na base de uma compreensão da vida, do organismo e assim por diante. Quanto mais expressa e originalmente essa compreensão for elaborada, mais adequadamente o ente tomado como objeto por cada uma das ciências poderá ser revelado.

A gênese de uma ciência é realizada na objetificação de um domínio do ente, o que significa a elaboração da [48] constituição do ser do ente em questão. É na elaboração dessa compreensão do ser que surgem os conceitos que delimitam o que caracteriza — por exemplo — a verdade histórica como tal, o ente como vivente, ou seja, os conceitos fundamentais da ciência em questão. A elaboração dos conceitos fundamentais delimita, em cada caso, o fundamento e a base da ciência em questão, bem como seu domínio. O que é assim definido como um domínio pela objetificação pode agora se tornar um tema, e o contexto objetivo pode ser questionado de diferentes pontos de vista e estabelecido como um objeto de pesquisa [29]. Na objetificação em geral, então, a tematização é sempre construída [2]

A elaboração da objetificação do domínio, ou seja, a elaboração da compreensão do ser e a conquista dos conceitos fundamentais, é inicialmente e na maioria das vezes realizada de forma ingênua, sem qualquer conhecimento explícito do que é então realizado. Mas que o processo essencial da gênese de uma ciência reside na objetificação, e que este processo não é outra coisa senão a elaboração da compreensão da constituição do ser do ente que se tornará o tema, é o que é inequivocamente atestado na gênese da física matemática moderna. Uma vez que, aos olhos de Kant  , a física matemática é, e tem permanecido desde então, o protótipo da ciência em geral, precisamos mencioná-la brevemente aqui.


Ver online : Phänomenologie Interpretation von Kants Kritik der reinen Vernunft [GA25]


HEIDEGGER, Martin. Interprétation phénoménologique de la « Critique de la raison pure » de Kant. Tr. Emmanuel Martineau. Paris: Gallimard, 1982.


[1Seu conteúdo essencial de res, seu “tipo de ser”; cf. nossa advertência. (Nota do editor)

[2NT: Cf. Sein und Zeit, § 69b.