Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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existenciário

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

existenziell  

3. Mundo pode ser novamente entendido em sentido ôntico [ontisch  ]. Nesse caso, é o contexto "em que" uma presença [Dasein  ] fática "vive" como presença [Dasein], e não o ente que a presença [Dasein] em sua essência não é, mas que pode vir ao seu encontro dentro do mundo. Mundo possui aqui um significado [Bedeutung  ] pré-ontologicamente EXISTENCIÁRIO [existenziell]. Deste sentido, resultam diversas possibilidades: mundo ora indica o mundo "público [Öffentlichkeit  ]" do nós, ora o mundo circundante [Umwelt  ] mais próximo (doméstico) e "próprio [eigentlich  ]". STMSCC: §14

Do ponto de vista EXISTENCIÁRIO [existenziell], sem dúvida, a propriedade [Eigentlichkeit] do ser-si-mesmo [Selbstsein  ] acha-se na decadência [Verfallen  ], obstruído e fechado. Esse fechamento, no entanto, é apenas privação de uma abertura que se revela fenomenalmente dado que a fuga [Flucht  ] da presença [Dasein] é fuga [Flucht] de si mesma. É justamente daquilo de que foge que a presença [Dasein] corre "atrás". Somente na medida em que, através de sua abertura constitutiva, a presença [Dasein] se coloca essencialmente diante de si mesma é que ela pode fugir de si mesma. Decerto, tanto no desviar-se como no aviar-se, próprios da decadência [Verfallen], não se apreende aquilo de que se foge e nem se faz a sua experiência. No entanto, no desvio de si mesma, descortina-se o "pre [das Da  ]" da presença [Dasein]. Em razão de seu caráter de abertura, o desvio ôntico-EXISTENCIÁRIO propicia fenomenalmente a possibilidade [Möglichkeit  ] de se apreender aquilo de que se foge como tal, de forma ontológico-existencial. Em meio a esse movimento ôntico [ontisch] de "para longe de", inerente ao desvio, pode-se compreender e conceituar aquilo de que se foge, "aviando-se" para uma interpretação fenomenológica. STMSCC: §40

De fato, na maior parte das vezes, a disposição da estranheza [Unheimlichkeit  ] também permanece incompreendida do ponto de vista EXISTENCIÁRIO [existenziell]. Em vista do predomínio da decadência [Verfallen] e do público [Öffentlichkeit], é rara a angústia [Angst  ] "propriamente dita". Com frequência, a angústia [Angst] é condicionada "fisiologicamente". Em sua facticidade [Faktizität  ], esse fato é um problema ontológico e não apenas no que respeita à sua causalidade e [256] processamento ônticos. O irromper fisiológico da angústia [Angst] só é possível porque a presença [Dasein], no fundo de seu ser, se angustia. STMSCC: §40

Ainda mais raras do que o fato EXISTENCIÁRIO [existenziell] da angústia [Angst] propriamente dita são as tentativas de interpretação desse fenômeno [Phänomen  ] em sua constituição e função ontológico-existencial. As razões disso residem, em parte, no desprezo pela análise existencial da presença [Dasein] em geral e, em particular, na desconsideração do fenômeno [Phänomen] da disposição. No entanto, que o fenômeno [Phänomen] da angústia [Angst] mostre-se raro, isso não é capaz de retirar a inclinação de assumir uma função metodológica de princípio para a analítica existencial. Ao contrário, a raridade do fenômeno [Phänomen] é um indício de que, em sua propriedade [Eigentlichkeit], a presença [Dasein] permanece encoberta para si mesma em vista da interpretação pública do impessoal [das Man  ] e que, nessa disposição fundamental, abre-se para um sentido originário. STMSCC: §40

Desse modo, é urgente a tarefa de se colocar a presença [Dasein] como um todo em sua posição prévia [Vorhabe  ]. Isto significa, porém: desenvolver, ao menos uma vez, a questão [Fragen  ] do poder-ser [Seinkönnen  ] desse ente como um todo. Na presença [Dasein], enquanto ela é, sempre se acha algo pendente, que ela pode ser e será. A esse pendente pertence o próprio [eigentlich] "fim". O "fim" do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein  ] é a morte [Tod  ]. Esse fim, que pertence ao poder-ser [Seinkönnen], isto é, à existência [Existenz  ], limita e determina a totalidade cada vez possível da a presença [Dasein]. Mas o estar-no-fim [NH: "ser"-para-o-fim] da presença [Dasein] na morte [Tod] e, com isso, o ser desse ente como um todo, só poderá ser introduzido, de modo fenomenalmente adequado, na discussão da possibilidade [Möglichkeit] de seu possível ser todo, caso se tenha conquistado um conceito ontológico suficiente, ou seja, existencial da morte [Tod]. De acordo com o modo [NH: pensado de acordo com o modo de ser [Seinsart  ] da presença [Dasein]] de ser da presença [Dasein], a morte [Tod] [NH: ser do não ser] só é num ser-para-a-morte [Sein   zum Tode] EXISTENCIÁRIO [existenziell]. A estrutura existencial desse ser evidencia-se na constituição ontológica de seu poder-ser [Seinkönnen] todo. Toda a presença [Dasein] existente deixa-se, assim, trazer para a posição prévia [Vorhabe] existencial. Mas será que a presença [Dasein] também pode existir toda ela de modo próprio [eigentlich]? Como se deve, então, determinar a propriedade [Eigentlichkeit] da existência [Existenz] senão na perspectiva do existir de modo próprio [eigentlich]? E de onde retirar o seu critério? Manifestamente, a própria presença [Dasein] deve propiciar antecipadamente em seu ser a possibilidade [Möglichkeit] e a maneira de sua existência [Existenz] própria, uma vez que estas não lhe podem ser impostas, onticamente, e nem encontradas, ontologicamente, por acaso. O testemunho de um poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich] é fornecido pela consciência . Assim como a morte [Tod], esse fenômeno [Phänomen] da presença [Dasein] exige uma interpretação existencial genuína. Esta leva à compreensão de que um poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich] da presença [Dasein] reside no querer-ter-consciência [Gewissen  -haben-wollen  ]. Segundo seu sentido ontológico, porém, essa possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell] tende para uma determinação EXISTENCIÁRIA [existenziell] no ser-para-a-morte [Sein zum   Tode]. STMSCC: §45

Antes de se anular o problema da totalidade da presença [Dasein], devem buscar-se as respostas reclamadas por essas questões. A questão [Fragen] sobre a totalidade da presença [Dasein] que, do ponto de vista EXISTENCIÁRIO [existenziell], [310] emerge como a questão [Fragen] da possibilidade [Möglichkeit] dela poder-ser-toda e, do ponto de vista existencial, como a questão [Fragen] da constituição de ser de "fim" e "totalidade", abriga a tarefa de uma análise positiva dos fenômenos da existência [Existenz] até aqui postergados. No centro dessas considerações acha-se a caracterização ontológica do ser-para-o-fim [Sein zum Ende  ] em sentido próprio [eigentlich] da presença [Dasein] e a conquista de um conceito existencial da morte [Tod]. As investigações referidas a essas questões articulam-se da seguinte maneira: a possibilidade [Möglichkeit] de se experimentar a morte [Tod] dos outros e de se apreender toda a presença [Dasein] (§47); o pendente, o fim e a totalidade (§48); a delimitação da análise existencial da morte [Tod] frente a outras interpretações possíveis do fenômeno [Phänomen] (§49); prelineamento da estrutura ontológico-existencial da morte [Tod] (§50); o ser-para-a-morte [Sein zum Tode] e a cotidianidade [Alltäglichkeit  ] da presença [Dasein] (§51); o ser-para-o-fim [Sein zum Ende] cotidiano [alltäglich] e o pleno   conceito existencial da morte [Tod] (§52); o projeto [Entwurf  ] existencial de um ser-para-a-morte [Sein zum Tode] em sentido próprio [eigentlich] (§53). STMSCC: §46

A análise ontológica do ser-para-o-fim [Sein zum Ende], por outro lado, não concebe previamente nenhum posicionamento EXISTENCIÁRIO [existenziell] frente à morte [Tod]. Caso se determine a morte [Tod] como "fim" da presença [Dasein], isto é, do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], ainda não se poderá decidir onticamente se, "depois da morte [Tod]" um outro modo de ser [Seinsart], seja superior ou inferior, é ainda possível, se a presença [Dasein] "continua vivendo" ou ainda se ela é "imortal", sobrevivendo a si mesma. Também nada se poderá decidir onticamente a respeito do "outro mundo" e de sua possibilidade [Möglichkeit] e nem tampouco sobre "este mundo", no sentido de se propor normas e regras "edificantes" de comportamento frente à morte [Tod]. Interpretando-se o fenômeno [Phänomen] meramente como algo que se instala na presença [Dasein] enquanto possibilidade [Möglichkeit] ontológica de cada presença [Dasein] singular, a análise da morte [Tod] permanecerá inteiramente "neste mundo". A questão [Fragen] sobre o que há depois da morte [Tod] apenas terá sentido, razão e segurança metodológica caso se conceba a morte [Tod] em toda sua essência ontológica. Aqui não se poderá tampouco decidir se essa questão [Fragen] apresenta uma questão [Fragen] teórica possível. A interpretação ontológica da morte [Tod] ligada a este mundo precede toda especulação ôntica [ontisch] referida ao outro mundo. STMSCC: §49

Pertencendo originária e essencialmente ao ser da presença [Dasein], o ser-para-a-morte [Sein zum Tode] deve também ser comprovado na cotidianidade [Alltäglichkeit] embora numa primeira aproximação, de maneira imprópria. E caso o ser-para-o-fim [Sein zum Ende] deva oferecer a possibilidade [Möglichkeit] existencial para um ser-todo EXISTENCIÁRIO [existenziell] da presença [Dasein], ter-se-ia então aí a confirmação fenomenal [phänomenal] da seguinte tese: cura [Sorge  ] designa, ontologicamente, a totalidade do todo estrutural da presença [Dasein]. A fim de legitimar fenomenalmente [327] essa proposição [Satz  ] não basta apenas um prelineamento do nexo [Zusammenhang  ] entre ser-para-a-morte [Sein zum Tode] e cura [Sorge]. A proposição [Satz] deve fazer- se visível, sobretudo na concreção mais imediata da presença [Dasein], a saber, em sua cotidianidade [Alltäglichkeit]. STMSCC: §50

Numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] se atém faticamente a um ser-para-a-morte [Sein zum Tode] impróprio [uneigentlich]. Como se haverá de caracterizar "objetivamente" a possibilidade [Möglichkeit] ontológica de um ser-para-a-morte [Sein zum Tode] em sentido próprio [eigentlich]? Sobretudo porque a presença [Dasein] finalmente jamais se comporta com propriedade [Eigentlichkeit] em relação [Beziehung  ] ao seu fim e porque, de acordo com seu sentido, o ser próprio [eigentlich] [336] com relação [Beziehung] ao fim deve sempre permanecer velado para os outros. O projeto [Entwurf] da possibilidade [Möglichkeit] existencial de um poder-ser [Seinkönnen] EXISTENCIÁRIO [existenziell] digno de questão [Fragen] não seria, pois, um empreendimento fantástico? O que se faz necessário para que tal projeto [Entwurf] ultrapasse uma construção meramente arbitrária e fictícia? Será que a própria presença [Dasein] propicia alguma indicação para esse projeto [Entwurf]? Podem extrair-se da própria presença [Dasein] fundamentos para a sua legitimidade fenomenal [phänomenal]? Será que a tarefa ontológica agora proposta pode retirar da análise feita da presença [Dasein] um esboço prévio, de modo a garantir pistas seguras para este seu propósito? STMSCC: §53

A possibilidade [Möglichkeit] mais própria e irremissível é insuperável. O ser para essa possibilidade [Möglichkeit] permite à presença [Dasein] compreender que a renúncia de si mesma lhe é impendente como a sua possibilidade [Möglichkeit] mais extrema. O antecipar não lhe permite, contudo, escapar da insuperabilidade enquanto ser-para-a-morte [Sein zum Tode] impróprio [uneigentlich], liberando-a, ao contrário, para a insuperabilidade. A liberação [Freigabe] antecipadora para a própria morte [Tod] liberta do perder-se nas possibilidades ocasionais, permitindo assim compreender e escolher em sentido próprio [eigentlich] as possibilidades fáticas que se antepõem às insuperáveis. O antecipar abre para a existência [Existenz] como possibilidade [Möglichkeit] mais extrema a tarefa de sua propriedade [Eigentlichkeit], rompendo assim todo e qualquer enrijecimento da existência [Existenz] já alcançada. Antecipando, a presença [Dasein] evita recuar para trás de si mesma e da compreensão de seu poder-ser [Seinkönnen], evitando "tornar-se velha demais para as suas vitórias" (Nietzsche  ). Livre para as possibilidades mais próprias, determinadas a partir do fim, ou seja, compreendidas como possibilidades finitas, a presença [Dasein] bane o perigo de, assentada em sua compreensão finita da existência [Existenz], não reconhecer ou mal-interpretar as possibilidades superáveis da existência [Existenz] dos outros, reconduzindo-as para as suas próprias a fim de endossar sua existência [Existenz] fática mais própria. Todavia, enquanto possibilidade [Möglichkeit] irremissível, a morte [Tod] singulariza somente a fim de tornar a presença [Dasein], enquanto possibilidade [Möglichkeit] insuperável, compreensiva para o poder-ser [Seinkönnen] dos outros, na condição de ser-com [Mitsein  ]. Porque o antecipar da possibilidade [Möglichkeit] insuperável inclui em si todas as possibilidades situadas à sua frente, nela reside a possibilidade [Möglichkeit] de se tomar previamente de modo EXISTENCIÁRIO [existenziell] toda a presença [Dasein], ou seja, a possibilidade [Möglichkeit] de existir como todo o poder-ser [Seinkönnen]. STMSCC: §53

Todas as remissões para o conteúdo integral da possibilidade [Möglichkeit] mais extrema da presença [Dasein], que pertencem ao ser-para-a-morte [Sein zum Tode], congregam-se para desvelar, desdobrar e consolidar o antecipar por ela constituída enquanto o que possibilita essa possibilidade [Möglichkeit]. Ao se delimitar no projeto [Entwurf] existencial o antecipar, tornou-se visível a possibilidade [Möglichkeit] [343] ontológica de um ser-para-a-morte [Sein zum Tode] em sentido próprio [eigentlich] e EXISTENCIÁRIO [existenziell]. Com isso, surge também a possibilidade [Möglichkeit] de a presença [Dasein] poder-ser [Seinkönnen] toda em sentido próprio [eigentlich], mas somente como uma possibilidade [Möglichkeit] ontológica. O projeto [Entwurf] existencial do antecipar deteve-se, na verdade [Wahrheit  ], nas estruturas da presença [Dasein] anteriormente conquistadas, permitindo que a própria presença [Dasein] se lançasse para essa possibilidade [Möglichkeit], sem imposição e pressão de um determinado "conteúdo" como ideal   de existência [Existenz]. Apesar disso, esse ser-para-a-morte [Sein zum Tode] existencialmente "possível" permaneceu, do ponto de vista EXISTENCIÁRIO [existenziell], uma suposição fantástica. A possibilidade [Möglichkeit] ontológica de a presença [Dasein] poder-ser [Seinkönnen] toda em sentido próprio [eigentlich] nada significa, porém, enquanto não se demonstrar, a partir da própria presença [Dasein], o poder-ser [Seinkönnen] ôntico [ontisch] que lhe corresponde. Será que, de fato, a presença [Dasein] sempre se lança num ser-para-a-morte [Sein zum Tode]? Será que ela exige um poder-ser [Seinkönnen] em sentido próprio [eigentlich], determinado pelo antecipar, somente com base em seu ser mais próprio [eigentlich]? STMSCC: §53

A fim de se apreender fenomenalmente o que se ouviu na compreensão do interpelar [anrufen  ] é preciso retornar, de forma renovada, à interpelação [Anruf]. A interpelação [Anruf] do impessoalmente-si-mesmo significa fazer apelo ao si-mesmo [Selbst] mais próprio [eigentlich] para assumir o seu poder-ser [Seinkönnen] e isso enquanto presença [Dasein], ou seja, enquanto ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] das ocupações e ser-com [Mitsein] os outros. A interpretação existencial daquilo para que o apelo faz apelo não pode pretender delimitar nenhuma possibilidade [Möglichkeit] concreta e singular de existência [Existenz], desde que suas possibilidades e tarefas metodológicas sejam devidamente compreendidas. Não se pode e nem se quer fixar no apelado o que sempre se dá, existenciariamente, em cada presença [Dasein], mas sim aquilo que pertence à condição existencial de possibilidade [Möglichkeit] do poder-ser [Seinkönnen] fático e EXISTENCIÁRIO [existenziell]. STMSCC: §58

Existindo, a presença [Dasein] é seu fundamento, ou seja, é de tal modo que ela se compreende a partir de possibilidades e, assim se compreendendo, é o ente lançado. Isso implica, no entanto, que: podendo-ser, ela está sempre numa ou noutra possibilidade [Möglichkeit], ela constantemente não é uma ou outra e, no projeto [Entwurf] EXISTENCIÁRIO [existenziell], recusa uma ou outra. Enquanto lançado, o projeto [Entwurf] não se determina apenas pelo nada de ser-fundamento. Enquanto projeto [Entwurf], ele é em si mesmo essencialmente um nada. Todavia, essa determinação não significa, de modo algum, a qualidade ôntica [ontisch] do que não tem "sucesso" ou "valor", mas um constitutivo existencial da estrutura ontológica do projetar-se. O nada mencionado pertence à presença [Dasein] enquanto o ser-livre para suas possibilidades existenciárias [existenziell]. A liberdade, porém, apenas se dá na escolha de uma possibilidade [Möglichkeit], ou seja, implica suportar não ter escolhido e não poder escolher outras. STMSCC: §58

Mas será que o "fato" de a voz vir depois exclui que, no fundo, é uma apelação? Que se apreenda a voz como aquilo que segue ao estímulo da consciência ainda não demonstra uma compreensão originária do fenômeno [Phänomen]. E se a culpabilização fática e originária fosse apenas ocasião para o apelo fático da consciência? E se a interpretação caracterizada da "má" consciência só estivesse a meio caminho? A posição ontológica prévia a que o fenômeno [Phänomen] é levado nesta interpretação esclarece que é assim. A voz é algo que emerge, que tem seu lugar na sequência de vivências simplesmente dadas e que sucede à vivência do ato. Mas nem o apelo, nem o ato e nem a culpa são ocorrências dotadas do caráter de um ser simplesmente dado [Vorhandenheit  ] que ocorre. O apelo possui o modo de ser [Seinsart] da cura [Sorge]. Nele, a presença [Dasein] "é e está" antecedendo-a-si-mesma, de tal modo que ela retorna, ao mesmo tempo, para o seu estar-lançado [Geworfenheit  ]. Somente partindo-se imediatamente da suposição de que a presença [Dasein] é uma sequência de nexos de vivências é que se pode considerar a voz como algo que vem depois, como alguma coisa posterior e, assim, necessariamente o que remonta para trás. A voz, sem dúvida, re-clama mas, ultrapassando o ato, reclama o ser e estar em dívida [Schuld  ] que, lançado, é "anterior" a toda e qualquer culpabilização. A reclamação, ao mesmo tempo, faz apelo ao ser e estar em dívida [Schuld] como algo a ser assumido na própria existência [Existenz] de tal modo que o ser-culpado propriamente EXISTENCIÁRIO [existenziell] "segue" o apelo e não o contrário. No fundo, [371] a má consciência é tão pouco uma mera censura retroativa que ela reclama, sobretudo, numa referência [Verweisung  ] antecipadora ao estar-lançado [Geworfenheit]. A sucessão de vivências que decorrem uma após a outra não apresenta a estrutura fenomenal [phänomenal] de existência [Existenz]. STMSCC: §59

Enquanto compreender-se no poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich], o querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen] é um modo de abertura da presença [Dasein]. Além do compreender, esta se constitui de disposição e fala. O compreender EXISTENCIÁRIO [existenziell] significa: projetar-se para a possibilidade [Möglichkeit] fática cada vez mais própria do poder-ser-no-mundo. Poder-ser, porém, só pode ser compreendido em existindo nessa possibilidade [Möglichkeit]. STMSCC: §60

Projetou-se existencialmente um poder-ser [Seinkönnen] todo em sentido próprio [eigentlich] da presença [Dasein]. A análise e interpretação do fenômeno [Phänomen] desvelou o ser-para-a-morte [Sein zum Tode] próprio [eigentlich] como antecipar. Em seu testemunho EXISTENCIÁRIO [existenziell], o poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich] da presença [Dasein] mostrou-se na decisão [Entschlossenheit  ], tendo sido, ao mesmo tempo, interpretado existencialmente. Como se devem conjugar ambos os fenômenos? O projeto [Entwurf] ontológico do poder-ser [Seinkönnen] todo em sentido próprio [eigentlich] não levou a uma dimensão da presença [Dasein] muito distante do fenômeno [Phänomen] da decisão [Entschlossenheit]? O que a morte [Tod] tem em comum com a "situação concreta" da ação [Handeln  ]? Será que a tentativa de forçar a união entre decisão [Entschlossenheit] e antecipação não leva a uma construção insuportável, de todo não fenomenológica, que nem é capaz de reivindicar o caráter de um projeto [Entwurf] ontológico com base fenomenal [phänomenal]? STMSCC: §61

É comprovando-se que, no fundo, todas as estruturas fundamentais da presença [Dasein] até aqui expostas devem ser concebidas "temporalmente" e como modos da temporalização da temporalidade [Zeitlichkeit  ] em sua possível totalidade, unidade e desdobramento, que se pode assegurar o fenômeno [Phänomen] originário da temporalidade [Zeitlichkeit]. Com a liberação [Freigabe] da temporalidade [Zeitlichkeit], emerge para a analítica existencial a tarefa de retomar a análise já realizada da presença [Dasein] no sentido de uma interpretação das estruturas essenciais em sua temporalidade [Zeitlichkeit]. As linhas-mestras das análises assim exigidas são traçadas pela própria temporalidade [Zeitlichkeit]. O presente capítulo obedece à seguinte divisão: o poder-ser [Seinkönnen] todo, em sentido EXISTENCIÁRIO [existenziell] e próprio [eigentlich], da presença [Dasein] enquanto decisão [Entschlossenheit] antecipadora (§62); a situação hermenêutica adquirida para uma interpretação do sentido ontológico da cura [Sorge] e o caráter metodológico da analítica existencial (§63); cura [Sorge] e si-mesmo [Selbst] (§64); a temporalidade [Zeitlichkeit] como sentido ontológico da cura [Sorge] (§65); a temporalidade [Zeitlichkeit] da presença [Dasein] e as tarefas daí decorrentes de uma retomada [Wiederholung  ] mais originária da análise existencial (§66). STMSCC: §61

§62. O poder-ser [Seinkönnen] todo, em sentido EXISTENCIÁRIO [existenziell] e próprio [eigentlich], da presença [Dasein] enquanto decisão [Entschlossenheit] antecipadora STMSCC: §62

Caracterizou-se a decisão [Entschlossenheit] como o projetar-se silencioso e pronto a angustiar-se para o ser e estar em dívida [Schuld] mais próprio [eigentlich]. Este pertence ao ser da presença [Dasein] e significa o ser-fundamento nulo de um nada. A "dívida [Schuld]" inerente ao ser da presença [Dasein] não admite aumento e nem diminuição. Pois se acha antes de qualquer quantificação, caso esta possua de todo algum sentido. Essencialmente em dívida [Schuld], a presença [Dasein] não pode de vez em quando estar em dívida [Schuld] e depois não mais. O querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen] decide-se por esse ser e estar em dívida [Schuld]. No sentido próprio [eigentlich] da decisão [Entschlossenheit] reside o projetar-se para esse ser e estar em dívida [Schuld] que a presença [Dasein] é enquanto é. O assumir EXISTENCIÁRIO [existenziell] dessa "dívida [Schuld]" na decisão [Entschlossenheit] só se realiza propriamente caso a decisão [Entschlossenheit] se torne, em sua abertura, tão transparente [durchsichtig] que compreenda o ser e estar em dívida [Schuld] como algo constante. Esse compreender, porém, só é possível porque a presença [Dasein] abre para si o poder-ser [Seinkönnen] "até o fim". Mas ser e estar-no-fim da presença [Dasein] diz, existencialmente, ser-para-o-fim [Sein zum Ende]. A decisão [Entschlossenheit] só se torna propriamente aquilo que ela pode ser como ser-para-o-fim [Sein zum Ende] que compreende, isto é, como antecipar da morte [Tod]. A decisão [Entschlossenheit] não "possui" meramente um nexo [Zusammenhang] com o antecipar no sentido de ser algo diferente dela. Ela abriga em si o ser-para-a-morte [Sein zum Tode] enquanto modalidade existenciariamente possível de sua própria propriedade [Eigentlichkeit]. Cabe, pois, esclarecer, fenomenalmente, esse "nexo [Zusammenhang]". STMSCC: §62

Mesmo imposta metodologicamente, será que a "violência" do dado prévio das possibilidades da existência [Existenz] consegue escapar da arbitrariedade? Mas se, enquanto poder-ser [Seinkönnen] propriamente EXISTENCIÁRIO [existenziell], a analítica está à base da decisão [Entschlossenheit] antecipadora cuja possibilidade [Möglichkeit] é interpelada pela própria presença [Dasein] e isso com base em sua a existência [Existenz], será então essa possibilidade [Möglichkeit] arbitrária [NH: isso não; entretanto, "não arbitrário" ainda não significa necessário e constringente]? Será casual a concepção do modo de ser [Seinsart] em que o poder-ser [Seinkönnen] da presença [Dasein] se comporta frente à sua possibilidade [Möglichkeit] mais privilegiada, a morte [Tod]? Terá o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] uma instância de seu poder-ser [Seinkönnen] ainda mais elevada do que a morte [Tod]? STMSCC: §63

A unidade dos momentos constitutivos da cura [Sorge], existencialidade [Existenzialität] [NH: existência [Existenz]: 1) para todo o ser da presença [Dasein]; 2) somente para o "compreender"], facticidade [Faktizität] e decadência [Verfallen], possibilitou uma primeira delimitação ontológica da totalidade do todo estrutural da presença [Dasein]. A estrutura da cura [Sorge] chegou à seguinte fórmula existencial: anteceder-a-si-mesmo-em (um mundo) enquanto ser-junto-a (um ente intramundano [innerweltlich  ] que vem ao encontro [begegnen  ]). Embora articulada, a totalidade da estrutura da cura [Sorge] não resulta de um ajuntamento. Tivemos de avaliar esse resultado ontológico quanto à possibilidade [Möglichkeit] de satisfazer as exigências de uma interpretação originária da presença [Dasein]. Da reflexão [Überlegung  ] resultou que não se tematizou nem toda a presença [Dasein] e nem o seu poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich]. A tentativa de apreender fenomenalmente toda a presença [Dasein] pareceu fracassar justamente na estrutura da cura [Sorge]. O anteceder-a-si-mesmo apresentou-se como um ainda-não. Para uma consideração genuinamente existencial, o anteceder-a-si-mesmo desvelou-se como o que está pendente, mas no sentido de ser-para-o-fim [Sein zum Ende] que, no fundo de seu ser, toda presença [Dasein] é. Também esclarecemos que, no apelo da consciência, a cura [Sorge] faz apelo à presença [Dasein] para o seu poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich]. Entendida originariamente, o compreender do apelo revelou-se como decisão [Entschlossenheit] antecipadora. Ele abriga em si um poder-ser [Seinkönnen] todo da presença [Dasein] em sentido próprio [eigentlich]. A estrutura da cura [Sorge] não fala contra um possível ser-todo mas é a condição de possibilidade [Möglichkeit] desse poder-ser [Seinkönnen] EXISTENCIÁRIO [existenziell]. No encaminhamento da análise, tornou-se claro que os fenômenos existenciais de morte [Tod], consciência e dívida [Schuld] estão ancorados no fenômeno [Phänomen] da cura [Sorge]. A articulação da totalidade do todo estrutural é ainda mais rica e, por isso, torna também mais urgente a questão [Fragen] existencial da unidade dessa totalidade. STMSCC: §64

Em si mesma, a presença [Dasein] se abre em sua existência [Existenz] de modo próprio [eigentlich] ou impróprio [uneigentlich]. Existindo, ela se compreende de tal maneira que este compreender não constitui uma pura apreensão mas o ser EXISTENCIÁRIO [existenziell] do poder-ser [Seinkönnen] fático. O ser que se abriu é o ser de um ente em que está em jogo o seu ser. O sentido deste ser, isto é, da cura [Sorge], que lhe possibilita a constituição, constitui, originariamente, o ser do poder-ser [Seinkönnen]. O sentido ontológico da presença [Dasein] não é algo diferente e "fora" de si-mesmo [Selbst], solto no ar, mas a própria presença [Dasein] que se compreende. O que possibilita o ser da presença [Dasein] é, com isso, sua existência [Existenz] fática? STMSCC: §65

No projeto [Entwurf] existencial originário da existência [Existenz], o projetado desvelou-se como decisão [Entschlossenheit] antecipadora [NH: equívoco: aqui se confundem projeto [Entwurf] EXISTENCIÁRIO [existenziell] e transposição existencial para o projeto [Entwurf]]. O que possibilita que a presença [Dasein] seja toda em sentido próprio [eigentlich] na unidade de toda a sua estrutura de articulação? Apreendida formal   e existencialmente, sem que se nomeie agora constantemente o conteúdo pleno de sua estrutura, a decisão [Entschlossenheit] antecipadora é o ser para o poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich] e privilegiado. Isto só é possível caso a presença [Dasein] possa de todo a modo vir-a-si em sua possibilidade [Möglichkeit] mais própria e, deixando-se vir-a-si, suporte a possibilidade [Möglichkeit] enquanto possibilidade [Möglichkeit], ou seja, exista. [409] Este deixar-se-vir-a-si que, na possibilidade [Möglichkeit] privilegiada a sustém, é o fenômeno [Phänomen] originário do porvir [Zukunft  ] . Se, ao ser da presença [Dasein], pertence o ser-para-a-morte [Sein zum Tode], próprio [eigentlich] ou impróprio [uneigentlich], este então só é possível como porvindouro, no sentido agora indicado e que ainda deve ser determinado de forma mais precisa. "Porvir" não significa aqui um agora que, ainda-não tendo se tornado "real", algum dia o será. Porvir significa o advento em que a presença [Dasein] vem a si em seu poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich]. O antecipar torna a presença [Dasein] propriamente porvindoura, de tal maneira que o próprio [eigentlich] antecipar só é possível quando a presença [Dasein], enquanto um sendo, sempre já vem a si, ou seja, em seu ser, é e está por vir. STMSCC: §65

Não é necessário que a decisão [Entschlossenheit] saiba explicitamente a proveniência das possibilidades para as quais ela se projeta. Mas é na temporalidade [Zeitlichkeit] da presença [Dasein] e somente nela que reside a possibilidade [Möglichkeit] [477] de tomar expressamente a compreensão transmitida da presença [Dasein] do poder-ser [Seinkönnen] EXISTENCIÁRIO [existenziell] para o qual [worauf  ] ela se projeta. A decisão [Entschlossenheit] que retorna a si e se transmite torna-se, assim, retomada [Wiederholung] de uma possibilidade [Möglichkeit] legada de existência [Existenz]. A STMSCC: §74

A presença [Dasein] sempre se compreende a si mesma a partir de sua existência [Existenz], de uma possibilidade [Möglichkeit] própria de ser ou não ser ela mesma. Essas possibilidades a própria presença [Dasein] as escolheu, mergulhou nelas ou ali simplesmente cresceu. No modo de assumir-se ou perder-se, a existência [Existenz] só se decide a partir de cada presença [Dasein] em si mesma. A questão [Fragen] da existência [Existenz] só poderá ser esclarecida sempre pelo próprio [eigentlich] existir. A compreensão de si mesma que assim se perfaz, nós a chamamos de compreensão EXISTENCIÁRIA [existenziell] . A questão [Fragen] da existência [Existenz] é um "assunto" ôntico [ontisch] da presença [Dasein]. Para isso não é necessária a transparência teórica da estrutura ontológica da existência [Existenz]. A questão [Fragen] acerca dessa estrutura pretende desdobrar e discutir o que constitui [NH: em todo caso, de modo algum uma filosofia existencial] a existência [Existenz]. Chamamos de existencialidade [Existenzialität] o conjunto dessas estruturas. A análise da existencialidade [Existenzialität] [48] não possui o caráter de uma compreensão EXISTENCIÁRIA [existenziell] e sim de uma compreensão existencial . Em sua possibilidade [Möglichkeit] e necessidade, a tarefa de uma analítica existencial da presença [Dasein] já se acha prelineada na constituição ôntica [ontisch] da presença [Dasein]. STMSCC: §4

A presença [Dasein] sempre dispõe de uma rica e variada interpretação de si mesma, à medida que uma compreensão de ser [Seinsverständnis  ] não apenas lhe pertence, como já se formou ou deformou em cada um de seus modos de ser. Seguindo caminhos diversos e em extensões diferentes, a psicologia filosófica, a antropologia, a ética, a "política", a poesia, a biografia e historiografia já pesquisaram as atitudes, potências, forças, possibilidades e envios da presença [Dasein]. Resta, porém, a pergunta: Será que essas interpretações se fizeram de maneira tão originariamente existencial como talvez tenham sido originariamente existenciárias [existenziell]? Ambas as maneiras não precisam coincidir necessariamente, embora também não se excluam. Uma interpretação EXISTENCIÁRIA [existenziell] pode exigir uma análise existencial quando se compreende a necessidade e possibilidade [Möglichkeit] do conhecimento filosófico. [53] Somente depois de se elaborar, de modo suficiente, as estruturas da presença [Dasein], seguindo uma orientação explícita do problema de ser, é que os resultados obtidos até aqui poderão receber uma justificação existencial. STMSCC: §5

Em contrapartida, subsiste ainda a possibilidade [Möglichkeit] de uma preocupação [Fürsorge] que não tanto substitui o outro, mas que salta antecipando-se a ele em sua possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell] de ser, não [178] para lhe retirar o "cuidado" e sim para devolvê-lo como tal. Essa preocupação [Fürsorge] que, em sua essência, diz respeito à cura [Sorge] propriamente dita, ou seja, a existência [Existenz] do outro e não a uma coisa de que se ocupa, ajuda o outro a tornar-se, em sua cura [Sorge], transparente [durchsichtig] a si mesmo e livre para ela. STMSCC: §26

Se já o ser da convivência [Miteinandersein] cotidiana [alltäglich], que, do ponto de vista ontológico, parece vizinho ao ser simplesmente dado [Vorhandenheit], é diferente em princípio, então não se pode de forma alguma compreender o que é propriamente si-mesmo [Selbst] como algo simplesmente dado. O ser do que é propriamente si-mesmo [Selbst] não repousa num estado excepcional do sujeito [Subjekt  ] que se separou do impessoal [das Man]. Ele é uma modificação EXISTENCIÁRIA [existenziell] do impessoal [das Man] como existencial constitutivo. STMSCC: §27

Por outro lado, a análise não pode ater-se a uma ideia da morte [Tod], cogitada ao acaso e arbitrariamente. Somente uma caracterização ontológica prévia do modo de ser [Seinsart] em que o "fim" se instala na cotidianidade [Alltäglichkeit] mediana da presença [Dasein] é que pode guiar esse arbítrio [Belieben  ]. Para isso, é necessário representar, integralmente, as estruturas da cotidianidade [Alltäglichkeit], antes expostas. Que, numa análise existencial da morte [Tod], ressoem possibilidades existenciárias [existenziell] do ser-para-a-morte [Sein zum Tode], isso reside na essência de toda investigação ontológica. Quanto mais explicitamente a não vinculação EXISTENCIÁRIA [existenziell] acompanhar a determinação existencial do conceito, e isso em específico no tocante à morte [Tod], mais agudamente poder-se-á desvelar o caráter de possibilidade [Möglichkeit] da presença [Dasein]. A problemática existencial almeja unicamente à apresentação da estrutura ontológica do ser-para-o-fim [Sein zum Ende] da presença [Dasein]. STMSCC: §49

O ser-para-o-fim [Sein zum Ende] não se origina primeiro de uma postura que, às vezes, acontece, mas pertence, de modo essencial, ao estar-lançado [Geworfenheit] da presença [Dasein], que na disposição (do humor [Stimmung  ]) se desvela dessa ou daquela maneira. O "saber" ou "não-saber" que, de fato, sempre vigora em cada presença [Dasein], a respeito do ser-para-o-fim [Sein zum Ende] mais próprio [eigentlich], é apenas a expressão da possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell] de se manter nesse modo de ser [Seinsart]. Que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, muitos de fato não sabem da morte [Tod], isso não pode ser aduzido como prova de que o ser-para-a-morte [Sein zum Tode] não pertença "de maneira geral" à presença [Dasein]. Isso apenas mostra que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] encobre para si mesma o ser-para-a-morte [Sein zum Tode] mais próprio [eigentlich] em dele fugindo. É existindo que a presença [Dasein] morre de fato, embora, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, o faça no modo da decadência [Verfallen]. Pois existir faticamente não é somente um poder-ser-lançado no mundo, genérico e indiferente, já sendo também um empenhar-se no "mundo" das ocupações. Nesse decadente ser-junto-a, anuncia-se a fuga [Flucht] da estranheza [Unheimlichkeit], isto significa, do ser-para-a-morte [Sein zum Tode] mais próprio [eigentlich]. Existência, facticidade [Faktizität], decadência [Verfallen] caracterizam o ser-para-o-fim [Sein zum Ende], constituindo, pois, o conceito existencial da morte [Tod]. No tocante à sua possibilidade [Möglichkeit] ontológica, o morrer [sterben] funda-se na cura [Sorge] [NH: mas a cura [Sorge] vige a partir da verdade [Wahrheit] do ser]. STMSCC: §50

O ser-para-a-morte [Sein zum Tode] em sentido próprio [eigentlich] significa uma possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell] da presença [Dasein]. Esse poder-ser [Seinkönnen] ôntico [ontisch] deve, por sua vez, ser ontologicamente possível. Quais as condições existenciais dessa possibilidade [Möglichkeit]? Como elas podem se fazer acessíveis? STMSCC: §52

§54. O problema do testemunho de uma possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell] própria STMSCC: §54

O que se busca é um poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich] da presença [Dasein], testemunhado por ela mesma em sua possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell]. Antes de tudo é preciso que esse testemunho se deixe [NH: 1) o testemunho como tal; 2) o que nele é testemunhado] encontrar. E caso esse testemunho "se dê a compreender" para a presença [Dasein] em sua existência [Existenz] própria e possível, então ele deve ter suas raízes no ser da presença [Dasein]. A demonstração fenomenológica desse testemunho resguarda, pois, a comprovação de sua origem a partir da constituição de ser da presença [Dasein]. STMSCC: §54

O testemunho deve dar a compreender um poder-ser-si-mesmo, de maneira própria. Com a expressão "si-mesmo [Selbst]" chegamos a responder à questão [Fragen] do quem da presença [Dasein]. O si-mesmo [Selbst] da presença [Dasein] foi formalmente determinado como um modo de existir e não como algo simplesmente dado. Na maior parte das vezes, o quem da presença [Dasein] não é eu mesmo mas o impessoalmente-si-mesmo. O ser-si-mesmo [Selbstsein] de maneira própria determina-se como uma modificação EXISTENCIÁRIA [existenziell] do impessoal [das Man] que ainda necessita de uma delimitação existencial . O que acontece nessa modificação e quais as condições ontológicas de sua possibilidade [Möglichkeit]? [345] STMSCC: §54

No momento em que a presença [Dasein] se perde no impessoal [das Man], já se decidiu sobre o poder-ser [Seinkönnen] mais próximo e fático da presença [Dasein], ou seja, sobre as tarefas, regras, parâmetros, a premência e a envergadura do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] da ocupação [Besorgen] e preocupação [Fürsorge]. O impessoal [das Man] já sempre impediu para a presença [Dasein] a apreensão dessas possibilidades ontológicas. O impessoal [das Man] encobre até mesmo o ter-se dispensado do encargo de escolher explicitamente tais possibilidades. Fica indeterminado quem "propriamente" escolhe. Essa escolha feita por ninguém [Niemand  ], através da qual a presença [Dasein] se enreda na impropriedade [Uneigentlichkeit], só pode refazer-se quando a própria presença [Dasein] passa da perdição do impessoal [das Man] para si mesma. Essa passagem [Zugang  ], no entanto, deve possuir o modo de ser [Seinsart] por cuja negligência a presença [Dasein] se perde na impropriedade [Uneigentlichkeit]. A passagem [Zugang] do impessoal [das Man], ou seja, a modificação EXISTENCIÁRIA [existenziell] do impessoalmente si mesmo para o ser-si-mesmo [Selbstsein] de maneira própria deve-cumprir-se como recuperação de uma escolha. Recuperar a escolha significa escolher essa escolha, decidir-se por um poder-ser [Seinkönnen] a partir de seu próprio [eigentlich] si-mesmo [Selbst]. Apenas escolhendo a escolha é que a presença [Dasein] possibilita para si mesma o seu poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich] [NH: o acontecimento do ser-filosofia, liberdade]. STMSCC: §54

Essa interpretação existencial dista, necessariamente, da compreensão ôntico-cotidiana, embora elabore os fundamentos ontológicos do que a interpretação vulgar da consciência sempre compreendeu em determinados limitese conceituou numa "teoria" da consciência. Nesse sentido, a interpretação existencial precisa submeter-se ao crivo de uma crítica da interpretação vulgar da consciência. E a partir da elaboração do fenômeno [Phänomen] pode-se alcançar em que medida ele testemunha um poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich] da presença [Dasein]. Ao apelo da consciência corresponde a possibilidade [Möglichkeit] de uma escuta. O compreender do interpelar [anrufen] desvela-se como um querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen]. Nesse fenômeno [Phänomen], porém, dá-se a escolha EXISTENCIÁRIA [existenziell] que escolhe um ser-si-mesmo [Selbstsein] denominado, em correspondência à sua estrutura existencial, de decisão [Entschlossenheit] . Com isso temos a articulação das análises desse capítulo: os fundamentos ontológico-existenciais da consciência (§55); o caráter de apelo da consciência (§56); a consciência como apelo da cura [Sorge] (§57); a compreensão do interpelar [anrufen] e a dívida [Schuld] (§58); a interpretação existencial da consciência e sua interpretação vulgar (§59); a estrutura existencial do poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich], testemunhado na consciência (§60). STMSCC: §54

A compreensão EXISTENCIÁRIA [existenziell] que escuta o apelo é tanto mais própria quanto mais a presença [Dasein] escutar e compreender, sem estabelecer remissões, o seu ser-interpelado e quanto menos aquilo que se diz, o que convém e possui validade, deturpa o sentido do apelo. O que reside essencialmente na propriedade [Eigentlichkeit] da compreensão do interpelar [anrufen]? O que no apelo se dá a compreender de modo essencial, embora nem sempre seja, faticamente, compreendido? STMSCC: §58

O querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen] é, sobretudo, a pressuposição [Voraussetzung  ] EXISTENCIÁRIA [existenziell] mais originária da possibilidade [Möglichkeit] do ser e estar faticamente em dívida [Schuld]. Compreendendo o apelo, a presença [Dasein] deixa que o si-mesmo [Selbst] mais próprio [eigentlich] aja dentro dela a partir da possibilidade [Möglichkeit] de ser escolhida. Apenas assim ela pode ser responsável. Faticamente, porém, toda ação [Handeln] é necessariamente "desprovida de consciência" não só porque ela de fato não evita a culpabilização moral   mas porque, fundada no nada de seu projeto [Entwurf] nulo, sempre já está em dívida [Schuld] com os outros. Assim, o querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen] significa assumir a [368] falta essencial de consciência, unicamente aonde subsiste a possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell] de ser "bom". STMSCC: §58

A crítica ontológica da interpretação vulgar da consciência poderia prestar-se ao mal-entendido de que a experiência cotidiana [alltäglich] da consciência pretenderia, de alguma maneira, julgar a "qualidade moral" EXISTENCIÁRIA [existenziell] da presença [Dasein] com a demonstração de que ela não é existencialmente originária. Assim como a existência [Existenz] não é, necessária e diretamente, em nada prejudicada por uma compreensão ontológica insuficiente da consciência, também não se pode garantir a compreensão EXISTENCIÁRIA [existenziell] do apelo mediante uma interpretação existencialmente adequada da consciência. Na experiência vulgar da consciência, a seriedade não é menos possível do que a não seriedade numa compreensão mais originária da consciência. Entretanto, a interpretação existencialmente mais originária também abre possibilidades para uma compreensão EXISTENCIÁRIA [existenziell] mais originária desde que a conceituação ontológica não se desligue da experiência ôntica [ontisch]. STMSCC: §59

De acordo com sua essência ontológica, a decisão [Entschlossenheit] é sempre decisão [Entschlossenheit] de uma determinada presença [Dasein] fática. A essência desse ente é sua existência [Existenz]. Decisão só "existe" enquanto a decisão [Entschlossenheit] que se projeta num compreender. Mas em virtude de [worumwillen] que a presença [Dasein] se decide na decisão [Entschlossenheit]? Para que ela deve se decidir? Somente o decisivo pode dar a resposta. Seria uma total incompreensão do fenômeno [Phänomen] da decisão [Entschlossenheit] pretender que ele seja meramente um apoderar-se das possibilidades apresentadas e recomendadas. O decisivo é justamente o projeto [Entwurf] e a determinação que abrem as possibilidades faticamente dadas a cada vez. A indeterminação que caracteriza cada poder-ser [Seinkönnen] faticamente lançado da presença [Dasein] pertence necessariamente à decisão [Entschlossenheit]. A decisão [Entschlossenheit] só está segura de si enquanto o decisivo. Mas a indeterminação EXISTENCIÁRIA [existenziell] da decisão [Entschlossenheit], que só se determina no decisivo, também possui sua determinação existencial. STMSCC: §60

Uma ligação exterior entre os fenômenos já está de per si proibida. Metodologicamente, resta apenas um caminho possível, a saber, partir do fenômeno [Phänomen] da decisão [Entschlossenheit], testemunhado em sua possibilidade [Möglichkeit] [384] EXISTENCIÁRIA [existenziell], e perguntar: Será que em sua tendência de ser mais propriamente EXISTENCIÁRIA [existenziell], a decisão [Entschlossenheit] remete ela mesma para a decisão [Entschlossenheit] antecipadora como a sua possibilidade [Möglichkeit] mais própria? E se, de acordo com seu sentido próprio [eigentlich], a decisão [Entschlossenheit] só alcançasse a sua propriedade [Eigentlichkeit] quando não se projetasse para possibilidades arbitrárias e sempre as mais imediatas mas, ao contrário, somente quando se projetasse para a possibilidade [Möglichkeit] extrema que antecede todo poder-ser [Seinkönnen] fático da presença [Dasein] e, como tal, inserindo-se, de forma mais ou menos inconfundível, em cada poder-ser [Seinkönnen] faticamente assumido? E se, enquanto verdade [Wahrheit] própria da presença [Dasein], a decisão [Entschlossenheit] só alcançasse a sua certeza [Gewissheit  ] própria e pertinente no antecipar para a morte [Tod]? E se toda "antecipação" fática de decisões só fosse propriamente compreendida, isto é, existenciariamente alcançada, no antecipar para a morte [Tod]? STMSCC: §61

Em que medida a decisão [Entschlossenheit], "pensada até o fim" em sua tendência ontológica mais própria, conduz ao ser-para-a-morte [Sein zum Tode] próprio [eigentlich]? [387] Como se deve conceber o nexo [Zusammenhang] entre o querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen] e o poder-ser [Seinkönnen] todo próprio [eigentlich], inerente à presença [Dasein], projetado existencialmente? Será que a fusão de ambos resulta em um novo fenômeno [Phänomen]? Ou será que esse fenômeno [Phänomen] se mantém na decisão [Entschlossenheit], testemunhada em sua possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell], de tal modo que a decisão [Entschlossenheit] poderia, através do ser-para-a-morte [Sein zum Tode], fazer a experiência de uma modalização EXISTENCIÁRIA [existenziell]? O que significa, porém, "pensar até o fim", de modo existencial, o fenômeno [Phänomen] da decisão [Entschlossenheit]? STMSCC: §62

Decisão diz: deixar-se apelar no ser e estar em dívida [Schuld] mais próprio [eigentlich]. O ser e estar em dívida [Schuld] pertence ao próprio [eigentlich] ser da presença [Dasein] que determinamos, primariamente, como poder-ser [Seinkönnen]. Dizer que a presença [Dasein] constantemente "é e está" em dívida [Schuld] só pode significar que ela sempre se mantém nesse ser, existindo própria ou impropriamente. O ser e estar em dívida [Schuld] não é apenas uma característica insistente do que é sempre simplesmente dado, mas a possibilidade [Möglichkeit] [388] EXISTENCIÁRIA [existenziell] de ser e estar em dívida [Schuld] de modo próprio [eigentlich] ou impróprio [uneigentlich]. O "dívida [Schuld]" só é num poder-ser [Seinkönnen] fático. Porque pertence ao ser da presença [Dasein], deve-se conceber o ser e estar em dívida [Schuld] como poder-ser [Seinkönnen] e estar em dívida [Schuld]. A decisão [Entschlossenheit] projeta-se para esse poder-ser [Seinkönnen], isto é, nele se compreende. Esse compreender mantém-se, pois, numa possibilidade [Möglichkeit] originária da presença [Dasein]. Propriamente, ela aí se mantém caso a decisão [Entschlossenheit] seja originária naquilo que ela tende a ser. O ser originário da presença [Dasein] para o seu poder-ser [Seinkönnen] desvelou-se como ser-para-a-morte [Sein zum Tode], ou seja, para a possibilidade [Möglichkeit] característica e privilegiada da presença [Dasein]. O antecipar abre essa possibilidade [Möglichkeit] como possibilidade [Möglichkeit]. Somente antecipando a decisão [Entschlossenheit] torna-se um ser originário para o poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich] da presença [Dasein]. A decisão [Entschlossenheit] só compreende o "pode" do poder-ser [Seinkönnen] e estar em dívida [Schuld] quando ela se "qualifica" como ser-para-a-morte [Sein zum Tode]. STMSCC: §62

Com o fenômeno [Phänomen] da decisão [Entschlossenheit], colocamo-nos diante da verdade [Wahrheit] originária da existência [Existenz]. Decidida, a presença [Dasein] se desvela para si mesma em seu poder-ser [Seinkönnen] fático, de maneira a ser este desvelar e estar desvelado. Pertence à verdade [Wahrheit] um ter-por-verdadeiro, que sempre lhe corresponde. O ser e estar-certo é a apropriação explícita do que se abriu e se descobriu. A verdade [Wahrheit] originária da existência [Existenz] exige um estar-certo igualmente originário, no sentido de ater-se ao que a decisão [Entschlossenheit] lhe abre. Ela dá a si a situação fática e nela se coloca. A situação não pode ser antecipadamente calculada ou prevista como algo simplesmente dado, que espera por sua apreensão. Ela só se abre numa decisão [Entschlossenheit] livre, previamente indeterminada mas aberta a determinações. O que significa a certeza [Gewissheit] inerente a tal decisão [Entschlossenheit]? Ela deve ater-se ao que se abriu na decisão [Entschlossenheit]. Isso significa, porém, que ela não pode enrijecer-se na situação mas deve compreender que, de acordo com o seu sentido próprio [eigentlich] de abertura, a decisão [Entschlossenheit] deve manter-se aberta e livre para as possibilidades fáticas. [390] A certeza [Gewissheit] da decisão [Entschlossenheit] significa: manter-se livre para o seu reassumir possível e faticamente necessário. Esse ter-por-verdadeiro da decisão [Entschlossenheit] (enquanto verdade [Wahrheit] da existência [Existenz]) não permite, em absoluto, recair na indecisão. Ao contrário, enquanto manter-se livre na decisão [Entschlossenheit] para reassumir, este ter-por-verdadeiro é decidir com propriedade [Eigentlichkeit] pela retomada [Wiederholung] de si mesmo. Com isso, enterra-se justamente a perdição EXISTENCIÁRIA [existenziell] na indecisão. O ter-por-verdadeiro inerente à decisão [Entschlossenheit] tende, de acordo com seu sentido, a manter-se constantemente livre, ou seja, para todo o poder-ser [Seinkönnen] da presença [Dasein]. Essa certeza [Gewissheit] insistente só confirma a decisão [Entschlossenheit] quando se atém à possibilidade [Möglichkeit] da qual ela pode ser e estar absolutamente certa. Em sua morte [Tod], a presença [Dasein] deve, pura e simplesmente, "reassumir-se". Estando constantemente certa dela, isto é, antecipando-a, a decisão [Entschlossenheit] conquista sua certeza [Gewissheit] própria e total. STMSCC: §62

Por outro lado, a interpretação do "nexo [Zusammenhang]" entre decisão [Entschlossenheit] e antecipar alcançou, assim, a compreensão existencial plena do próprio [eigentlich] antecipar. Até aqui, ele só podia valer como projeto [Entwurf] ontológico. Agora, porém, mostrou-se que antecipar não é uma possibilidade [Möglichkeit] inventada e a seguir imposta à presença [Dasein], mas o modo de um poder-ser [Seinkönnen], testemunhado existenciariamente na presença [Dasein] a que ela se dispõe quando se compreende propriamente numa decisão [Entschlossenheit]. Antecipar não "é" uma atitude solta no ar mas deve ser concebido como a possibilidade [Möglichkeit] de sua propriedade [Eigentlichkeit] velada e incluída na decisão [Entschlossenheit] existenciariamente co-testemunhada. Em sentido próprio [eigentlich], "pensar na morte [Tod]" é a transparência EXISTENCIÁRIA [existenziell] do querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen]. STMSCC: §62

Se a decisão [Entschlossenheit] tende propriamente para o modo delimitado pelo antecipar e se esta constitui, por sua vez, o poder-ser [Seinkönnen] todo da presença [Dasein] em sentido próprio [eigentlich], então a decisão [Entschlossenheit] testemunhada existenciariamente também atesta um poder-ser [Seinkönnen] todo da presença [Dasein] em sentido próprio [eigentlich]. A questão [Fragen] do poder-ser [Seinkönnen] todo é, portanto, uma questão [Fragen] fática e EXISTENCIÁRIA [existenziell], a que a presença [Dasein] responde numa decisão [Entschlossenheit]. A questão [Fragen] sobre o poder-ser [Seinkönnen] todo da presença [Dasein] desvinculou-se agora, por completo, do caráter inicialmente apontado em que ela se apresentava como questão [Fragen] teórica e metodológica da analítica da presença [Dasein], nascida de um esforço por alcançar o "dar-se" da presença [Dasein] em seu todo. Esta questão [Fragen], de início discutida apenas do ponto de vista de uma metodologia ontológica, era legítima, mas somente porque a sua base remonta a uma possibilidade [Möglichkeit] ôntica [ontisch] da presença [Dasein]. STMSCC: §62

O esclarecimento do "nexo [Zusammenhang]" entre antecipar e decisão [Entschlossenheit], no sentido da modalização possível desta através daquela, tornou-se demonstração fenomenal [phänomenal] de um poder-ser [Seinkönnen] todo da presença [Dasein] em sentido próprio [eigentlich]. Se com esse fenômeno [Phänomen] chegou-se a encontrar um modo [392] de ser da presença [Dasein] em que ela se coloca diante de si e para si, então, para a interpretação cotidiana [alltäglich] e comum do impessoal [das Man], ele deve permanecer incompreensível, tanto ôntica [ontisch] quanto ontologicamente. Seria um equívoco tanto jogar para o alto essa possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell], considerando-a "incomprovada", quanto pretender "comprová-la" teoricamente. Entretanto, o fenômeno [Phänomen] precisa proteger-se das mais grosseiras inversões. STMSCC: §62

Mas ainda assim de onde se deve retirar o que constitui "propriamente" a existência [Existenz] da presença [Dasein]? Sem uma compreensão EXISTENCIÁRIA [existenziell], [395] toda análise da existencialidade [Existenzialität] permanece sem solidez. Será que a interpretação da propriedade [Eigentlichkeit] e totalidade da presença [Dasein] não tem por base uma concepção ôntica [ontisch] da existência [Existenz] que, não obstante possível, não precisa, obrigatoriamente, impor-se a toda e qualquer concepção de existência [Existenz]? A interpretação existencial nunca pretenderá exercer poder sobre as possibilidades e obrigações existenciárias [existenziell]. Mas não deverá ela justificar a si mesma no que tange às possibilidades existenciárias [existenziell] com as quais ela oferece um solo ôntico [ontisch] para a interpretação ontológica? Se, de modo essencial, o ser da presença [Dasein] é poder-ser [Seinkönnen] e ser-livre para as suas possibilidades mais próprias, e se ele só existe na liberdade e não-liberdade para estas possibilidades, poderá então a interpretação ontológica basear-se em outras possibilidades senão as ônticas (modos de poder-ser [Seinkönnen]) e projetá-las sobre a sua possibilidade [Möglichkeit] ontológica? E se, na maior parte das vezes, a presença [Dasein] se interpreta a partir da perdição no "mundo" das ocupações? Nesse caso, a determinação das possibilidades ôntico-existenciárias, conquistada em contracorrente à perdição, e a análise existencial que nelas se funda não constituiriam o modo de abertura adequado a esse ente? A violência do projeto [Entwurf] não se tornaria, assim, cada vez, uma liberação [Freigabe] do teor fenomenal [phänomenal] não distorcido da presença [Dasein]? STMSCC: §63

análise da decisão [Entschlossenheit] antecipadora conduziu, ao mesmo tempo, para o fenômeno [Phänomen] da verdade [Wahrheit] originária e própria. Já se mostrou como a compreensão ontológica, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes predominante, concebe o ser no sentido de algo simplesmente dado, encobrindo, dessa forma, o fenômeno [Phänomen] originário da verdade [Wahrheit]. Se, no entanto, ser somente "se dá" na medida em que a verdade [Wahrheit] "é", e a compreensão de ser [Seinsverständnis] sempre se modifica segundo o modo da verdade [Wahrheit], então a verdade [Wahrheit] originária e própria deve garantir a compreensão de presença [Dasein] e de ser em geral. A "verdade [Wahrheit]" ontológica da análise existencial forma-se com base na verdade [Wahrheit] EXISTENCIÁRIA [existenziell] originária. No entanto, esta não precisa necessariamente daquela. A verdade [Wahrheit] mais originária, existencial e básica para a qual se encaminha a problemática de uma ontologia fundamental – preparando a questão [Fragen] do ser em geral – é a abertura do sentido ontológico da cura [Sorge]. Assim, para se liberar esse sentido, é preciso aprontar integralmente o conteúdo estrutural da cura [Sorge]. STMSCC: §63

Como se deve conceber essa unidade? Como a presença [Dasein] pode existir, numa unidade, nos modos e possibilidades de seu ser? Manifestamente, só enquanto esse ser for ele mesmo em suas possibilidades essenciais, enquanto eu sempre [NH: a própria presença [Dasein] é esse ente] sou esse ente. Aparentemente, o "eu" "sustenta numa coesão", a totalidade do todo estrutural. Na "ontologia" desse ente, o "eu" e o "si-mesmo [Selbst]" foram, desde sempre, concebidos como fundamento de sustentação (substância e sujeito [Subjekt]). Já na caracterização preparatória da cotidianidade [Alltäglichkeit], a presente analítica deparou-se com a questão [Fragen] do quem da presença [Dasein]. Mostrou-se que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] não é ela mesma mas perdeu-se [NH: o "eu" como o si-mesmo [Selbst], em certo sentido, "o mais próximo", em primeiro plano e, assim, aparente] no impessoalmente-si-mesmo. [401] Este é uma modificação EXISTENCIÁRIA [existenziell] do si-mesmo [Selbst] em sentido próprio [eigentlich]. A questão [Fragen] da constituição ontológica do si-mesmo [Selbst] ficou sem resposta. Os fios condutores do problema foram, sem dúvida, fixados em princípio. Se o si-mesmo [Selbst] pertence às determinações essenciais da presença [Dasein], cuja "essência" reside na existência [Existenz], então tanto a estrutura do eu quanto a do si-mesmo [Selbst] devem ser concebidas existencialmente. Mostrou-se também de forma negativa que a caracterização ontológica do impessoal [das Man] proíbe qualquer aplicação das categorias [Kategorien  ] de ser simplesmente dado [Vorhandenheit] (substância). Em princípio, esclareceu-se que: do ponto de vista ontológico, a cura [Sorge] não pode ser derivada da realidade e nem construída segundo as categorias [Kategorien] de realidade. A cura [Sorge] já abriga em si o fenômeno [Phänomen] do si-mesmo [Selbst] e, caso esta tese se justifique, a expressão "cura [Sorge] de si mesmo" é uma tautologia, cunhada em correspondência à preocupação [Fürsorge] enquanto cuidado com os outros. Nesse caso, o problema da determinação ontológica do si-mesmo [Selbst] da presença [Dasein] torna-se uma questão [Fragen] aguda, isto é, a questão [Fragen] do "nexo [Zusammenhang]" existencial entre cura [Sorge] e si-mesmo [Selbst]. STMSCC: §64

Estas questões devem ser respondidas afirmativamente. E mesmo assim elas não significam nenhuma objeção à finitude da temporalidade [Zeitlichkeit] originária. Isto porque já não dizem respeito a ela. A questão [Fragen] não é o que ainda pode acontecer "num tempo que prossegue" e nem que espécie de deixar-vir-a-si ocorre "a partir deste tempo". A questão [Fragen] é como se determina originariamente o deixar-vira-si ele mesmo como tal. Finitude não diz primariamente término. [414] Finitude é um caráter da própria temporalização. O porvir [Zukunft] originário e próprio [eigentlich] é o para-si, um para-si que existe como a possibilidade [Möglichkeit] insuperável do nada. O caráter ekstático do porvir [Zukunft] originário reside justamente em incluir o poder-ser [Seinkönnen], isto é, em estar ele mesmo incluído e, como tal, possibilitar a compreensão EXISTENCIÁRIA [existenziell] e decidida do nada. O vir-a-si originário e próprio [eigentlich] é o sentido do existir no nada mais próprio [eigentlich]. Com a tese da finitude originária da temporalidade [Zeitlichkeit] não se contesta que "o tempo prossegue", mas esta tese deve simplesmente manter o caráter fenomenal [phänomenal] da temporalidade [Zeitlichkeit] originária que se mostra no que é projetado pelo projeto [Entwurf] existencial e originário da própria presença [Dasein]. STMSCC: §65

Apreendido de modo existencialmente originário, compreender significa: ser, projetando-se num poder-ser [Seinkönnen], em virtude do qual a presença [Dasein] sempre existe. O compreender abre o poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich] de tal maneira que, compreendendo, a presença [Dasein], de algum modo, sempre sabe a quantas ela mesma anda. Esse "saber" não significa, contudo, ter descoberto um fato mas manter-se numa possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell]. O não-saber que lhe corresponde não consiste numa [421] ausência do compreender mas deve ser considerado um modo deficiente de se projetar o poder-ser [Seinkönnen]. A existência [Existenz] pode tornar-se digna de questionamento. Para que este "estar em questão [Fragen]" seja possível, é necessária uma abertura. O porvir [Zukunft] está à base do compreender-se no projeto [Entwurf] de uma possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell] enquanto um vir-a-si, a partir da possibilidade [Möglichkeit] em que a presença [Dasein] cada vez existe. Do ponto de vista ontológico, o porvir [Zukunft] possibilita um ente que é de tal modo que, compreendendo, existe em seu poder-ser [Seinkönnen]. O projetar-se tem por base o porvir [Zukunft] e, consequentemente, não apreende, em primeiro lugar, a possibilidade [Möglichkeit] projetada como tema de uma opinião  , mas se lança na possibilidade [Möglichkeit]. Em compreendendo, a presença [Dasein] é, cada vez, como ela pode ser. A decisão [Entschlossenheit] mostrou-se como um existir originário e próprio [eigentlich]. Sem dúvida, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] permanece indecisa, ou seja, fechada em seu poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich] no qual ela só se empenha singularizando-se. Isto implica que nem sempre a temporalidade [Zeitlichkeit] se temporaliza a partir do porvir [Zukunft], em sentido próprio [eigentlich]. Essa inconsistência não significa, porém, que a temporalidade [Zeitlichkeit] careça, por vezes, de porvir [Zukunft] e sim que a temporalização do porvir [Zukunft] está sujeita a mutações. STMSCC: §68

Reservamos o termo antecipar para caracterizar, terminologicamente, o porvir [Zukunft] em sentido próprio [eigentlich]. Ele indica que, existindo propriamente, a presença [Dasein] faz com que ela mesma venha-a-si como seu poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich]. Indica também que o porvir [Zukunft] deve conquistar a si mesmo não a partir de uma atualidade [Gegenwart  ], mas a partir do porvir [Zukunft] impróprio [uneigentlich]. O termo formal e indiferente para o porvir [Zukunft] encontra-se na designação do primeiro momento estrutural da cura [Sorge], isto é, no anteceder-a-si. De fato, a presença [Dasein] constantemente antecede a si mesma mas inconstantemente, segundo a sua possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell], o faz antecipando. STMSCC: §68

Abertura e interpretação pertencem essencialmente ao acontecer da presença [Dasein]. A partir do modo de ser [Seinsart] deste ente que existe historicamente, nasce a possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell] de uma abertura e de uma apreensão explícita da história. A tematização, ou seja, a abertura historiográfica da história é a pressuposição [Voraussetzung] de uma possível "construção do mundo histórico pelas ciências do espírito". A interpretação existencial da historiografia como ciência visa, unicamente, comprovar a sua proveniência ontológica da historicidade [Geschichtlichkeit  ] da presença [Dasein]. Somente a partir dela é que se podem marcar os limites dentro dos quais uma epistemologia, orientada pelas vicissitudes da atividade científica, pode expor-se aos acasos de seus questionamentos. STMSCC: §72

Lançada, a presença [Dasein] está, sem dúvida, entregue à responsabilidade [Überantwortung  ] de si mesma e de seu poder-ser [Seinkönnen], mas como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Lançada, ela está referida a um "mundo" e existe faticamente com os outros. Numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, o si-mesmo [Selbst] está perdido no impessoal [das Man]. Ele se compreende a partir das possibilidades de existência [Existenz] que "estão em curso" na interpretação pública da presença [Dasein], sempre hodierna e "mediana". Devido à ambiguidade, elas são, em sua maioria, irreconhecíveis embora conhecidas. A compreensão EXISTENCIÁRIA [existenziell] própria escapa tão pouco da interpretação legada que, no decisivo, ela sempre retira a possibilidade [Möglichkeit] [475] escolhida dessa interpretação, contra ela mas sempre a seu favor. STMSCC: §74

A decisão [Entschlossenheit] constitui a fidelidade da existência [Existenz] ao seu próprio [eigentlich] si-mesmo [Selbst]. Enquanto decisão [Entschlossenheit] pronta a angustiar-se, a fidelidade também é o possível respeito frente à única autoridade que um existir livre pode ter, ou seja, frente às possibilidades de existência [Existenz] que podem ser retomadas. Do ponto de vista ontológico, seria um equívoco compreender a decisão [Entschlossenheit] como a "vivência" que só seria "real" enquanto [483] "durasse" o "ato" da decisão [Entschlossenheit]. É na decisão [Entschlossenheit] que reside a consistência [Ständigkeit  ] EXISTENCIÁRIA [existenziell] que, de acordo com a sua essência, já sempre adiantou cada instante [Augenblick  ] possível que dela surge. Enquanto destino [Schicksal], a decisão [Entschlossenheit] é a liberdade para a renúncia, possivelmente imposta pela situação, a uma determinada decisão [Entschlossenheit]. com isso, a consistência [Ständigkeit] da existência [Existenz] não se interrompe, mas justamente se confirma no instante [Augenblick]. A consistência [Ständigkeit] não é construída mediante e a partir de uma concatenação de "instantes". Ao contrário, estes surgem da temporalidade [Zeitlichkeit] já estendida da retomada [Wiederholung], porvindoura em seu ter sido. STMSCC: §75

Mas o que significa: presença [Dasein] é "de fato"? Se a presença [Dasein] só é "propriamente" real na existência [Existenz], então a sua "fatualidade [Tatsache]" se constitui justamente no projetar-se decidido para um poder-ser [Seinkönnen] escolhido. O "fato" próprio [eigentlich] do que vigora por ter sido presença [Dasein] é, então, a possibilidade [Möglichkeit] EXISTENCIÁRIA [existenziell] em que, de fato, se determinam o destino [Schicksal], o envio comum [Geschick  ] e a história do mundo. Porque, cada vez, a existência [Existenz] sempre está lançada faticamente, a historiografia abrirá tanto mais penetrantemente a força silenciosa do possível quanto mais simples e concretamente ela compreender e "apenas" expuser o vigor de ter sido-no-mundo em sua possibilidade [Möglichkeit]. STMSCC: §76

Brotando da historicidade [Geschichtlichkeit] própria, a historiografia desvela, na retomada [Wiederholung], a presença [Dasein] que vigora por ter sido presença [Dasein] em sua possibilidade [Möglichkeit]. Nesse caso, ela também já revelou o "universal" no que é único. Já constitui um equívoco radical perguntar se a historiografia [487] tem por objeto apenas a série dos dados únicos e "individuais" ou também as "leis [Gesetze]". Seu tema não é o que aconteceu uma única vez nem um universal que paira sobre a singularidade, mas a possibilidade [Möglichkeit] que faticamente vigorou na existência [Existenz]. Esta não se retoma como tal, ou seja, não é compreendida de modo propriamente historiográfico, mesmo quando distorcida pela palidez de um padrão supratemporal. Enquanto destino [Schicksal] decidido, somente a historicidade [Geschichtlichkeit] própria e fática é capaz de abrir a história que vigora por ter sido presença [Dasein]. E isso de tal modo que, na retomada [Wiederholung], a "força" do possível ressoe na existência [Existenz] fática, isto é, advenha ao seu porvir [Zukunft]. Tão pouco como a historicidade [Geschichtlichkeit] da presença [Dasein] não historiográfica, a historiografia não parte, de forma alguma, do "presente" e de uma "realidade" que só se dá hoje para, tateando, recuperar um passado. A abertura historiográfica também se temporaliza a partir do porvir [Zukunft]. A "seleção" do que deve tornar-se objeto possível da historiografia já foi feita na escolha EXISTENCIÁRIA [existenziell] e fática da historicidade [Geschichtlichkeit] da presença [Dasein], onde somente a historiografia surge e unicamente é. STMSCC: §76