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Blanc: A questão do fundamento
terça-feira 30 de maio de 2017
A QUESTÃO DO FUNDAMENTO ENQUANTO PROBLEMATIZAÇÃO DO MODO FILOSÓFICO DE PENSAR
O modo filosófico de pensar consiste na imposição de uma medida formal. Esta define-se pela sua aprioridade, isto é, pelo facto de se propor como o que, primeiramente, há que ter em conta na consideração de algo. A anteposição de um quadro prévio de inteligibilidade, equipado com os instrumentos apropriados à apreensão cognitiva do que o solicita, caracteriza assim o exercício filosófico do pensar. Enquanto proponente de horizonte, tal modo de pensar acarreta a redução a si daquilo que inicialmente o forçou a pensar, transportando para si, enquanto foco emissor de luz, aquela primeira emergência do enigma.
Sucintamente, poder-se-ia então caracterizar a resposta filosófica à interpretação do «real» em termos de abordagem veritativa. Ou seja: na relação que o pensar por natureza é com isso que o investe, a filosofia atualiza preponderantemente a dimensão lógico-cognoscitiva. O que assim fica por pensar são outras possíveis dimensões do pensar.
Do seu exercício unilateral enquanto quadro de formalidade (mesmo que alargado ao plano pré-teorético da existência), resulta para o pensamento filosófico a persistência da ideia de fundamento, a obsessão pela imagem da árvore-raiz.
Por isso pensamos que o único modo de reativar eficazmente a questão do fundamento consiste em questionar o modo filosófico de pensar. Na verdade, o que há de questionável na ideia de fundamento e que urge libertar em toda a sua força e amplitude reside precisamente no privilégio concedido à relação lógico-cognitiva (mesmo que entendida no sentido lato, enquanto transcendência para o mundo) com o que nos impele a pensar.
Pois não é a verdade, mais do que luz, essa sombra de si mesmo que o pensamento projeta sobre o que há, neutralizando a sua voz, calando a sua diferença? Como se o pensamento fosse apenas isso, uma simples fatalidade narcísica. Como se não existissem outras dimensões, inatuais e desconhecidas, de cuja exploração pudessem resultar formas mais dialógicas e diferenciadas de acesso ao que nos incita a pensar.
Nietzsche , que sabia alguma coisa do carácter reativo e negador do conhecimento, apelou para a abertura do pensamento à vida, pela sua afirmação transfiguradora, e da vida ao pensamento, pela sua interpelação irrecusável. Liberto do preconceito que concede hegemonia ao conhecimento e à verdade, aquele pensador pôde, um dos primeiros, reconhecer em todo o seu vigor a plasticidade do pensar, essa tensão entre o que o investe e a invenção de novas e mais intensas possibilidades de vida. (excertos de Mafalda Faria Blanc , O Fundamento em Heidegger)
Ver online : MAFALDA BLANC