Na busca da Palavra originária é preciso rastrear sua manifestação. A manifestação da Palavra pode dar-se em qualquer idioma e geralmente converge para a mesma origem. A Palavra é historial, é a emergência de um momento de sintonia do Da-sein com o mundo, é a apreensão da fugidia abertura do Ser para o Da-sein. Por isso é interessante "ouvir" também o que a Palavra tem a dizer em outras línguas.
Em um de seus trabalhos, Heidegger relata a conversa que teve com um japonês (esconde-se, o autor, sob a figura de um "interlocutor") e diz achar curioso o interesse que alguns orientais têm demonstrado por seus cursos, sobretudo aqueles que tratam especificamente da análise da linguagem, valendo-se de textos poéticos em língua alemã. A curiosidade e o envolvimento no diálogo levam-no a analisar algumas palavras em japonês. Iki é "manifestação do arroubo por alguma coisa extraordinária e supra-sensível". A palavra é usada com relação à expressão da emoção estética. Iki é irradiação, brilho, força que brota do interior. Heidegger quer mostrar a proximidade da palavra com expressões equivalentes em línguas europeias; quer mostrar também a qualidade de expressão do dito pela palavra Iki.
A diferença de vocábulos não perturba o caminho para a palavra de origem. A Palavra não é signo do Ser que ela manifesta. Por isso não tem sentido buscar um símbolo originário apenas, ou seja, um símbolo que, hipoteticamente, deveria ser único. A Palavra não é signo, não é sinal. Ela "faz" sinal, acena para que o Da-sein possa aproximar-se. Mas para entender o sinal que a Palavra faz, é preciso o espaço de escuta. E preciso pesar cada palavra na balança do ourives.
O peso da Palavra está, muitas vezes, no segredo que ela guarda. A Palavra originária está situada sempre no âmbito da vida. Ela aparece, deixa-se ouvir, torna-se fenômeno — phainesthai — apenas no espaço privado daquele que pode ouvi-la. Nesse sentido, ao entender dessa forma, Heidegger diz pensar de modo mais originário que os próprios gregos ou, de outra forma, tomar mais originariamente o que primeiro foi pensado à maneira grega.
A retomada do sentido de "Hermenêutica" liga ainda o termo à origem mitológica da Grécia, a Hermes, mensageiro dos deuses. A relação do homem com a Palavra é hermenêutica porque o homem é o mensageiro do anúncio da Palavra, pronunciando-a. Falando, o Homem con-clama a presença do Ser, ao mesmo tempo pro-clamando-o. Fazendo presente o Ser e sendo ele mesmo presença, pela fala ele caminha em direção ao encontro.
Falar sobre a Palavra é fazer dela um objeto. Ouvi-la é comungar com ela. A propriedade dessa comunhão pode ser sentida, mesmo quando se capta ou ouve a manifestação da Palavra em outra língua. Por ocasião do mesmo relato da conversa com o japonês, Heidegger propõe, também, a análise da palavra koto ba que significa Palavra. Etimologicamente, em sua origem, koto ba significa "o anúncio iluminador da inclinação antecipadora que, desde o início, governa o surgir das pétalas de flores". A palavra significa o "dizer a physis"; o mesmo peso do dinâmico brotar da physis, do movimento tenso do logos, tem o sentido de Palavra, dita em japonês. A linguagem originária converge na origem; essa é a legítima expectativa daqueles que a buscam.
Investigar a Palavra exige que se deixe a questão em aberto. Chamar a atenção para a questão da originariedade da Palavra, apontar o caminho para ela, é a condição para dela poder aproximar-se. E preciso fazer silêncio sobre o fazer silêncio… porque falar e escrever sobre o fazer silêncio ocasiona a mais perniciosa tagarelice.
Quando Heidegger pronuncia as três conferências, compiladas em Das Wesen der Sprache, propõe-se fazer uma experiência com a Palavra. Essa experiência consiste em deixar-se abordar pela palavra que a Palavra nos dirige. Questiona a relação superficial que os homens têm com sua língua materna; é preciso aprofundar a relação com a língua mãe, degustá-la, fazê-la sempre mais próxima. A superficialidade na relação com a língua primeira denota a superficialidade do próprio dizer. Quanto mais próximo está o Homem do dizer espontâneo que pode desenvolver-se sem consciência, mais distante ele se torna do sentido mais real desse dizer. O nomear se perde, descaracteriza-se, automatiza-se, dissolve-se; perde-se e dilui-se, também, o Ser nomeado.
É o poeta, ainda, que pode relacionar-se com sua própria língua na clareira, no lugar iluminado do encontro onde manifesta-se o ente. O poeta, vocacionado, chamado pela Palavra que é fonte de Ser, convive com a relação enigmática da Palavra com o Ser que ela nomeia. O enigma é o lugar da busca, o lugar da convivência do poeta com a palavra de origem. A palavra poética está, já e ainda, no Ser e por isso é a única capaz de dizê-lo. A experiência da Palavra conduz para a submissão do falar à Palavra e ao Silêncio. A experiência da Palavra leva ao lugar onde aproximam-se Poesia e Pensamento. A experiência da Palavra renuncia ao conhecer e aprende que o pensamento é apenas o pôr em questão o enigma do Ser, mas que a Poesia é a manifestação do próprio enigma como o modo de aparecer do Ser.
O que a Palavra fala é o modo de ser das coisas. Buscar a essência da Palavra é deparar-se, na origem, com a essência das coisas. Por isso pode-se dizer, com Heidegger, que a "essência da Palavra é a palavra da Essência"; a essência da Palavra é ser palavra da essência, é dizer a essência. Na solidão do dizer, no enigma da essência da Palavra que é palavra que diz a Essência, mora o poeta. O poeta que pode aproximar-se da origem, sulcando o caminho, diz o originário, louvando-o. A palavra poética, a palavra originária, é também louvor. O louvor por excelência expressa-se no canto — Laudes. Poesia é canto e o poeta, cantor. O canto mais próximo da origem é o cantochão. O cantochão é a festa de chegada dos deuses quando tudo se transforma em paz. E palavra laudatória que diz o nome e se entrega à contemplação da origem. Cantar e pensar são os troncos vizinhos do poetar… O canto é, de certa forma, poesia.
Sinuosos os caminhos que apontam para a linguagem originária! Frequentemente o falar cotidiano esconde a via tão arduamente desbravada. Na linha do falar cotidiano está o falar da representação:
A palavra não está somente lá onde falamos de modo costumeiro. O que ela retém é determinado pelo que ela contém e retém, em si, com sua origem (retendo e reservando sua origem) e assim recusa a dizer sua essência no nosso modo habitual de pensar, que é a representação. Nesse caso, na representação, não é mais permitido dizer que a palavra da essência é a essência da palavra26.
É na vizinhança do pensar e do poetar que se situa a palavra como casa do Ser. O que é primeiro, entretanto? E o poetar que vem aproximar-se do Pensamento ou, ao contrário, é este que busca a Poesia como o lugar de proveniência. Poesia e Pensamento caminham paralelamente — para allelon — ao lado um do outro. Apenas é possível a expectativa do encontro, no infinito.
O destino do homem é habitar na terra, peregrino, conduzido pelo enigma proveniente da vizinhança do Pensar e do verdadeiro dizer, do Dizer originário que é Poesia. Por isso é preciso voltar à Palavra, retornar ao lugar onde sempre se esteve. Essa Palavra não "é" mas "dá-se"- es gibt. A Palavra dá-se e dá alguma coisa; a Palavra é doadora de Ser.
A Palavra que "dá" é o "Dito", e é nele que a essência da Palavra é a palavra da Essência — Das Wesen der Sprache: die Sprache des Wesens. No Dito, a palavra aparece como o coração da essência. O desafio do pensar é o apelo da inatingível origem onde se situa o Dito — em alemão, Sage — a Saga. O Dito é o com-preendido na fala. O vocábulo, a palavra em sua materialidade, não é Dito. Jamais e em nenhuma língua o pronunciado é o Dito. A Palavra faz—se Dito quando transcende sua forma estrutural e quando se torna compreendida por aquele que a diz ou a ouve. Analisar sua estrutura é apenas o caminho para chegar ao Dito, pois a palavra originária, o Dito, não está na estrutura de uma língua qualquer, mas no falar próprio do homem que o diz, compreendendo-se e fazendo-se compreender.
De muitos modos a Palavra acena para ser ouvida: Winke winken auf vielfaltige Weise. Na proximidade — die Nähe -, ela se deixa adivinhar. O amadurecimento da relação Ser e Palavra indica o caminho para a proximidade. Tempo e espaço, a serviço da palavra, permitem que ela se ponha como re-ferência de espacialização e de temporalização. Desse modo a palavra é ordem, é paz, é ritmo, dança e canto, é repouso. Novalis diz o Mistério da Palavra originária: precisamente o que a palavra tem de próprio, a saber, que ela cuida apenas dela mesma, ninguém o sabe.
Podemos ouvir a Palavra, ainda que Enigma, porque a ela pertencemos. A Palavra que ouvimos, o Dito, é aquilo que se destina, propriamente, a ser ouvido pelo ser humano, em seu destino terrestre. Todo o Dito é, portanto, histórico.
Toda palavra propriamente dita, sendo endereçada pelo pôr-se a caminho do Dito ao ser humano…, é histórica. Não há palavra natural, no sentido em que ela seria a palavra de uma natureza humana sem destino, a-histórica e dada em si mesma. Toda palavra é histórica, mesmo onde o homem não conhece, no sentido europeu, a historização. Mesmo a língua como informação não é a palavra em si; ela é, ao contrário, histórica….
Com inspiração nos textos de Heidegger, especialmente os que tematizam a Poesia, procurou-se fazer uma releitura do dizer poético. Acompanhando Heidegger quando fala da especificidade da produção poética como o modo próprio do existir humano, quando analisa, em sua origem, vocábulos gregos ou do antigo alemão, procurando ouvi-los como foram ditos nos primórdios, ou ainda quando percorre com os poetas (Rilke , Hölderlin , Stefan George, Trakl etc.) os "caminhos da floresta" em busca da clareira do Ser, pretende-se navegar nas águas da Poesia/Filosofia como os pensadores faziam quando nem uma, nem outra, haviam-se estabelecido com suas estruturas categoriais. E, embora Schiller já tenha dito que é impossível ao homem moderno retornar às origens na poesia ingênua dos primeiros tempos gregos, resta a esperança, não do retorno, mas do re-encontro em outro ponto do caminho. Tateando na busca e atentos para os perigos do pensar que Heidegger já apontava:
Três perigos ameaçam o pensar.O bom perigo e por isso benfazejo é a vizinhança do poeta que canta.O mau perigo e por isso mais agudo é o pensar mesmo, o que apenas raramente consegue.O pior perigo e por isso confuso é o filosofar.