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Ernildo Stein (2012b:154-156) – hermenêutica da facticidade

domingo 17 de novembro de 2024, por Cardoso de Castro

A segunda parte que eu gostaria de iniciar, agora, trata da hermenêutica da faticidade ou da teoria da compreensão heideggeriana  . O que Heidegger tenta elaborar é um novo método para a compreensão do ser humano, mas não desde fora, desde um grande significante. Quando temos o ser humano situado apenas no universo da temporalidade [Zeitlichkeit], temos como hipótese uma interpretação por meio da analítica existencial ou, como ele chamou inicialmente, de hermenêutica da faticidade. Esta tem como meta, basicamente, a descrição do Dasein em sua historicidade [Geschichtlichkeit] e temporalidade, enquanto fonte de significância, isto é, enquanto aquele ente que tem como horizonte a compreensão de si mesmo. Assim, o ser humano, ao compreender a si mesmo, não se apanha em sua totalidade; mas, ao mesmo tempo, não pode deixar de se compreender, porque isso constitui a sua essência.

A descrição da analítica existencial pretende fazer uma espécie de desdobramento das condições fundamentais do ser humano enquanto o ente que constitui sentido [Sinn] ou significado [Bedeutung]. O que significa constituir sentido? Não é um sujeito exterior que atribui nomes ou que dá sentido às coisas no mundo. Heidegger remete a operação de dar significado ao espaço da significância e da articulação do ser humano com o modo desde sempre. E, conforme o que vimos anteriormente, esta articulação com o mundo, em que o ser humano lida com o universo da cultura, com artefatos e objetos, gerará uma polissemia, ou seja, esta multiplicação de [155] sentidos que aparece no mundo humano como o resultado de sua própria finitude. Quer dizer, o ser humano constitui essa espécie de polissemia, que se dá pela impossibilidade de o reduzirmos a um fato único.

Ao desenvolver sua hermenêutica da faticidade, Heidegger dirá que devemos prestar atenção às diversas manifestações ou os modos de o ser humano “coagular” seus comportamentos e atividades, pois ele sempre significou sua relação com o mundo. Dito de maneira metafórica, o ser humano sempre “sinalizou” sua “passagem” pelo mundo — ainda que esta “passagem” não seja algo do passado, pois ela acompanha o ser humano. Ou seja, sobraram “vestígios” do ser humano, que não são da cultura, mas daquilo que constitui o próprio ser humano, porque ele é um pouco esse mundo no qual ele está.

Quando Heidegger diz “o Dasein é um ser-no-mundo”, ele está dizendo que o Dasein não apenas está no mundo como um objeto, mas que ele constitui e é constituído pelo mundo. Isso é a produção de sentido [Sinn] e significado [Bedeutung]. A significância [Bedeutsamkeit] resulta da faticidade do Dasein. É por isso que não posso localizá-la ou marcá-la em algum lugar, porque ela não está em lugar algum; ela se dá com o homem enquanto ser-no-mundo. É claro que essa significância articula-se com as três dimensões temporais [Ekstase], sendo que a faticidade é a dimensão que une os significados. Essa união, no entanto, só acontece na medida que o homem é faticidade e projeto [Entwurf]. Quando, por exemplo, o Dasein se aproxima de determinado objeto, de si mesmo como objeto da analítica existencial ou da cultura, ele realiza uma projeção de sentido, uma antecipação da compreensão, sem a qual ele não progride. Assim, na medida em que explicitamos e desenvolvemos essa projeção de sentido, nós a convertemos em significado, ou seja, o sentido é convertido, por intermédio da faticidade, em significado. O ser humano sempre trabalha projetivamente com certo horizonte de sentido e, quando isso torna-se “passado”, é visto como fático; nós temos, como resultado, o significado, aquilo que discutimos no universo da semântica, mas esta semântica não é uma teoria empírica, pois está ligada à significância [Bedeutsamkeit]. Em Heidegger, o homem é alguém que [156] tem essa estrutura tríplice [Ekstase] (futuro, passado e presente), que podemos chamar de significância, coincidente com o seu modo de ser no mundo. E esta dimensão de significância dá-se, preponderamente, na faticidade, que é a condição para o Dasein “coagular” o futuro em um passado.


Ver online : Ernildo Stein


STEIN, Ernildo. Analítica Existencial e Psicanálise. Freud — Binswanger — Lacan — Boss. Ijuí: Editora Unijuí, 2012b