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Zarader (2000:200-201) – Wesen
quarta-feira 30 de outubro de 2024
[…] A essência no sentido verbal, o Wesen heideggeriano, seria em todos os casos «não conteúdo, mas sim condição de possibilidade» [1]; seria para ser entendida como envasamento «formal» que torna possível «qualquer preenchimento material» [2]. Ora parece-me que uma definição deste tipo só se aplica à essência do Dasein, tal como é apresentada no Sein und Zeit ;, esta essência pode com certeza ser entendida como uma estrutura puramente formal, que «não traz qualquer generalidade empírica, mas que trata da generalidade incondicional [200] e apriorista» [3]. Deixa de ser a mesma coisa após a viragem: a essência verbal de qualquer questão, tal como aparece no seguimento da obra, perdeu esse carácter de pura formalidade. Alias, propriamente falando, não é nem forma nem conteúdo: é o desdobrar da «própria coisa». Mas se quisermos absolutamente traduzir esse desdobrar no léxico forma-contéudo, temos então de reconhecer que é de facto o próprio conteúdo da coisa considerada que «reina» na essência, e se desdobra nela.
Ora quando Heidegger pensa no aparecimento, na memória ou na doação historial, ele estende a essência (da linguagem, do pensamento, etc.) através de categorias que inicialmente pertenciam ao mundo bíblico. Uma vez que eram pegadas num outro contexto e que seriam, algumas delas para a aproximação de uma outra questão, estavam munidas de um sentido completamente diferente, nomeadamente ético. Heidegger abandona esse sentido; abandona o seu conteúdo bíblico para reter apenas as suas estruturas. Através disso entrega-se de facto a um trabalho de formalização [4]. Mas este já não é para ser entendido no sentido da formalização desenvolvida por Lehmann, e aceite por Heidegger na época da ontologia fundamental. Esta é toda a dificuldade. Bem longe do pensamento heideggeriano, é mais esse conteúdo (uma vez deslastrado da sua carga de fé e do seu sentido ético-religioso) que lhe serve de conteúdo perante a ontologia anterior, e das «essências» que lá eram dominantes.
[ZARADER , Marlène. A Dívida Impensada. Heidegger e a Herança Hebraica. Lisboa: Instituto Piaget, 2000]
Ver online : Marlène Zarader
[1] K. Lehamnn, «Christliche Geschichtserfahrung…», art. citado, p. 147.
[2] Ibid., p. 147.
[3] Ibid.
[4] Cf. supra, pp. 150-152.