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Ernildo Stein (2012b:154-156) – polissemia e disseminação de significados

domingo 17 de novembro de 2024, por Cardoso de Castro

[…] enquanto a polissemia fala em origem do significado [Bedeutung] pela significância [Bedeutsamkeit], na qual esta é o ponto que se multiplica e se dissemina em múltiplos significados, [por outro lado,] partindo de um ponto que se multiplica e se dissemina, a disseminação afirma que, na origem, temos múltiplos elementos disseminados e, por meio deles, podemos descobrir como algo se constitui, isto é, significa. A primeira posição, da polissemia, é a de Heidegger; a segunda, da disseminação, é a de Freud  .

Em qualquer das duas posições, todavia, pressupõe-se um espaço, isto é, uma “totalidade” na qual podemos trabalhar com a interpretação, ainda que, em Heidegger, essa “totalidade” já seja antecipada desde o começo, e, em Freud  , seria o produto final da análise, se pudéssemos chegar da disseminação a um universo inteiramente constituído. Em Heidegger, nós poderíamos dizer que o ser humano revela uma incompletude, porque nós nunca conseguimos articulá-lo desde sua origem até a multiplicidade de significados que irá constituí-lo. Já em Freud  , o problema é que nós nunca conseguiremos uma imagem integral do homem, porque nós nos situamos onde o ser humano não é origem, isto é, ele não origina os elementos da significação ou do significado, mas é constituído por eles — ele é sustentado pelos significantes, como diria Lacan  .

[157] No âmbito psicanalítico, temos de imaginar determinado ser humano concreto que, tendo vivido X anos de vida, com um número X de experiências biográficas, terá um conjunto de significados disseminados que, de alguma maneira, o manterão dividido, desarticulado, “rachado”. Isso ocorre porque a direção na qual os significantes vão, que é onde se constituiria o homem propriamente, não se esgota nunca. Quer dizer, nós podemos dizer que o indivíduo tem um número X de significantes inconscientes determinantes na sua vida, que foram se dando ao longo de sua vida e suas experiências pessoais. A nossa tendência, com isso, seria tentar entendê-lo a partir desses significantes como uma unidade.

Em Heidegger, portanto, a ideia da significância como ponto de origem pensa o homem em sua universalidade, ainda que preservando certa singularidade; em Freud  , pelo contrário, pensamos a singularidade do homem, ainda que o ponto de origem seja universal ou, como poderíamos denominar, “transindividual” ou, como ele mesmo chama, filogenético, composto por elementos herdados de outras gerações que retornariam no indivíduo.

Esses dois feixes contrários que estou apresentando servem para dar conta de dois modos de apresentação: em Heidegger, sempre teremos uma abertura desse feixe, isto é, uma ampliação na analítica existencial no seu desenvolvimento; em Freud  , a proposta é fechar esse feixe ao âmbito da singularidade do indivíduo diante da multiplicidade de significantes, ou seja, a tarefa é pensar como os significantes afetam cada indivíduo em sua vida pessoal.

E, na medida em que o indivíduo não é capaz de bloquear esse universo de significantes em uma totalidade fechada, ele é fraturado, não completo. Na interpretação psicanalítica, a tendência será tentar reproduzir esse todo ao catalogar alguém como histérico, psicótico, com neurose de caráter, etc. Com isso, o analista está fazendo da disseminação de significantes a produção de uma espécie de unidade, mas que reproduz um ser objetificado, que ele pensa poder ter em sua frente, [158] mas justamente essa tentativa de interpretação é a aplicação de uma hermenêutica que a Psicanálise não suporta, quer dizer, com isso, toma-se a interpretação como um procedimento realizado por aquele que sabe mais do que o que é interpretado, quem interpreta domina a articulação daquilo que constitui o interpretado. Assim, isso demonstra a própria relação analista-analisante: enquanto o analista quiser, de alguma maneira, dar uma unidade a essa dimensão de significantes espalhados, ele fechará a possibilidade de interpretação, o que significa, aqui, que a interpretação morre. Nesse sentido, a interpretação é do analisante, e não do analista. Se isso é assim, porém, qual a função do analista na interpretação?


Ver online : Ernildo Stein


STEIN, Ernildo. Analítica Existencial e Psicanálise. Freud — Binswanger — Lacan — Boss. Ijuí: Editora Unijuí, 2012b