Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

Página inicial > Hermenêutica > Brague (1988:196-197) – Dasein

Brague (1988:196-197) – Dasein

quinta-feira 31 de outubro de 2024

[…] o passo que nos permite concluir da perpetuidade da atividade humana para a existência de uma atividade própria do homem não teria sido possível se o filósofo [Aristóteles  ] não tivesse em mente essa “atividade” que nunca deixamos de exercer, e que é a vida como presença no mundo. É o que “fazemos aqui” — ser-no-mundo — que constitui a unidade de todas as atividades e que nos permite dar o passo em direção à ideia da própria atividade do homem.

Esse ser-no-mundo permanece não sistematizado. Portanto, ele terá de ser substituído por uma das atividades do homem, aquela que constituirá seu privilégio exclusivo e que, além disso, pode ser considerada como, de alguma forma, resumindo aquelas que lhe são subordinadas (cf. Alma, II, 3, 414 b 29-32). Agora, podemos ver que, quando Aristóteles   fala da “atividade do homem”, são os dois termos da [197] expressão que merecem ser questionados, e não apenas o de atividade. O que está em jogo em nossa passagem é a própria determinação do homem como o sujeito da ética que posteriormente governará toda a moralidade aristotélica. O fato de existir algo como uma obra do homem pressupõe, mas também exige, que o que está em questão aqui é o “homem”. Mas isso pressupõe que estamos olhando para a atividade, não para o ser-em-vida. Este último, de fato, nada mais é do que a presença de um mundo e para um mundo e, de certa forma, não há nada especificamente humano nessa presença. É certo que o homem é o seu e, ao que parece, o único lugar onde essa presença ocorre. Mas essa presença não é, de forma alguma, a de uma coisa presente determinada — por exemplo, a do homo sapiens. Pelo contrário, é a presença de tudo o que está presente, sem exceção, e, como presença, não varia de acordo com a natureza do que está presente. O homem se caracteriza por sua capacidade de ser o locus de uma presença que nada tem de humana, mas que acolhe a totalidade do que é. Por outro lado, se levarmos em conta não o ser-em-vida, mas a atividade (ergon), esta não só estará situada no homem, mas também será a atividade do homem. Como resultado, ela será capaz de distinguir o homem de outros seres vivos e desempenhar, dentro desse gênero, o papel da diferença específica que tornará possível fornecer uma definição. Falar da “atividade do homem” é, portanto, de certa forma, produzir o homem por redução da presença no/do mundo no homem — essa presença que Heidegger recuperaria e denominaria Dasein. Colocar-se na perspectiva da atividade e abster-se de tematizar o Dasein em favor do “homem” é uma e a mesma coisa. Assim, a ética aristotélica está situada em um nível em que o ser-no-mundo permanece implícito.

[BRAGUE  , Rémi. Aristote   et la question du monde. Essai sur le contexte cosmologique et anthropologique de l’ontologie. Paris: PUF, 1988]


Ver online : Rémi Brague