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Figal (2005:219-221) – responsabilidade
quarta-feira 19 de maio de 2021
O próprio Heidegger não utiliza o termo “responsabilidade” no contexto atual [da culpa, Ser e Tempo §58]; e, mesmo em ST, só o utiliza uma vez, a saber, em meio à análise do impessoal (ST, 127). Exatamente isso, contudo, justifica interpretar o “ser-fundamento de…” como responsabilidade. A exortação inerente ao clamor da consciência [Stimme des Gewissens] pode ser compreendida como exortação à responsabilidade e pode tornar claro em que medida essa exortação precisa ser concebida como um silenciar. Antes, porém, é necessário clarificar como deve ser empregado aqui o termo “responsabilidade”. Correntemente, denomina-se alguém responsável quando se supõe que ele podería ter agido de maneira diversa. Desse conceito “amplo” de responsabilidade também se pode diferenciar então um mais “restrito”, de acordo com o qual “alguém age ou vive responsavelmente quando pode prestar derradeiramente contas de seu agir, isto é, quando pode fundamentá-lo até o ponto em que é fundamentável e quando assume sobre si o resto” [1]. O que interessa aqui inicialmente é apenas o conceito amplo de responsabilidade, pois esse já é por demais restrito se se quer interpretar o conceito heideggeriano formal de ser culpado como um conceito de responsabilidade. Em sintonia com Heidegger, precisar-se-á dizer que também se pode considerar alguém como responsável quando a culpa em questão não é passível de ser reconduzida a seu comportamento. Também é possível se tornar responsável pelo comportamento dos outros e assumir essa responsabilidade ou se sentir responsável, sem que uma determinada requisição tenha lugar, se não se estava envolvido nesse comportamento e tampouco se tinha feito algo para possibilitar ou favorecer esse comportamento. Um simples exemplo disso é a possibilidade de quitar dívidas financeiras de um outro; um exemplo mais complexo é a assunção de uma responsabilidade por uma política da qual não se tinha tomado parte por razões de idade. Se as coisas se mostram assim, então o conceito de responsabilidade [220] não pode mais ser desenvolvido a partir de um recurso à consciência de alternativas de ação. Onde se procede assim, pensa-se a partir da perspectiva de uma pessoa que tem de formar para si um juízo sobre os outros e seu comportamento. Todavia, não se desconsidera aí apenas que o direito, que oferece para tanto um paradigma, é em verdade um contexto importante, mas de qualquer modo apenas um contexto, no qual culpa e responsabilidade desempenham um papel. Desconsidera-se além disso que, onde o que está em jogo é responsabilidade, somente em muito poucos casos se tem diante do outro a posição de um observador desinteressado que precisaria primeiramente decidir-se acerca de se o outro é responsável ou não. Na maioria das vezes, nos tomamos por capazes de assumir uma responsabilidade quando respondemos mutuamente a uma responsabilidade. Isso não significa que não estamos prontos para aceitar eventuais desculpas. Ao contrário, somente alguém que pode ser fundamentalmente responsável e como tal é tratado chega até à situação de se desculpar ou de comprovar a sua inocência e também estar em condições disso eventualmente: “desculpar-se” e “comprovar sua inocência” são ações discursivas que pertencem ao campo jogo da palavra “responsabilidade”. Se se diz apenas isso, então ainda não se diz certamente o suficiente, pois até aqui ainda não está claro o que em geral significa ser responsável. Essa pergunta só pode ser respondida a partir da perspectiva da primeira pessoa, pois chamar alguém à responsabilidade significa tê-lo apreendido como co-ser-aí e, com isso, já como “alguém igual a mim”. Isso pressupõe, contudo, que nós mesmos saibamos o que é responsabilidade. Se se chama alguém à responsabilidade, então isso nunca está além disso livre do perigo de uma ilusão. Não se pode saber se isso que o outro diz não é dito para corresponder a determinadas expectativas, e também não se pode estar seguro de até que ponto nós mesmos estamos livres da expectativa de querer ver o outro como “esse determinado”. Esse perigo não subsiste apenas se se experimenta a si mesmo como responsável e se, em meio a essa responsabilidade, se está em condições de liberar o outro de um tal modo que essa liberação também seja experimentada. O que isso significa é algo que certamente ainda não está claro. De início, o que está em questão é atentar para o fato de que a responsabilidade só pode ser esperada pelos outros de maneira fidedigna se nós mesmos também estivermos prontos a assumir responsabilidade; isso pressupõe uma vez mais que nós mesmos façamos a experiência de responsabilidade. Depois de tudo o que foi dito até aqui fica claro que, em sintonia com Heidegger, é preciso compreender a experiência da responsabilidade como a escuta ao clamor da consciência. Não obstante, a escuta ao clamor da consciência parece ser incompatível com a culpa, tal como ela foi interpretada até aqui. Se “ser-culpado” significa: “Ser-fundamento de uma falta [221] no ser-aí de um outro”, então isso implica que já sempre foram proferidas pelos outros determinadas expectativas, e, porquanto são essas as expectativas às quais nunca se corresponde ou contra as quais nos chocamos, a experiência da culpa parece ser apenas uma experiência do “impessoal”: nunca somos capazes de empreender o que “se” espera ou sempre nos chocamos contra o que “se” toma por correto. Isso é seguramente incontestável. Igualmente incontestável, porém, é a incompatibilidade da experiência da culpa com o prosseguimento irrefletido do falatório. Quem se sente culpado não estará em condições nem de expor expectativas para outros, nem de ter à mão imediatamente explicações correntes para a falta no ser-aí do outro que se encontra em questão, assim como para o próprio comportamento ou para o comportamento desse em relação ao qual se assume responsabilidade. No que diz respeito ao primeiro caso, ele já se acha isolado no contexto das expectativas mútuas por não corresponder a uma tal expectativa ou por responder pelo comportamento culpado de outros. E no que diz respeito ao segundo caso, o recurso irrefletido a explicações correntes fornece justamente um ponto de sustentação para que alguém não se sinta aí culpado ou esteja aí apto a dissimular sua culpa. A partir desse ponto, também fica claro agora em que medida o clamor da consciência ocorre sob o modo do silenciar e apenas desse modo pode ocorrer: o que Heidegger denomina o clamor da consciência é aquela interrupção do discurso que é experimentada como incapacidade de se agarrar a explicações e aquietações correntes; quem se sente culpado não está, ao menos inicialmente, em condições de dizer mais nada. [FIGAL , Günter. Martin Heidegger: Fenomenologia da Liberdade. Tr. Marco Antonio Casanova . Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 219-221]
Ver online : Günter Figal
[1] Tugendhat (1979), p. 295.