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GA39:172-176 – destino [Schicksal] e sofrimento [Leidenschaft]

sexta-feira 1º de novembro de 2024, por Cardoso de Castro

A palavra [Schicksal, destino] mostra uma multiplicidade característica de sentido, mesmo à parte do que ela significa em termos de seu próprio conteúdo: destino como (1) um poder determinante e governante, (2) um modo de ser, e (3) um sendo que é determinado em cada ocasião pelo modo de tal ser, que está sob tal poder. Todos os três significados estão contidos nas linhas que acabamos de citar. O que “destino” significa aqui é ser contado poeticamente ao pensar através do seer dos semideuses, e o seer assim revelado é, portanto, envolto na palavra, ser colocado na verdade do povo, portanto em sua vontade consciente, ou seja: tal seer é, portanto, ser fundado. Essa é a vontade interna desse poema [Reno, de Hölderlin].

A título de antecipação, e meramente para evitar equívocos, podemos dizer o que, desde o início, não pode ser referido por essa palavra. O poeta não está pensando em “destino” no sentido de um ‘fatum’ ou ‘fatalidade’, pelo qual representamos o seer no sentido de uma progressão sem vontade e sem conhecimento em meio ao desdobramento perpétuo de alguma fatalidade impassível dentro da totalidade dos entes que permanecem envoltos em si mesmos. Precisamente essa representação asiática do destino, como podemos chamá-la, é criativamente superada no pensamento de Hölderlin. A primeira superação do sentido asiático de fatum foi realizada pelos gregos em uma superação que, na forma de sua realização, permanece irrepetível, e que ocorreu em uníssono com o surgimento desse povo por meio da poesia, do pensamento e do estadismo. Pelo fato de os gregos conhecerem μοῖρα e δίκη como tais, o que é assim chamado se coloca à luz de um ser que os ultrapassa. Ele perde seu caráter cego e exclusivo e, ao mesmo tempo, assume primeiro o aspecto daquilo que é extraordinário, de uma distribuição e determinação que estabelece limites. A experiência fundamental nisso é a experiência da morte e o conhecimento da morte. Por essa razão também, nenhum conceito de seer é adequado se não tiver se proposto a pensar a morte.

No entanto, não devemos equiparar o conhecimento do destino de Hölderlin com o grego. Devemos aprender a usar essa palavra alemã essencial para nomear um seer essencial em seu verdadeiro conteúdo alemão, e fazê-lo de uma maneira essencial, o que também significa: raramente.

Além de evitarmos tais equívocos a respeito de como esse ser que é nomeado pela palavra “destino” deve ser determinado, também é possível e necessário dizer em que perspectiva devemos pensar na poetização de Hölderlin em geral para chegarmos a um entendimento correto. O que se pensa em destino é o seer dos semideuses — um seer que está ao mesmo tempo acima do humano e abaixo do divino e, de fato, de tal forma que precisamente o ser humano e o ser divino, em cada caso, correspondem à sua própria maneira a esse ser como destino; ou seja, cada um tem sua própria relação com ele. Somente se o seer, no sentido de destino, falar conosco, será possível uma correspondência adequada ao ser, seja uma correspondência ao humano ou aos deuses (co-respondência no “diálogo”).

Por outro lado, seer no sentido de destino não transmite diretamente nenhuma correspondência, por exemplo, ao ser de uma pedra, de uma rosa ou de uma águia. De fato, experimentamos diretamente a pedra, a planta e o animal como entes. No entanto, quem, quando perguntado, teria a presunção de dizer como as coisas são com relação ao ser desses entes? Será que a pedra “tem” seu seer, assim como “tem” sua extensão, peso, dureza e cor? E onde, então, esse seer “reside”? E, da mesma forma, no caso da rosa e da águia: Podemos dizer apenas uma coisa, e apenas com base em um argumento muito difícil: pedra, planta e animal são — mas seu “próprio” seer permanece fechado para eles como tal seer e, de fato, de uma maneira diferente a cada vez para cada um desses entes. É até precipitado dizer que eles têm seu “próprio” seer.

Para nós, humanos, por outro lado, nosso seer — que somos e como somos — se manifesta para nós de certa forma, mas não apenas, e não principalmente, por termos conhecimento desse seer como algo já estabelecido que podemos verificar, da mesma forma que, por exemplo, podemos tomar conhecimento do fato de que uma torre se ergue sobre o Feldberg. Algo assim não nos afeta. Mas nosso ser nos afeta: não podemos ser de forma alguma sem sermos afetados por esse ser. Nosso ser, no entanto, não é o de um sujeito individualizado, mas sim, de acordo com o que foi dito anteriormente (p. 126), é o ser histórico uns com os outros como ser em um mundo. O fato de esse ser do ser humano ser, em cada caso, meu, não significa que esse ser seja “subjetivado” — confinado ao indivíduo isolado e determinado a partir dele — mas significa apenas que, em primeira e última instância, e sempre, esse ser histórico do ser humano com o outro deve passar por decisões que ninguém jamais poderá tomar de outro.

De fato, somos da opinião de que somos nós que dirigimos inteiramente nosso ser e dispomos sobre ele. Em certo sentido, isso é verdade, mas em certo sentido é igualmente falso, pois não concedemos tal poder a nós mesmos nem podemos tirar tal poder de nós mesmos. Mesmo no ato mais livre de suicídio — supondo que sejamos capazes de saber o que “livre” deve significar aqui — podemos, de fato, tirar tal seer de nós mesmos, mas nunca podemos tomá-lo de nós mesmos e, assim, por assim dizer, nos livrarmos do seer, porque com essa aniquilação do seer nós nos aniquilamos, de modo que precisamente falta aquele que poderia agora “ser” (!) livrado de seu seer. Precisamente aqui, a relação única do ser humano, como um ente, mostra-se como uma relação com o ser desse ente.

Nosso ser é aquele ao qual, como dizemos, somos lançados, sem conhecer a trajetória desse lançamento e sem que, proximamente e na maior parte do tempo, assumamos explicitamente esse lançamento em nosso Dasein, porque, inconscientemente, sempre o evitamos por todos os tipos de razões. No entanto, de uma forma ou de outra, devemos assumir a responsabilidade pelo ser [Sein] ao qual estamos sendo entregues. Isso quer dizer que: Nosso ser não é apenas ser-jogado [Geworfenheit], é ao mesmo tempo projeção [Entwurf]: uma projeção na qual, de uma forma ou de outra, a trajetória do arremesso de nosso arremesso se abre ou se fecha e se contorce, e o faz como uma missão ou mandato. Esse seer que excede o humano — de acordo com o qual um ser humano não é simplesmente um ser humano — será, portanto, tal que assumirá, de uma maneira suprema, o ser como algo que o ultrapassou: para realmente sofrê-lo — em um sofrimento que é bastante remoto de toda miséria e de todo mero suportar abatido. Nesse sofrimento [Leiden] está a origem do que devemos compreender verdadeiramente como paixão [Leidenschaft]. Esse ser, que por sua essência é um sofrimento em si mesmo, só pode, portanto, ser experimentado adequadamente por alguém que seja capaz de tal sofrimento, ou seja, que seja capaz de estar à altura da magnitude de uma necessidade. Esse sofrimento, no qual o seer se manifesta como destino, não é, entretanto, uma mera capacidade de simplesmente receber, por assim dizer, um destino que está diante dele. Em vez disso, esse sofrimento é criativo. Ele revela e desdobra a necessidade.

Somente nesse sofrimento é que um destino pode se apoderar de nós, um destino que nunca está simplesmente presente diante de nós, mas que é um envio — isto é, é enviado a nós — e de tal forma que nos envia em direção à nossa vocação, desde que nós mesmos nos enviemos verdadeiramente a ele e saibamos o que é adequadamente enviado e, ao sabê-lo, o desejemos. O conceito e a palavra “adequadamente enviado ou destinado” [das Schickliche], frequentemente usados por Hölderlin, têm um significado essencial para ele e uma relação intrínseca precisamente com a renovação e a transformação do ser humano, no sentido de um ser além do que é meramente habitual e cotidiano.


Ver online : Hölderlins Hymnen “Germanien” und “Der Rhein [GA39]