Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Boutot (1993:38-39) – ser-para-a-morte

sábado 18 de fevereiro de 2017

Uma interpretação ontológica do ser-aí só pode ser originária se assentar sobre a totalidade desse ente. O ser-aí deve então ser acessível como uma totalidade. Ora, esta empresa parece votada ao fracasso, pois que o ser-aí, enquanto cuidado, está perpetuamente face a ele próprio, e está, portanto, em constante falta de acabamento. Heidegger mostra entretanto que o ser-aí pode tornar-se total, sem deixar, por isso, de ser o ser-aí que ele é, na «antecipação» Vorlaufen) da morte. Esta antecipação não é, certamente, uma precipitação da hora da morte, nem uma especulação sobre o momento e a maneira da sua vinda. Na antecipação da morte, o ser-aí discerne a morte pelo que ela é, quer dizer, enquanto possibilidade. A antecipação da morte é uma possibilitação da possibilidade da morte.

A morte não é, contudo, uma possibilidade entre outras, mas representa a possibilidade extrema do ser-aí. Ela é a possibilidade da impossibilidade da existência e a este propósito diz Heidegger: «A possibilidade mais própria, absoluta, certa e como tal indeterminada, inultrapassável do ser-aí.» (p. 258) No ser-para-a-morte, quer dizer na possibilitação da possibilidade da morte, o ser-aí existe autenticamente. Sendo a morte a possibilidade mais própria, a antecipação da morte arranca antes de tudo o ser-aí da gente e descobre-lhe o seu poder-ser mais próprio. Sendo a morte a possibilidade mais absoluta, a antecipação da morte isola o ser-aí nele próprio e força-o a assumir, a partir dele próprio, o seu ser mais próprio. Sendo, enfim, a morte a possibilidade incontornável, a antecipação da morte faz do ser-aí um todo, pois que todas as outras possibilidades existenciais aparecem subordinadas a este poder-ser primordial.

Com o ser-para-a-morte, a possibilidade ontológica de um poder-ser total e autêntico do ser-aí fica então demonstrada. Este modo de ser autêntico do ser-aí não é uma «construção teórica», mas é testada existencialmente pela voz da consciência que convoca o ser-aí para fora da queda na gente e chama-o ao seu poder-ser mais próprio. Respondendo a este apelo, o ser-aí existe resolutamente, quer dizer em vista dele próprio. Antecipando resolutamente a morte, o ser-aí existe autenticamente em vista dele próprio. A resolução antecipativa (die vorlaufende Entschlossenheit) é a forma originária e autêntica do cuidado. (1993, p. 38-39)


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