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GA13:15-17 – o entendimento [Verständigung]

sexta-feira 1º de novembro de 2024, por Cardoso de Castro

Sempre achamos surpreendente que os dois povos vizinhos que desempenharam o maior papel na formação histórica e espiritual do Ocidente — os franceses e os alemães — tenham tanta dificuldade em chegar a um “entendimento” [Verständigung]. Com a mesma frequência, nos deparamos com a convicção de que esse “entendimento” se tornou impossível e que a única coisa a se aspirar é evitar a discórdia extrema. Mas e se esse espanto e essa convicção tivessem que ser afirmados com tanta obstinação porque eles mal têm qualquer entendimento da única coisa que pode e deve ser chamada de “entendimento” aqui?

O autêntico entender-se dos povos [Sichverstehen der Völker] é estabelecido e realizado na meditação [Besinnung], que deve ocorrer por meio do diálogo criativo (schaffend) sobre o que lhes foi dado em comum e historicamente proposto. Nessa meditação, o povo será guiado de volta ao que é seu em cada caso e, dessa forma, ele se erguerá com maior clareza e firmeza. O que é mais próprio de um povo é apenas aquilo que lhe foi atribuído e por meio do qual ele cresce além de si mesmo em seu referencial histórico e, assim, chega a si mesmo pela primeira vez. Na hora atual do mundo, a característica fundamental de sua remissão é prefigurada para os povos formadores de história do Ocidente como a salvação [Rettung] do Ocidente. A salvação não significa aqui a mera preservação do que quase desapareceu, mas significa originalmente a justificação que cria novamente sua história como ela foi (gewesen) e está por vir. O fato de os povos vizinhos se entenderem mutuamente naquilo que lhes é mais próprio significa, portanto, dar a conhecer uns aos outros a necessidade [22] dessa salvação, como uma tarefa que é, em cada caso, própria. O conhecimento dessa necessidade surge, em primeiro lugar e acima de tudo, da experiência da urgência que surge com a ameaça mais íntima do Ocidente, bem como da força para o projeto de iluminação das mais altas possibilidades da existência ocidental (Dasein). Uma vez que a ameaça do Ocidente tem a intenção de levar a um desenraizamento completo e à perplexidade geral, a vontade de renovação deve, ao contrário, ser guiada desde seus fundamentos por decisões definitivas.

O entendimento, em seu sentido próprio, é a coragem superior de reconhecer o que é próprio do outro com base em uma necessidade que se espalha. O entendimento histórico e criativo (schöpferisch) nunca é o autocompromisso de uma fraqueza, mas pressupõe o verdadeiro orgulho do povo. O orgulho, fundamentalmente diferente da vaidade, é a firmeza que nasce do fato de estarmos em nossa própria posição essencial, uma posição que surge da tarefa assumida.

Na maioria das vezes, no entanto, só conhecemos o entendimento no sentido impróprio, nós o consideramos suspeito e ficamos desapontados com as tentativas nesse sentido. Isso não é por acaso. Pois o entendimento impróprio leva apenas a um acordo provisório, um acordo ocasional obtido por meio da compensação das reivindicações e desempenhos em vigor na época. Esse entendimento é sempre superficial e cheio de reservas ocultas e manifestas. Esse entendimento pode ser indispensável em determinados momentos. Ele tem uma utilidade condicional. Mas lhe falta o poder histórico-criativo do entendimento autêntico, que transforma mutuamente aqueles que se entendem e, assim, aproxima o seu próprio entendimento, que é sempre o mais certo e o mais oculto ao mesmo tempo. O verdadeiro entendimento é, portanto, o oposto de uma renúncia ao próprio modo de ser e de uma integração sem posição. O verdadeiro entendimento [23] tem sua marca distintiva no fato de não se permitir ser instantaneamente calculada em termos de sucesso e resultados claros. O entender-se próprio não produz aquele apaziguamento que imediatamente degenera em indiferença recíproca, mas é, em si mesmo, a inquietação do questionamento mútuo por causa da preocupação com as tarefas históricas comuns.


Ver online : Aus der Erfahrung des Denkens. 1910-76 [GA13]


HEIDEGGER, Martin. Experiencias del pensar: 1910-1976 [GA13]. Tr. Francisco de Lara. Madrid: Abada Editores, 2014, p. 21-23