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Kierkegaard (CA): tempo e eternidade
sábado 27 de junho de 2020
Se se define o tempo corretamente como a sucessão infinita, o próximo passo seria, aparentemente, determiná-lo como presente, passado e futuro. Entretanto esta distinção é incorreta, se com isso se quiser dizer que ela se situa no próprio tempo; pois ela apenas surge em virtude da relação do tempo com a eternidade, e pela reflexão da eternidade nele. Se, com efeito, se pudesse encontrar uma base de apoio na sucessão infinita do tempo, ou seja, um presente que servisse de divisor, essa divisão seria inteiramente correta. Mas justamente porque todo e qualquer momento, assim como o é a soma dos momentos, é processo (um desfilar), então nenhum momento é um presente e, neste sentido, não há no tempo nem um presente, nem um passado, nem um futuro. Se acreditamos que somos capazes de sustentar essa divisão, isto ocorre porque espacializamos um momento – mas com isso paralisamos a sucessão infinita – isto ocorre porque introduzimos a representação, fizemos do tempo algo para a representação, em vez de o pensarmos. Contudo, mesmo assim não nos comportamos corretamente, porque, mesmo para a imaginação, a sucessão infinita do tempo é um presente infinitamente vazio. (Este é a paródia do eterno.) Os hindus referem-se a uma linhagem de reis que teriam reinado por 70.000 anos. Dos reis nada se sabe, nem ao menos os seus nomes (isso eu suponho). Se quisermos tomá-los como um exemplo para o tempo, então os 70.000 anos serão, para o pensamento, um sumir infinito, mas para a representação a linha se expande, espacializa-se compondo um panorama ilusório de um nada infinitamente vazio [1]. Tão logo, porém, fazemos cada um suceder ao outro, estabelecemos o presente.
O presente não é, entretanto, um conceito do tempo, a não ser justamente como algo infinitamente vazio de conteúdo, o que, por sua vez, corresponde ao desaparecer infinito. Se não atentarmos para isto, teremos posto o presente, mesmo que o deixemos desaparecer rapidamente, e, depois de tê-lo posto, ele novamente se apresentará nas determinações: o passado e o futuro.
O eterno, pelo contrário, é o presente. Pensado, o eterno é o presente como sucessão abolida (o tempo era a sucessão que passa). Para a representação, ele é uma progressão, porém progressão que não sai do lugar, porque o eterno para a imaginação é o presente infinitamente pleno de conteúdo. No eterno, por sua vez, não se encontra separação do passado e do futuro, porque o presente é posto como a sucessão abolida.
O tempo é, portanto, a sucessão infinita; a vida que apenas está no tempo e só pertence ao tempo não tem nenhum presente. É verdade que se costuma, às vezes, para definir a vida sensual, dizer que ela é (vivida) no instante e somente no instante. Compreende-se então por instante a abstração do eterno que, se quisermos tomar como presente, é uma paródia dele. O presente é o eterno ou, mais corretamente, o eterno é o presente, e o presente é o pleno. Neste sentido, afirmava o latino da divindade que estava praesens (praesentes dii) com cuja palavra, usada a propósito da divindade, indicava também a sua vigorosa assistência.
[Excerto de KIERKEGAARD , Søren. O conceito de angústia : uma simples reflexão psicológico-demonstrativa direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário. Tr. Álvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes, 2017 (epub)]
Ver online : TEMPO E ANGÚSTIA
[1] Isso, de resto, é o espaço. Quem for mais exercitado reconhecerá facilmente neste ponto a prova de que a minha exposição estava correta, pois tempo e espaço são inteiramente idênticos para o pensamento abstrato (nacheinander e nebeneinander) e se tornam tais para a representação, e são de verdade assim na definição de Deus que o declara onipresente.