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Imaginação e Tempo em Heidegger

Pegoraro (2006:116-119) – temporalidade (Zeitlichkeit)

A temporalidade do ser-no-mundo

quarta-feira 7 de junho de 2023, por Cardoso de Castro

O tema da temporalidade é uma das intuições mais originais de Heidegger [1]. Já sabemos que Ser e Tempo   explicita a temporalidade a partir da estrutura do cuidado. Releiamos essa noção: cuidado, como ser do ser-aí, significa: "estar-já-em… (no mundo) adiante-de-si-mesmo como ser-junto-de… (junto do ente encontrado no interior do mundo)". Nesse enunciado mostra-se a temporalidade do ser-aí: adiante-de-si indica o futuro; estar-já-aí… manifesta o ter-sido (o passado); e ser-junto-de… exprime o presente. Analisemos cada uma dessas estruturas.

1°) "Adiante" e "adiante-de-si" desvelam o futuro, o qual é possibilidade do ser-aí. O futuro é o próprio ser-aí enquanto poder-ser. Pelo élan, o ser-aí é projetado para frente, era "vista-de-si-mesmo", ou "em vista da…" explicitação de suas próprias possibilidades. Assim, a existência do ser-aí torna-se ek-sistência, isto é, autoprojeção (sichentwerfen) em direção da explicitação das possibilidades do ser-aí. Por seu caráter pro-jetivo, o futuro é ontologicamente ligado à compreensão do ser-aí.

2°) "Já" e "ser-já-em…" constituem a segunda componente temporal do cuidado. É claro que até o momento em que o ser-aí existe faticamente, ele "nunca é passado". O ser-aí, entretanto, "já-sempre-tem-sido" no sentido de "eu tenho sido". Heidegger exprime esse fenômeno numa frase lapidar: "O ser-aí é "ter-sido" até que existir".

Assim, o "já" mostra que o ser-aí, enquanto existe como "ter sido", é "sempre-já-lançado". O ser-aí, ao mesmo tempo que é, tem sido. (Ich-bin-gewesen)

Como o futuro temporaliza e explicita a existencialidade, assim o passado temporaliza e explicita a faticidade do ser-aí enquanto este é ser-lançado; à faticidade corresponde o sentimento de situação, pelo qual o ser-aí "se sente" como o ente que "tem sido constantemente". Assim, o passado se liga ontologicamente ao sentimento de situação.

3°) Vamos ao último elemento que compõe a temporalidade do cuidado: "ser-junto-de…" Essa estrutura exprime o fenômeno do presente. O ser-aí, enquanto existência, está sempre-já-junto-dos entes, preocupa-se com seu "mundo presente".

As três estruturas ontológicas que acabamos de descrever, mostram que temporalidade é precisamente a unidade dos três modos do tempo. A temporalidade é o "fenômeno unificado articulando-se como futuro que, depois de ter sido, se torna presente".

Futuro, passado e presente são ontologicamente extáticos, descritos fenomenologicamente significam: "voltar-se para"… suas possibilidades, "voltar-se sobre"… "seu ser-lançado" e "encontrar-se no"… meio dos entes subsistentes. [2] A extaticidade dos três tempos aparece nas três preposições [3]: para (zu), sobre (auf) e von (em).

A unidade dos três extases recebe o nome de Ekstatikon ou temporalidade. Esta é "a extaticidade original (ser-fora-de-si-próprio) em si e para si". O Ekstatikon é a união dos três extases do futuro, do passado e do presente. A unidade dos extases forma a extaticidade pura e simples. Tal é a posição heideggeriana  .

Nossa hipótese de trabalho leva-nos a afirmar justamente o contrário: há três extases porque há extaticidade. Desde o início do estudo de Kant   e o Problema da Metafísica, chamamos a essa extaticidade de tempo original, élan ou imaginação transcendental.

O élan, como modo de ser da existência, explicita o ser-aí e a união ontológica entre o ser-aí e o mundo. É ainda o élan que, como tempo original, permite enunciar o cuidado de modo temporal. Finalmente, o élan, como imaginação transcendental ou tempo original, funda a extaticidade dos três momentos do tempo cuja unidade é chamada por Heidegger de temporalidade.

Isso significa que, conforme nossa hipótese, o élan, a imaginação transcendental ou tempo original funda a temporalidade. Heidegger mostrou (por uma brilhante análise terminológica) a extaticidade dos três modos do tempo e a extaticidade da própria temporalidade. Mas ele não mostrou a "raiz" ontológica e fenomenológica da extaticidade.

Se o élan, a imaginação transcendental ou o tempo são um modo de ser do ser-aí, chegamos à conclusão de Agostinho  : "tempus est homo". Os três extases são, graças ao élan, três modos de existência do ser-aí: existencialidade (extase do futuro), faticidade (extase do passado) e queda (extase do presente). Tudo isso mostra-nos que o ser-aí como élan é essencialmente pro-dutivo. É o próprio Heidegger que diz: "essa produtividade original do sujeito foi anunciada pela primeira vez por Kant   em seu ensinamento sobre a imagem transcendental produtiva".

Portanto, élan, tempo original ou imaginação transcendental é ipseidade original e ipseidade pro-dutiva. Enquanto élan, o ser-aí é existência, ek-sistência, ser-em…, abertura e seu próprio "aí".

E inútil procurar em Ser e Tempo   textos para "provar apoditicamente" nossa hipótese. Mas uma coisa é certa: o próprio Heidegger percebe que é preciso ir ao fundo da temporalidade. Ele promete esclarecer a temporalidade após a elucidação do sentido do ser. Heidegger está certo de que a "temporalidade não é um ente subsistente". "Ela não é, mas se temporaliza". Ela certamente é determinada de uma maneira ou de outra. E os modos da temporalidade determinam os modos de ser do ser-aí.

Para nós também, a temporalidade não é um ente. Mas se ela é de um modo ou de outro, se ela se temporaliza, se é essencialmente extáticas. Devemos então procurar o fundamento de seu ser e de sua extaticidade.


Ver online : Olinto Pegoraro


[1Sobre o tema da temporalidade, consultar: A. De Waelhens, La philosophie de Martin Heidegger, Paris-Louvam, 7° edição, 1971, pp. 180-223; e, do mesmo autor, La philosophie et les expériences naturelles (Phaenomenologica, 9), La Haye, pp. 168-188.

[2Por "voltar-se-para…" "voltar-se-sobre…" e "encontrar-se-em…" foram traduzidas as seguintes expressões alemães: Auf-sich-zu…, Zurück-auf… e Begegnenlassenvon.

[3Zu (para) auf (sobre) e Von (em).