Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

Página inicial > Léxico Alemão > Derrida (1987:41-42) – Gemüt

Derrida (1987:41-42) – Gemüt

quinta-feira 15 de fevereiro de 2024

Marcondes Cesar

Descartes   não abalou, pois, a ontologia medieval. Esta, detendo-se na distinção entre o ens creatum   e o ens infinitum ou increatum, não se interrogou sobre o ser desse ens. O que se passa, quanto à Renascença ou a modernidade do pensamento filosófico, é só o “implante de um preconceito funesto” que retardou uma analítica ontológica e temática do Gemüt   (parágrafo 6, p. 25). No horizonte, ou senão no programa de toda essa desconstrução (Destruktion  ) do espírito, parece assinalada uma tarefa, da qual se deveria seguir o destino ou o vir-a-ser ulterior na obra de Heidegger: a “analítica ontológica temática do Gemüt”. E existe um equivalente francês quanto a esta última palavra? Ponto por ponto? Não vejo. Se um dia Sein und Zeit   devesse ser traduzido, não sei qual termo seria o menos adequado. Boehm e de Waelhens   compreenderam bem que seria preciso evitar todas as palavras francesas que poderiam tentar mas imediatamente perder o tradutor: espírito, alma, coração. Imaginaram então um estranho estratagema, um recurso estranho: retomar a palavra latina e cartesiana mens  , o que não somente não traduz mas reintroduz no próprio programa que seria preciso evitar. Pelo menos o desvio artificial por mens   assinala uma dificuldade. Escapa a confusão pior. Qual seria a confusão pior? Pois bem, justamente a tradução de Gemüt por “espírito”, no momento [31] mesmo em que Heidegger prescreve, precisamente neste contexto, evitar (vermeiden) a palavra. Ora, é para essa palavra que a tradução Martineau  -Vezin   se precipita, como para confundir tudo.

A mesma delimitação visa tanto as “ciências do espírito”, a história como ciência do espírito ou a psicologia como ciência do espírito (Geisteswissenschaftliche Psychologie  ) quanto todo o aparelho conceitual que se organiza em torno da psyche   e da vida em Dilthey  , Bergson  , nos personalismos ou as antropologias filosóficas. Heidegger declara as diferenças, mas inscreve no mesmo conjunto todos os que fazem referências à vida e à estrutura intencional. Quer se trate de Husserl   ou de Scheler  , ocorre a mesma incapacidade de interrogar o ser da pessoa. Encontramos desenvolvimentos análogos n’Os problemas fundamentais da fenomenologia (GA24  :§15). Logo, neste ponto, o conceito de espírito, esse conceito de espírito, deve ser desconstruído. O que lhe falta, além de toda a questão ontológica sobre o que une o homem (alma, consciência, espírito e corpo), é bem então uma analítica do Gemüt.

original

Descartes n’a donc pas déplacé l’ontologie   médiévale. Celle-ci, en s’arrêtant à la distinction entre ens creatum et ens infinitum ou increatum, n’aurait pas interrogé l’être de cet ens. Ce qui passe pour la renaissance   ou la modernité de la pensée philosophique n’est que l’« implant d’un préjugé funeste » qui a retardé une analytique ontologique et thématique du Gemüt [SZ:§6, p. 25]. A l’horizon  , sinon au programme de toute cette déconstruction (Destruktion) de l’esprit, une tâche paraît assignée, dont il faudrait suivre la destinée ou le devenir ultérieur dans l’œuvre de Heidegger : l’« analytique ontologique thématique du Gemüt ». Y a-t-il un équivalent français pour ce dernier mot? Un mot à mot? Je n’en vois pas. Si un jour Sein   und Zeit   devait être traduit, je ne sais pas quel terme serait le moins inadéquat. Boehm et de Waelhens ont bien compris qu’il [41] fallait éviter tous les mots français qui pourraient tenter mais aussitôt égarer le traducteur : esprit, âme, cœur. Ils ont alors imaginé un étrange stratagème, un recours étranger : reprendre le mot latin et cartésien, mens, ce qui non seulement ne traduit pas mais réintroduit dans le programme cela même qu’il fallait éviter. Du moins le détour artificiel par mens signale-t-il une difficulté. Il échappe à la pire confusion. Quelle serait la pire confusion? Eh bien, justement la traduction de Gemüt par « esprit », au moment même où Heidegger prescrit, précisément dans ce contexte, d’éviter (vermeiden) ce mot. Or c’est celui vers lequel se précipite, comme pour tout brouiller, la traduction Martineau-Vezin.

La même dé-limitation vise aussi bien les « sciences de l’esprit », l’histoire comme science de l’esprit ou la psychologie comme science de l’esprit (Geisteswissenschaftliche Psychologie), et tout l’appareil conceptuel qui s’organise autour de la psyché et de la vie chez Dilthey, Bergson, dans les personnalismes ou les anthropologies philosophiques. Heidegger fait la part des différences. Mais il inscrit dans le même ensemble tous ceux qui font référence à la vie et à la structure intentionnelle. Qu’il s’agisse de Husserl ou de Scheler, c’est la même incapacité à interroger l’être de la personne. On trouve des développements analogues dans Les problèmes fondamentaux de la phénoménologie (§ 15). Bref, à ce point, le concept d’esprit, ce concept de l’esprit doit être déconstruit. Ce qui lui manque, outre toute question ontologique sur ce qui unit l’homme (âme, conscience, esprit et corps), c’est donc bien une analytique du Gemüt.

[DERRIDA  , Jacques. De l’esprit. Heidegger et la question. Paris: Galilée, 1987]

[DERRIDA, Jacques. Do espírito : Heidegger e a questão. Tr. Constança Marcondes Cesar. Campinas: Papirus, 1990]


Ver online : Jacques Derrida