Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Zarader (2000:164-165) – Nada, o Outro de todo o sendo

quarta-feira 30 de outubro de 2024

[…] o ser não é presença constante, menos ainda sendo supremo; o ser propriamente falando não «é»; não é um sendo.

O que é então? O primeiro passo para responder a uma questão deste tipo consiste em dizer: com e no sentido denuncia-se de uma certa forma o Outro de todo o sendo, esse outro que Nada é — um nada. Só quando passa para além de todo o sendo para se retirar dentro dessa ausência do ser, vista como néantir activo, é que o homem pode juntar-se ao sendo [1]. Desta forma a ausência do ser aparece nos anos contemporâneos do Sein und Zeit  . Como condição de revelação do sendo. Muito longe de estar reduzido a uma simples negação, é reenviado — sem que a natureza deste reenvio esteja ainda claramente fixada — ao «ser do sendo» [2].

Mais tarde, aquilo que a conferência de 1929 chamava ainda de Nada, e de que já pressentia o carácter de plenitude, será reconhecido não só como participando de alguma forma no ser mas como constituindo o seu próprio modo de desenvolvimento, ou seja a sua própria essência: «Aquilo que nunca chega a ser um sendo revela-se como aquilo que distingue qualquer sendo e a que chamamos ser [3].» E é esse «nada que não é nada» que; mais tarde ainda, Heidegger ouvirá ressoar no «Caos sagrado» de Hölderlin   [4], identificado com o bem-estar primordial de onde pode surgir qualquer abertura e daí, qualquer sendo. Em suma, um dos traços da essência do ser tal como Heidegger tenta pensar no seu carácter de [164] ausência do ser — que será depois especificado num movimento mais complexo, tal como um abismo (ou seja sem fundo) e retirada (ou seja ocultação de si próprio). Que uma concepção da ausência do ser tenha dado origem, nomeadamente numa sua primeira formulação, a várias más interpretações, diz bastante a que ponto era insólita, face ao modo de pensar tradicional no Ocidente.

O que é que de facto entendíamos por essência do ser? O próprio Heidegger estabelece um breve recapitulativo na sua conferência de 1929. Simplificando ao máximo, podemos dizer que não conhecíamos nada sobre o Caos e o Nihil. Caos por oposição ao cosmos, é antes do mais magma e desordem: o chão não é nada, não tem nem forma nem rosto, matéria privada de eidos, desta forma não pode produzir. A ausência do ser concebida desta forma não é então pura nulidade, mas não poderia estar dotada de forma alguma de poder e de energia criadora.

Com o cristianismo surge uma outra ideia da ausência do ser: o nihil é ausência radical de todo o sendo, não-ser absoluto. Considerado na perspectiva da criação irá tornar-se pura ausência de todas as coisas a partir da qual (ex nihilo) Deus criou todas as coisas. É esta concepção que será depois veiculada tanto pela filosofia como pela teologia incluindo algumas correntes da teologia judia, visto que esta serve como qualquer teologia de conceitos importados.

[ZARADER  , Marlène. A Dívida Impensada. Heidegger e a Herança Hebraica. Lisboa: Instituto Piaget, 2000]


Ver online : Marlène Zarader


[1É toda a problemática da conferência Qu’est-ce-que la métaphysique? pronunciada em 1929.

[2WiM, GA9:Wgm, p. 114 (Q I, 63).

[3Nach. WiM, GA9:Wgm, p. 303 (Q I, 76).

[4GA4:EHD, p. 61 (Hold, 79).