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Zarader (2000:221) – Wahrnis
quarta-feira 30 de outubro de 2024
A primeira destas figuras é a da verdade. Primeira, não no tempo da obra (apanhada na sua configuração de conjunto, é pelo contrário uma das mais tardia), mas por ser a única onde Heidegger não se limita em cumprir o movimento em questão: pensa nele e explicita-o, enuncia a sua lei. É a razão pela qual, sem estudar aqui só por si a questão da verdade, tinha-a utilizado como modelo para actualizar a estrutura que teria de servir de fio condutor no exame das outras questões.
Esta estrutura, tal como se incarna na questão da verdade, comporta dois momentos principais. Se num primeiro tempo, Heidegger retrocede da veritas (entendida metafisicamente como concordância) para o revelar (que estaria indicado na aletheia) — reconhece, no fim da sua obra, que a aletheia «surge logo na perspectiva da homoiosis» [1]. Não renuncia então à necessidade de pensar na verdade enquanto revelação, mas reconhece que essa essência original nunca pertenceu à experiência grega, nem sequer na forma de impensável — e que em consequência não pertence ao horizonte de nominação da palavra grega. Isso quer dizer, que é levado a ultrapassar a própria aletheia no sentido de um sítio mais originário: a abertura onde se abriga a própria possibilidade de qualquer presença e cuja essência está indicada no alemão Wahrnis [2]. Nesta palavra, mais do que em qualquer outra, a própria verdade está dita na sua essencial proximidade com a salvaguarda. A passagem para além da palavra grega é então tematizada aqui (é aliás o único sítio onde o é), mas o recurso ao alemão, apesar de estar presente, permanece extremamente discreto: funciona quanto muito como pontuação do caminho.
[ZARADER , Marlène. A Dívida Impensada. Heidegger e a Herança Hebraica. Lisboa: Instituto Piaget, 2000]
Ver online : Marlène Zarader
[1] Para a evolução de Heidegger sobre a questão da verdade, cf. Heidegger et les Paroles de l’origine, op. cit., pp. 79-82, tal como «Le miroir aux trois reflets» art. citado, pp. 23-24.
[2] O termo é introduzido em Der Spruch des Anaximander. Cf, GA5:Hzw, p. 321b (Chemins…, 283-284).