Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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meditação

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Besinnung  

A MEDITAÇÃO consiste no valor de converter a verdade de nossos próprios princípios e o espaço de nossas próprias metas naquilo que é mais digno de ser questionado.

NOTA: Esta MEDITAÇÃO não é nem necessária para todos, nem realizável ou mesmo passível de ser sustentada por todos. Em contrapartida, a falta de MEDITAÇÃO forma boa parte das distintas etapas das realizações e dos empreendimentos. No entanto, o questionamento da MEDITAÇÃO nunca cai na ausência de fundamento e na inquestionabilidade, porque pergunta previamente pelo ser. Para a MEDITAÇÃO, o ser é sempre o mais digno de ser questionado. Nele a MEDITAÇÃO encontra a maior resistência externa, o que o impele a ajustar contas com esse ente que deslizou na luz de seu ser. [DZW  ]


O outro início do pensamento é assim denominado não porque possua uma forma diversa da que possuia qualquer outra filosofia até aqui, mas porque precisa ser o unicamente outro a partir da ligação com o início unicamente uno e primeiro. A partir dessa articulação mútua de um início com o outro já está também determinado o modo da MEDITAÇÃO pensante característico da transição. O pensamento inserido na transição empreende o projeto fundante da verdade do seer como uma MEDITAÇÃO histórica. A história não é aí o objeto e a circunscrição de uma consideração, mas aquilo que o questionar pensante primeiramente desperta e obtém como o sítio de suas decisões. O pensamento no interior da transição coloca o primeiro movimento de essenciação do seer da verdade e o porvir mais extremo da verdade do seer em discussão e dá voz, em meio a essa discussão, à essência até aqui inquestionada do seer. No saber do pensamento inserido na transição, o primeiro início permanece decisivo como primeiro e é, entretanto, superado como início. Para esse pensamento, a reverência mais clara em relação ao primeiro início, que abre, além disso, pela primeira vez, o seu caráter único, precisa caminhar lado a lado com a ausência de um olhar para trás – uma ausência inerente à virada de outro questionar e dizer. [tr. Casanova  ; GA65  : 1]

O perguntar desperta imediatamente a suspeita de um enrijecimento vazio segundo o que é incerto, o que se encontra indecidido e se mostra como impassível de ser decidido. Ele se comporta como se o saber implicasse um desprendimento de tudo e uma inserção em uma MEDITAÇÃO estagnante. Ele possui a aparência de algo constritivo, inibidor, se não mesmo negador. E, não obstante: no perguntar dá-se a afluência impulsionadora do sim ao indomito, a extensão para o interior do que ainda não foi pesado e precisa ser ponderado. Aqui vige o lançar-se-para-além-de-si-mesmo em direção ao que nos ultrapassa. Perguntar é a liberação para o que impõe em seu velamento. [tr. Casanova; GA65: 4]

A pergunta sobre o “sentido do seer” é a pergunta de todas as perguntas. Na execução de seu desdobramento determina-se a essência do que denominamos aí “sentido”; determina-se o lugar em que a pergunta se retém como MEDITAÇÃO, o que ela abre como pergunta: a abertura para o encobrir-se, isto é, a verdade. [tr. Casanova; GA65: 4]

Se algum dia uma história nos for ainda uma vez comunicada, a exposição criadora ao ente a partir do pertencimento ao ser, então é indispensável a determinação: preparar o tempo-espaço da última decisão – se e como nós experimentamos e fundamos esse pertencimento. Nisso reside: de maneira pensante fundar o saber do acontecimento apropriador, por meio da fundação da essência da verdade enquanto ser-aí. Como quer que a decisão sobre a historicidade e a falta de historicidade possa vir a ser tomada, os questionadores, que preparam de maneira pensante a decisão, precisam ser, cada um porta a solidão para o interior de sua maior hora. Que dizer realiza o mais elevado silenciamento pensante? Que procedimento efetua mais prontamente a MEDITAÇÃO sobre o seer? O dizer da verdade; pois ele é o entre para a essenciação do seer e a entidade do ente. Esse entre funda a entidade do ente no seer. O seer, porém, não é algo “anterior” – subsistindo por si, em si –, mas o acontecimento apropriador é a coetaneidade tempo-espacial para o seer e o ente. [tr. Casanova; GA65: 5]

O aceno já frequentemente reiterado, segundo o qual o “cuidado” só pode ser pensado na região inicial da questão do ser e não como uma visão qualquer, pessoalmente casual, marcada pela “visão de mundo” e por uma determinação “antropológica”, também permanecerá no futuro ineficaz, enquanto aqueles que só “escrevem” uma “crítica” da questão do ser não experimentarem e não queiram experimentar nada da necessidade do abandono do ser. Pois na era de um “otimismo” muito mal exposto, já o teor do termo “cuidado” e do “abandono do ser” soa por si só como “pessimista”. O fato, então, de precisamente as tonalidades afetivas indicadas por esse nome, juntamente com seu oposto, terem se tornado fundamentalmente impossíveis na região do questionamento inicial, porque elas têm por pressuposto a ideia de valor (agathon   ) e as interpretações até aqui do ente tanto quanto a concepção corrente do homem, quem é que poderia levar sua MEDITAÇÃO a tal ponto que isso pudesse se tornar ao menos uma questão? [tr. Casanova; GA65: 5]

A retenção, o meio afinador do espantar-se e do pudor, o traço fundamental da tonalidade afetiva fundamental, nela afina-se o ser-aí com vistas ao silêncio do passar ao largo do último deus. De maneira criadora nessa tonalidade afetiva fundamental do ser-aí, o homem torna-se o guardião desse silêncio. Assim, a MEDITAÇÃO inicial do pensar torna-se necessariamente um pensar autêntico, quer dizer, um pensar que estabelece a meta. Não uma meta qualquer e não a meta em geral, mas a meta única e, assim, particular de nossa história: é essa meta que é estabelecida. Essa meta é a própria busca, a busca do seer. Ele acontece e é mesmo a mais profunda descoberta, quando o homem se torna aquele que vela pela verdade do seer, o guardião daquele silêncio e é decidido nessa direção. [tr. Casanova; GA65: 5]

No primeiro início: a ad-miração. No outro início: o pre-ssentimento. Tudo seria mal compreendido e estaria fadado ao fracasso, se quiséssemos preparar a tonalidade afetiva fundamental com o auxílio de uma decomposição e mesmo de uma “definição”, liberando-a de seu poder afinador. Só porque o que é coberto pela expressão “tonalidade afetiva” foi mantido afastado por meio da “psicologia”, só porque a busca pela “vivência” precisaria arrastar ainda hoje com maior razão para o âmbito do equívoco tudo aquilo que é dito sobre a tonalidade afetiva sem uma MEDITAÇÃO sobre ela: é somente por isso é que precisa ser dito “sobre” a tonalidade afetiva sempre uma vez mais uma palavra indicadora. [tr. Casanova; GA65: 6]

Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opiniáo equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do outro início precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer MEDITAÇÃO sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da verdade do seer). Mas se o seer se essencia como a recusa e se essa recusa mesma deve vigorar em sua clareira e ser conservada como recusa, então a prontidão para a recusa só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da recusa. Nessa decisão, o aberto da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do outro início. Nessa decisão, toda guarda do ser-aí precisa fincar pé, na medida em que o homem como fundador do ser-aí precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a verdade do seer, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o seer (como acontecimento apropriador) torna-se apreensível. [tr. Casanova; GA65: 6]

Na essência da verdade do acontecimento apropriador decide-se e funda-se ao mesmo tempo todo verdadeiro, o ente se faz ente, o não ente desliza para o interior da aparência do seer. Essa distância é, sobretudo: a mais ampla e para nós primeira proximidade com deus, mas também a indigência do abandono do ser, encoberto pela ausência de indigência, que se atesta por meio do desvio em relação à MEDITAÇÃO. Na essenciação da verdade do seer, no acontecimento apropriador e como acontecimento apropriador, encobre-se o último deus. [tr. Casanova; GA65: 7]

Somente se mensuramos o quão unicamente necessário o ser é e como ele não se essencia como o próprio deus; somente se tivermos determinado nossa essência com vistas a esses abismos entre o homem e o seer e entre o seer e os deuses, somente então os “pressupostos” começarão uma vez mais a serem efetivamente realizados para uma “história”. Por isto, em termos de pensamento, a única coisa que se mostra como válida é a MEDITAÇÃO com vistas ao “acontecimento apropriador”. Por fim e em primeiro lugar, o “acontecimento apropriador” só pode ser re-pensado (compelido para diante do pensar inicial), se o seer mesmo for concebido como o “entre” para o passar ao largo do último deus e para o ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 7]

1) Acontecimento apropriador: a luz segura da essenciação do seer no campo de visão extremo da mais íntima indigência do homem histórico. 2) O ser-aí: o entre aberto no meio e, assim, velador, entre a chegada e a fuga dos deuses e o homem nele enraizado. 3) O ser-aí tem a origem no acontecimento apropriador e em sua viragem. 4) Por isto, ele só pode ser fundado como a verdade e na verdade do seer. 5) A fundação – não recriação – é um deixar-ser-fundamento por parte do homem, que chega, com isto, pela primeira vez, uma vez mais a si e reconquista o ser-si-mesmo. 6) O fundamento fundado é ao mesmo tempo abismo para a abertura do fosso abissal do seer e não fundamento para o abandono do ser do ente. 7) A tonalidade afetiva fundamental da fundação é a retenção. 8) A retenção é a referência insigne, instantânea ao acontecimento apropriador no ser chamado por meio de seu conclamar. 9) O ser-aí é o acontecimento fundamental da história por vir. Esse acontecimento emerge do acontecimento apropriador e se torna um sítio instantâneo possível para a decisão sobre o homem – sua história ou não história como sua transição para o ocaso. 10) O acontecimento apropriador e o ser-aí estão em sua essência, isto é, em sua pertinência enquanto fundamento da história, ainda completamente velados e permanecerão por um longo tempo causando estranhamento. Faltam as pontes; os saltos ainda não foram levados a termo. Ainda permanece de fora a profundidade da experiência da verdade que lhes satisfazem e a MEDITAÇÃO sobre o seu sentido: a força da decisão elevada. Em contrapartida, numerosas no caminho são apenas as ocasiões e os meios da má interpretação, porque falta mesmo o saber daquilo que aconteceu no primeiro início. [tr. Casanova; GA65: 11]

O “domínio” velado, mas vivido até o fim, das igrejas, o caráter corrente e a acessibilidade das “visões de mundo” para as massas (como substitutivo do “espírito” há muito prescindido e da referência às “ideias”), o levar adiante indiferente da filosofia como erudição e ao mesmo tempo de maneira mediada e imediata como escolástica da igreja e da visão de mundo, tudo isto manterá durante muito tempo afastada a filosofia enquanto cofundação criadora do ser-aí a partir da onisciência corrente e ágil da opinião   pública. Isto não é naturalmente algo que se precisaria “lastimar”, mas apenas o sinal de que a filosofia vai ao encontro de um envio destinamental autêntico de sua essência. E tudo depende de nós não perturbarmos esse envio, nem o desfigurarmos muito menos por meio de uma “apologética” da filosofia, uma maquinação, que necessariamente permanece sempre abaixo de sua posição hierárquica. Com certeza, porém, é necessária a MEDITAÇÃO sobre a aproximação desse envio destinamental da filosofia, o saber sobre aquilo que perturba e desfigura e que gostaria de fazer valer a pseudoessência da filosofia. Esse saber interpretaria com certeza mal a si mesmo, se ele se deixasse atrair pela possibilidade de tornar aquele elemento adverso objeto da refutação e da confrontação. O saber da inessência precisa permanecer aqui constantemente um passar ao largo. [tr. Casanova; GA65: 14]

A questão é que, na medida em que e logo que a filosofia se reencontra em sua essência inicial (no outro início) e a questão acerca da verdade do seer se torna o meio fundante, desentranha-se o elemento abissal da filosofia, que precisa retornar ao inicial, para trazer ao espaço livre de sua MEDITAÇÃO a abertura do fosso abismai e o para-além-de-si, o estranho e constantemente inabitual. [tr. Casanova; GA65: 14]

A MEDITAÇÃO sobre o caráter do povo é uma travessia essencial. Assim como não podemos nos esquecer disso, também precisamos saber que um nível hierárquico maximamente elevado do seer precisa ser conquistado por meio da luta, se é que um “princípio autenticamente popular” deve ser dominado como normativo para o ser-aí histórico em meio à sua colocação em jogo. [tr. Casanova; GA65: 15]

A filosofia é o saber imediatamente inútil, mas, não obstante, um saber dominante a partir da MEDITAÇÃO. MEDITAÇÃO é questionamento acerca do sentido, isto é, acerca da verdade do seer. O questionamento acerca da verdade é o salto para o interior de sua essência e, com isto, para o interior do seer mesmo. A questão é: se, quando e como somos pertencentes ao ser (como acontecimento apropriador). Essa questão precisa ser questionada por causa da essência do ser, que precisa de nós, e, em verdade, não como aqueles que se encontram precisamente ainda presentes, mas de nós, na medida em que nós ratificamos insistentemente suportando o ser-aí e o fundamos como a verdade do seer. Por isto, a MEDITAÇÃO – salto para o interior da verdade do ser – é necessariamente auto-MEDITAÇÃO. Isto não significa consideração voltada para trás de nós como “dados”, mas fundação da verdade do ser si mesmo a partir da propriedade do ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 16]

Porque a filosofia é tal MEDITAÇÃO, ela salta de antemão para o interior da decisão extrema em geral possível e domina também de antemão com sua abertura todo abrigo da verdade no ente e como ente. Por isto, ela é saber dominante pura e simplesmente, apesar de não ser saber “absoluto” ao modo da filosofia do Idealismo Alemão. Como, porém, a MEDITAÇÃO é autoMEDITAÇÃO e, por conseguinte, como nós nos voltamos concomitantemente para o interior da questão quem nós somos; e como nosso ser é um ser histórico e, em verdade, um ser tradicional e determinado pelo sido, a MEDITAÇÃO necessariamente se transforma na questão acerca da verdade da história da filosofia, MEDITAÇÃO sobre o seu primeiro início que a tudo ultrapassa e seu desdobramento em direção ao fim. [tr. Casanova; GA65: 16]

Uma MEDITAÇÃO sobre o atual tem sempre vista curta. Essencial é a MEDITAÇÃO sobre o início que, pressagiando seu fim, vincula ainda o “atual” como o desembocar do fim; e isto de tal modo que só a partir do início o atual se torna manifesto em termos da história do ser. E de vista ainda mais curta é a orientação da filosofia pelas “ciências” que, desde o começo da Modernidade – não por acaso –, se tornou usual. Essa direção de questionamento – não apenas o modo “teórico-científico” expresso – precisa ser completamente abandonado. [tr. Casanova; GA65: 16]

Toda necessidade enraíza-se em uma uma indigência. A filosofia como a primeira e mais extrema MEDITAÇÃO sobre a verdade do seer e o seer da verdade tem sua necessidade na indigência primeira e mais extrema. Essa indigência é aquilo que impulsiona o homem de um lado para o outro no ente e que o traz pela primeira vez para diante do ente na totalidade e para o meio do ente, levando-o, assim, a si mesmo, e, com isto, deixando iniciar ou perecer respectivamente a história. Esse elemento impulsionador é o caráter de jogado do homem no ente, que o determina como o que joga o ser (a verdade do seer). [tr. Casanova; GA65: 17]

A necessidade da filosofia consiste no fato de que ela não precisa afastar como MEDITAÇÃO aquela indigência, mas suportá-la e fundamentá-la, transformá-la no fundamento da história do homem. [tr. Casanova; GA65: 17]

A impotência do pensar compreendida no sentido habitual tem muitas razões: 1) O fato de, por agora, não ser levado a termo, nem poder ser levado a termo nenhum pensar essencial. 2) O fato de maquinação e vivência pretenderem ser a única coisa efetiva e, com isto, poderosa, não havendo nenhum espaço para o poder autêntico. 3) O fato de nós, supondo que tenha sucesso um pensar essencial, não termos ainda a força para nos abrirmos para a sua verdade, porque pertence a tal força uma posição hierárquica própria da existência. 4) O fato de, em meio ao embotamento crescente em relação à simplicidade de uma MEDITAÇÃO essencial e em meio à falta de persistência no questionamento, se desconsiderar todo curso e todo caminho, se ele já não traz consigo no primeiro passo um “resultado”, com o que passa a haver algo para “fazer” e algo para “vivenciar”. Por isto, a “impotência” ainda não é imediatamente uma objeção ao “pensar”, mas apenas aos seus desprezadores. E, por outro lado, o poder autêntico do pensar (como um re-pensar da verdade do seer) não tolera nenhuma constatação e valoração imediatas, sobretudo porque o pensar precisa se transpor para o interior do seer e, por isto, precisa colocar em jogo toda a estranheza do seer. Assim, ele nunca pode se basear no sucesso de um efeito no ente. [tr. Casanova; GA65: 18]

(Sobre a pergunta: quem somos nós?) Como MEDITAÇÃO sobre o seer, a filosofia é uma autoMEDITAÇÃO necessária. A dita fundamentação desse nexo distingue-se essencialmente de todo e qualquer tipo de asseguramento da certeza de “si mesmo” do “eu” justamente em virtude da “certeza”, não da verdade do seer. Mas ela também remonta ainda a um âmbito mais originário do que aquele que precisou levar a termo na transição o posicionamento “ontológico-fundamental” do ser-aí em Ser e tempo  , posicionamento esse que ainda agora não foi desdobrado de maneira suficiente e elevado ao saber daqueles que questionam. [tr. Casanova; GA65: 19]

Na medida em que, porém, segundo a fundamentação originária da essência da MEDITAÇÃO como auto-MEDITAÇÃO, “nós” mesmos, então, estamos concomitantemente voltados para o âmbito do questionamento, a questão filosófica, vista a partir daí, alcança a seguinte forma enquanto questão: quem somos nós? [tr. Casanova; GA65: 19]

Abstraindo-se da questão sobre o quem, quem é que temos em vista com o “nós”?. Nós mesmos, que estamos agora presentes à vista, os homens aqui e agora? Onde é que transcorre o círculo demarcador? Ou temos em vista “o” homem enquanto tal? Mas “o” homem só “é” enquanto histórico e a-histórico. Nós visamos a nós mesmos como o próprio povo? Mas mesmo então, não somos os únicos, mas, enquanto povo, somos com outros povos. E por meio do que se determina a essência de um povo? Ao mesmo tempo fica claro: o modo como na questão é estabelecido o questionado, “nós”, já contém uma decisão sobre o quem. Isto quer dizer: nós não podemos, sem sermos tocados pela pergunta sobre o quem, estabelecer o “nós” e o “nos” por assim dizer como algo presente à vista, para o qual apenas falta ainda a determinação do quem. Mesmo nessa questão reside um reflexo da viragem. Ela não pode ser nem formulada, nem respondida. No entanto, enquanto a essência da filosofia não for concebida como MEDITAÇÃO sobre a verdade do seer, e, com isso, a necessidade da auto-MEDITAÇÃO daí emergente não tiver se tornado efetiva, a questão já permanecerá exposta enquanto questão a uma pesada reserva. [tr. Casanova; GA65: 19]

Só quem concebe o fato de que o homem precisa fundar historicamente a sua essência por meio da fundação do ser-aí, o fato de que a insistência da pendência do ser-aí não é outra coisa senão a moradia no tempo-espaço daquele acontecimento, que acontece apropriadoramente como a fuga dos deuses; só quem recolhe de maneira criadora a consternação e a animação do acontecimento apropriador na retenção como tonalidade afetiva fundamental, consegue pressentir a essência do ser e preparar em tal MEDITAÇÃO a verdade para o futuro verdadeiro. [tr. Casanova; GA65: 19]

A MEDITAÇÃO enquanto auto-MEDITAÇÃO, tal como ela se torna necessária aqui a partir do questionamento acerca da essência do seer, está longe daquela clara et distincta perceptio, na qual o ego   desponta e se torna certo. Como só a ipseidade – os sítios instantâneos da conclamação e da copertinência – precisa ser colocada em decisão, não se tem como conceber na transição o que lhe cabe. [tr. Casanova; GA65: 19]

Na MEDITAÇÃO e por meio dela acontece necessariamente o sempre-ainda-outro, que é importante propriamente preparar, mas que não encontraria os sítios do acontecimento apropriador, se não fosse uma clareira para o velado. A filosofia como autoMEDITAÇÃO da maneira indicada só é executável como pensar inicial do outro início. Essa autoMEDITAÇÃO deixou todo “subjetivismo” para trás, mesmo aquele que se esconde da maneira mais perigosa possível no culto à “personalidade”. Onde esse culto é estabelecido e, de maneira correspondente, onde é estabelecido na arte o “gênio”, tudo se movimenta, apesar dos asseguramentos em contrário, na via do pensamento do “eu” e da consciência moderna. Quer se compreenda a pessoalidade como a unidade “espírito-alma-corpo”, quer se inverta essa mistureba e só se estabeleça em primeiro lugar à guisa de afirmação o corpo, tudo isto não altera nada na confusão aqui dominante do pensar, que se desvia de toda e qualquer pergunta. O “espírito” é considerado sempre neste caso como “razão”, como a faculdade do poder-dizer-eu. Aqui, até mesmo Kant   já se encontrava para além desse liberalismo biológico. Kant viu: a pessoa é mais do que o “eu”; ela está fundada na autolegislação. Naturalmente, isto também permaneceu platonismo. E as pessoas querem fundamentar, por exemplo, o dizer-eu biologicamente? Se não, então essa inversão é de qualquer modo apenas uma brincadeira, o que ela também continua sendo mesmo sem isto, porque aqui permanece inquestionadamente pressuposta a metafísica velada de “corpo” e “sensibilidade”, “alma” e “espírito”. [tr. Casanova; GA65: 19]

O que é, contudo, o início do pensar – no significado da MEDITAÇÃO sobre o ente enquanto tal e sobre a verdade do seer? [tr. Casanova; GA65: 20]

Por que o pensar a partir do início? Por que uma retomada mais originária do primeiro início? Por que a MEDITAÇÃO sobre a sua história? Por que a confrontação com o seu fim? Porque o outro início (a partir da verdade do ser) se tornou necessário? Por que, afinal, em geral início?. [tr. Casanova; GA65: 23]

O pensar inicial como confrontação entre o primeiro início que precisa ser antes de tudo reconquistado e o outro início a ser desdobrado é por essa razão necessário; nessa necessidade, além disso, impõe-se a MEDITAÇÃO mais ampla e mais aguda, impedindo toda fuga diante de decisões e saídas. [tr. Casanova; GA65: 23]

O pensar inicial é: 1) Deixar viger o seer a partir do dizer silenciador da palavra conceptiva no ente. (Construir nessa montanha). 2) A prontidão dessa construção por meio da preparação do outro início. 3) Alçar o outro início como confrontação com o primeiro em sua repetição mais originária. 4) Em si sigético, na mais expressa MEDITAÇÃO precisamente silenciador. [tr. Casanova; GA65: 23]

O erro de avaliação na tomada de posição em relação ao pensar é duplo: 1) Uma superestimação, na medida em que são esperadas respostas imediatas para uma postura, que quer poupar para si o questionamento (o caráter resoluto para a MEDITAÇÃO e o suportar da necessidade e da indigência). 2) Uma subestimação, na medida em que o pensamento é mensurado a partir da re-presentação habitual e em que a força nele que funda o tempo-espaço, o caráter de preparação, é desconhecido. [tr. Casanova; GA65: 24]

Na transição realiza-se a MEDITAÇÃO e a MEDITAÇÃO é necessariamente auto-MEDITAÇÃO. Essa, porém, aponta para o fato de que esse pensar está ligado a nós mesmos e, com isto, ao homem, exigindo uma nova determinação da essência do homem. Na medida em que essa essência é determinada modernamente como consciência e como autoconsciência, a MEDITAÇÃO transitória parece precisar se tornar uma nova clarificação da autoconsciência. Sobretudo porque nós não podemos nos expor mais simplesmente a partir do estado atual da autoconsciência que é mais um computo. A experiência fundamental do pensar inicial é, portanto, de qualquer modo, o ente no sentido do homem atual e de sua situação e, com isto, a “reflexão” do homem sobre “si”. Nessa reflexão encontra-se algo correto, e, contudo, ela não é verdadeira. Na medida em que a história e a MEDITAÇÃO histórica suportam e dominam o homem, toda MEDITAÇÃO é também autoMEDITAÇÃO. A questão é que a MEDITAÇÃO a ser realizada no pensar inicial não toma o ser si mesmo do homem atual como dado, como algo a ser imediatamente alcançado na representação do “eu” e do nós e de sua situação. Pois justamente assim a ipseidade não é conquistada, mas definitivamente perdida e dissimulada. [tr. Casanova; GA65: 30]

A MEDITAÇÃO do pensar inicial é muito mais tão originária que ela pergunta primeiramente como é que o si mesmo precisaria ser fundamentado, o si mesmo em cujo âmbito “nós”, eu e tu, chegamos sempre a cada vez a nós mesmos. Assim, é questionável se encontramos por meio da reflexão sobre “nós” a nós mesmos, se encontramos o nosso si mesmo, e se, por conseguinte, o projeto do ser-aí em geral tem algo em comum com a clarificação da “auto”-consciência. Pois bem, não está de modo algum definido que o “si mesmo” seria determinável algum dia pela via que passa pela representação do eu. Ao contrário, é preciso reconhecer que a ipseidade só emerge da fundação do ser-aí, mas que essa fundação se realiza como acontecimento da apropriação do que pertence à conclamação. Com isto, emerge a abertura e a fundação do si mesmo a partir da e como a verdade do seer. Não a decomposição diversamente dirigida da essência do homem, não a indicação de outros modos de ser do homem – tudo considerado por si como antropologia aprimorada – é o que produz aqui a auto-MEDITAÇÃO, mas é a questão acerca da verdade do ser que prepara o âmbito da ipseidade, na qual, atuando historicamente e agindo, o homem – nós –, assumindo a figura do povo, chega ao seu si mesmo. [tr. Casanova; GA65: 30]

A MEDITAÇÃO do pensar inicial remonta a nós (mesmos) e, contudo, ao mesmo tempo não. Não a nós, para destacar a partir daí as determinações normativas, mas a nós como entes históricos e, em verdade, na indigência do abandono do ser (de saída decadência da compreensão de ser e esquecimento de ser). A nós, que já estamos estabelecidos assim na exposição ao ente, a nós dessa maneira, para encontrar para além de nós o ser si mesmo. [tr. Casanova; GA65: 30]

O caráter transitório do pensar inicial traz incontornavelmente consigo essa ambiguidade, como se se tratasse de uma MEDITAÇÃO antropologicamente existenciária no sentido corrente. Em verdade, porém, cada passo é suportado pela pergunta acerca da verdade do seer. [tr. Casanova; GA65: 30]

O olhar que se volta para nós é realizado a partir do salto prévio no ser-aí. Para a primeira MEDITAÇÃO, contudo, foi preciso tentar destacar ao menos uma vez junto aos modos de ser do homem a diversidade do modo de ser do ser-aí em contraposição a todo “vivenciar” e a toda “consciência”. Todavia, é natural a sedução para restringir toda a MEDITAÇÃO em Ser e tempo Parte I à esfera de uma antropologia apenas diversamente direcionada. [tr. Casanova; GA65: 30]

Em meio à confusão e à ausência de cultivo do “pensar” atual carece-se de uma concepção quase escolar de seus caminhos sob a figura de “questões” caracterizadas. Nunca reside naturalmente na MEDITAÇÃO mais instrutiva sobre essas questões a vontade e o estilo pensantes decisivos. No entanto, para a clarificação antes de tudo em face do falatório sobre “ontologia” e “ser”, é preciso saber, sobretudo, o seguinte: O ente é. O seer se essencia. [tr. Casanova; GA65: 34]

A MEDITAÇÃO sobre o caminho: 1) O que é um pensar inicial. 2) Como é que o outro início se realiza como silenciamento. O “acontecimento apropriador” seria o título correto para a “obra”, que aqui não pode ser senão preparada; e, por isto, é preciso colocar como título, ao invés disso: Contribuições à filosofia. A “obra”: a construção que se desenvolve no voltar-se para o fundamento preponderante. [tr. Casanova; GA65: 35]

O domínio histórico da história do pensar ocidental se torna cada vez mais essencial, e a difusão de uma emdição filosófica “histórica” ou “sistemática” cada vez mais impossível. Pois o que importa é não trazer ao conhecimento nenhuma nova representação do ente, mas fundar o ser homem na verdade do seer e preparar essa fundação no repensar do seer e do ser-aí. Essa pre-paração não consiste na criação de conhecimentos provisórios, a partir dos quais, então, mais tarde, deveriam ser descerrados os conhecimentos propriamente ditos. Ao contrário, pre-parar significa aqui: abrir o caminho, impor para o caminho – no sentido essencial: afinar. Por outro lado, porém, não como se o pensado e o a se pensar só fossem uma ocasião indiferente para um movimento de pensamento, mas a verdade do seer, o saber da MEDITAÇÃO, é tudo. Todavia, o caminho desse repensar o seer não tem já a inscrição fixa em um mapa. A terra vem a ser pela primeira vez, sim, através do caminho e é em cada posição do caminho desconhecida e não tem como ser calculada. [tr. Casanova; GA65: 42]

A história ocidental da metafísica ocidental é a “prova” de que a verdade do seer não pôde se tornar questão, e o aceno para os motivos dessa impossibilidade. O mais tosco desconhecimento da verdade do seer, contudo, residiria em uma “lógica” da filosofia. Pois essa é uma retransposição consciente ou inconsciente da “teoria do conhecimento” para si mesma. A “teoria do conhecimento”, porém, é apenas a forma da perplexidade da metafísica moderna diante de si mesma. A confusão chega ao seu ápice, quando, então, essa “teoria do conhecimento” se arroga ainda uma vez como “metafísica do conhecimento”; o cálculo na calculadora da “aporética” e a “discussão aporética” “em si” de “direções” e de “fronts de problemas” presentes à vista se tomam, e, em verdade, com plena razão, o método da erudição filosófica mais moderna. Esses são apenas os últimos prolongamentos do processo, por meio do qual a filosofia perde a sua essência e se degenera na mais tosca ambiguidade, porque o que parece ser filosofia inequivocamente não pode ser mais uma tal para aquele que sabe. E, por isto, todas as tentativas de dizer o que não é a verdade do seer também precisam se haver com o fato de que elas no máximo fornecem um novo alimento para a obtusidade ignorante das más interpretações ulteriores, caso tais elucidações sejam elucidações da crença de que a não filosofia poderia ser transformada pela instrução em filosofia. Com certeza, a MEDITAÇÃO sobre aquilo que a verdade do seer não é, porém, é essencial como uma MEDITAÇÃO histórica, na medida em que ela pode auxiliar a tornar os movimentos fundamentais nas posições metafísicas fundamentais do pensar ocidental mais transparentes e o velamento da história do ser mais penetrante. [tr. Casanova; GA65: 44]

autêntico da palavra só possui a sua necessidade se ela tiver reconhecido que a MEDITAÇÃO sobre a verdade do seer inclui uma mutação da postura que pensa para a postura pensante, mudança essa que, naturalmente, não pode ser efetuada por meio de indicações morais, mas precisa ser previamente transformada e, em verdade, na publicidade do invisível e do que está isento de barulho. [tr. Casanova; GA65: 44]

Porque a essência do seer se essência no acontecimento da apropriação da de-cisão. Todavia, de onde sabemos isso? Nós não o sabemos, mas o inquirimos e abrimos em tais questões para o seer os sítios e talvez um sítio exigido por ele, caso a essência do seer precise se mostrar como a recusa, para a qual o questionamento insuficiente permanece a única proximidade adequada. E, assim, só um criar que funda todo ser-aí com vistas a um longo prazo (e só esse criar, não o empreendimento cotidiano fixo da instituição do ente) precisa despertar a verdade do seer como questão e como indigência através da senda mais decisiva e em impulsos iniciais cheios de alternância, aparentemente desprovidos de conexão e desconhecidos para si, tornar pronto para a tranquilidade do seer; ao mesmo tempo, porém, também decididamente contra toda e qualquer tentativa de confundir e enfraquecer, no mero querer para trás, mesmo que esse querer esteja em relação com as tradições “mais valorosas”, a coação impiedosa na indigência da MEDITAÇÃO. [tr. Casanova; GA65: 44]

A decisão precisa criar aquele tempo-espaço, o sítio para os instantes essenciais, no qual a seriedade suprema da MEDITAÇÃO emerge em consonância com a maior alegria possível do envio para uma vontade de fundação e de construção, da qual também nenhuma confusão permanece distante. Só o ser-aí, nunca uma “doutrina”, pode trazer fundamentalmente a transformação do ente. Tal ser-aí enquanto fundamento de um povo carece da mais longa preparação a partir do pensar inicial; mas esse pensar permanece sempre a cada vez apenas um caminho do reconhecimento, que começa ao mesmo tempo por muitas vias, da indigência. [tr. Casanova; GA65: 45]

Será que a decisão é capaz de trazer consigo mais uma vez a fundação dos sítios instantâneos para a fundação da verdade do seer ou será que tudo se desdobrará ainda como “luta” em torno das puras condições do prosseguimento da vida e do esgotamento da vida em dimensões gigantescas, de tal modo que a “visão de mundo” e a “cultura” não se mostrarão mais senão como apoios e como meios de luta desse “combate”? O que se prepara, então, por meio daí? A transição para o animal tecnicizado, que começa a substituir os instintos que já se tornaram mais fracos e mais toscos pelo gigantismo da técnica. Nessa direção de decisão, não é característica a tecnicização da “cultura” e a imposição da “visão de mundo”, mas sim o fato de a “cultura” e de a “visão de mundo” se tornarem meios da técnica de luta para uma vontade, que não quer mais nenhuma meta; pois conservação do povo não é nunca uma meta possível, mas apenas condição do estabelecimento de uma meta. Se a condição, porém, se transforma em algo incondicionado, então ganha o poder o não querer da meta, o seccionamento de toda MEDITAÇÃO que venha a emergir da origem. Desaparece, então, completamente a possibilidade do conhecimento de que “cultura” e “visão de mundo” são já estacas de uma ordem do mundo, que deve ser supostamente superada. “Cultura” e “visão de mundo” não perdem o seu caráter por meio do fato de elas serem colocadas a serviço da política; quer elas sejam consideradas como valores “em si” ou como valores “para” o povo, a cada vez a MEDITAÇÃO, se é que ela é efetivamente uma tal MEDITAÇÃO, está firmemente encravada no não querer as metas originárias, isto é, a verdade do seer, na qual se decide pela primeira vez sobre a possibilidade e a necessidade de “cultura” e “visão de mundo”. [tr. Casanova; GA65: 45]

A era da completa ausência de questões não tolera nada digno de questão e destrói toda solidão. Por isso, ela precisamente precisa difundir o discurso acerca do fato de que, ao mesmo tempo, cada um de nós adquire conhecimento por meio da solidão desse solitário e é instruído a tempo sobre o seu fazer em termos de “imagens” e “sons”. Aqui, a MEDITAÇÃO toca tangencialmente o elemento sinistro da era e se sabe também, afinal, muito distante de todo e qualquer tipo de “crítica temporal  ” e de “psicologia” vulgar. Pois é importante saber que aqui, em todo o deserto e em todo o caráter terrível, ressoa algo da essência do seer e alvorece o abandono do ente (enquanto maquinação e vivência) pelo seer. Essa era da completa ausência de questão só pode ser ultrapassada por uma era da simples solidão, na qual se prepara a prontidão para a verdade do próprio seer. [tr. Casanova; GA65: 51]

As duas coisas são no fundo a mesma. Não obstante, para compelir o abandono do ser enquanto indigência, tudo precisa ser respectivamente levado à MEDITAÇÃO, para que a mais extrema indigência, a indigência da falta de indigência, irrompa e leve à primeira ressonância a mais longínqua proximidade com a fuga dos deuses. Ora, mas há uma demonstração mais forte do abandono do ser do que a massa humana que se esbalda no ingente e em sua instituição e que não é mais nem mesmo digna de encontrar a aniquilação em uma via de todas as mais curta? Quem pressente a ressonância de um deus em tal renúncia? [tr. Casanova; GA65: 54]

No que o abandono do ser se anuncia: 1) A completa insensibilidade em relação ao múltiplo naquilo que é considerado essencial; plurissignificância provoca a perda de força e a má vontade em relação à decisão real e efetiva. Por exemplo, tudo o que significa a palavra “povo”: o elemento comunitário, o elemento racial, o baixo e o inferior, o nacional, o permanente; por exemplo, tudo aquilo que é chamado de “divino”. 2) O não saber mais o que é condição e o que é condicionado e incondicionado. Idolatria em relação às condições do seer histórico, do elemento populista, por exemplo, com toda a sua plurissignificância, transformando-o em algo incondicionado. 3) O permanecer preso no pensar e no estabelecimento de “valores” e “ideias”; sem qualquer questão séria, vê-se aí, como que em algo inalterável, a forma estrutural do ser-aí histórico; e a isso corresponde o pensar em termos de “visões de mundo”. 4) De acordo com isso, tudo é inserido em uma engrenagem “cultural”, as grandes decisões, o Cristianismo, não são expostos a partir da raiz, mas contornados. 5) A arte é submetida a uma utilidade cultural e desconhecida em sua essência; a cegueira em relação ao seu cerne essencial, o modo da fundação da verdade. 6) Em geral característico é o erro de avaliação em relação ao que é repulsivo e negador; ele é simplesmente alijado como o “mal”, equivocadamente interpretado e, com isso, apequenado e tanto mais propriamente ampliado em seu perigo. 7) Nisso se mostra – completamente à distância – o não saber em torno do pertencimento do não, da nulidade ao seer mesmo, a falta de qualquer ideia em face da finitude e da unicidade do seer. 8) Isso é acompanhado pelo não saber da essência da verdade; o fato de antes de tudo o que é verdadeiro a verdade e a sua fundação precisarem ser decididas; a busca cega pelo “verdadeiro” na aparência do querer maximamente sério. 9) Por isto, a recusa do saber autêntico e o medo diante da questão; o esquivar-se da MEDITAÇÃO; a fuga em direção ao ceme dos dados e das maquinações. 10) Toda tranquilidade e toda retenção aparecem como inatividade, como um deixar passar e como renúncia e talvez sejam a mais ampla reconexão com o deixar ser do ser como acontecimento apropriador. 11) A segurança de si do que não se deixa mais conclamar; a calcificação contra todos os acenos; a impotência da expectativa; só ainda calcular. 12) Tudo isso são apenas irradiações de um encobrimento confuso e calcificado da essência do seer, sobretudo da abertura de seu fosso abissal: o fato de unicidade, raridade, instantaneidade, acaso e acometimento, retenção e liberdade, resguardo e necessidade pertencerem ao seer; o fato de esse seer não se mostrar como o que há de mais vazio e mais comum, mas como o que há de mais rico e mais elevado e só se essenciar no acontecimento da apropriação, acontecimento esse graças ao qual o ser-aí chega à fundação da verdade do ser no abrigo por meio do ente. 13) A elucidação particular do abandono do ser como decadência do Ocidente; a fuga dos deuses; a morte do Deus moral   cristão; sua reinterpretação. O velamento desse desenraizamento por meio do encontrar a si mesmo que se inicia de maneira supostamente nova do homem (Modernidade); esse encobrimento banhado no brilho do e intensificado pelo progresso: descobertas, invenções, indústria, máquina; ao mesmo tempo a massificação, a negligência, a desertificação, tudo como desatrelamento do fundamento e das ordens; o desenraizamento, porém, como o mais profundo velamento da indigência, a falta de força para a MEDITAÇÃO, a impotência da verdade; o pro-gresso em direção ao não ente como abandono crescente do seer. 14) O abandono do ser é o fundamento mais íntimo para a indigência da falta de indigência. Como é que essa indigência pode ser efetuada como indigência? Alguém não precisa deixar a verdade do seer brilhar – mas para quê? Quem dos desprovidos de indigência consegue ver? Haverá algum dia uma saída para tal indigência, que se nega constantemente como indigência? Falta o querer sair. Será que a lembrança das possibilidades do passado essencial (o sido) do ser-aí pode conduzir à MEDITAÇÃO? Ou será que algo in-habitual, não ideável se choca com essa indigência? 15) O abandono do ser, aproximado por meio de uma MEDITAÇÃO sobre a desertificação do mundo e sobre a destruição da terra no sentido da rapidez, do cálculo, da pretensão do massificado. 16) O “domínio” coetâneo da impotência da mera mentalidade e da violência da instituição. [tr. Casanova; GA65: 56]

O abandono do ser é o fundamento e, com isso, ao mesmo tempo a determinação mais originária da essência daquilo que Nietzsche   reconheceu pela primeira vez como niilismo. O quão pouco mesmo ele e sua força conseguiram impelir o ser-aí ocidental à MEDITAÇÃO sobre o niilismo! Ainda menor, porém, é a esperança de que essa era traga à tona a vontade de saber sobre o fundamento do niilismo. Ou será que deveria emergir desse saber pela primeira vez a clareza quanto ao “fato” do niilismo? [tr. Casanova; GA65: 57]

4) O desnudamento, a publicização e a vulgarização da tonalidade afetiva. A essa desertificação criada por meio daí corresponde a inautenticidade crescente de toda e qualquer postura e, juntamente com isso, a despotencialização da palavra. A palavra só continua se mostrando como o invólucro e como a excitação tonitruante, junto à qual não se pode mais ter em vista um “sentido”, porque se retira todo o poder de reunião de uma MEDITAÇÃO possível e se despreza a MEDITAÇÃO em geral como algo estranho e impotente. Tudo isso se torna tanto mais sinistro, quanto menos impertinentemente ele se desenrola, quanto mais obviamente ele se apossa do cotidiano e é coberto por assim dizer por novas formas da instituição. A consequência do desnudamento da tonalidade afetiva, que é ao mesmo tempo a dissimulação do vazio crescente, se mostra completamente na incapacidade de experimentar precisamente o acontecimento propriamente dito, o abandono do ser, como indigência afinadora, supondo mesmo que ele poderia ser mostrado em certos limites. [tr. Casanova; GA65: 58]

A copertinência das duas só é concebida a partir do retorno à sua mais ampla dissincronia e a partir da dissolução da aparência de sua mais extrema oposicionalidade. Se a MEDITAÇÃO pensante (como questão acerca da verdade do seer e apenas como essa questão) alcança o saber acerca dessa copertinência, então o traço fundamental da história do primeiro início (a história da metafísica ocidental) já é concebido a partir do saber do outro início. Maquinação e vivência apontam formalmente para a concepção mais originária da fórmula para a questão diretriz do pensamento metafísico: entidade (ser) e pensamento (como con-ceber re-presentativo). [tr. Casanova; GA65: 61]

O niilismo no sentido de Nietzsche significa: que todas as metas desapareceram. Nietzsche tem em vista aqui as metas que crescem em si e que transformam o homem (para onde?). O pensar em “metas” (o há muito tempo mal interpretado telos   dos gregos) pressupõe a idea   e o “idealismo”. Por isto, apesar de sua essencialidade, essa interpretação “idealista” e moral do niilismo permanece provisória. Se tivermos em vista o outro início, o niilismo precisa ser concebido de maneira mais fundamental como a consequência essencial do abandono do ser. Como é, porém, que esse abandono do seer pode chegar a ganhar o espaço do conhecimento e a se decidir, se já aquilo que Nietzsche experimentou e pensou integralmente pela primeira vez como niilismo permaneceu até agora inconcebido e, antes de tudo, não nos coagiu à MEDITAÇÃO? Tomou-se conhecimento da “teoria” nietzschiana sobre o “niilismo” como uma psicologia da cultura interessante, mas antes disso as pessoas fizeram o sinal da cruz diante de sua verdade, isto é, elas mantiveram aberta ou tacitamente essa verdade afastada do corpo como algo diabólico. Pois é assim que se encontra formulada a reflexão elucidativa: aonde é que chegaríamos se isso fosse verdadeiro e viesse a se tornar verdadeiro? E não se pressente que justamente essa reflexão ou a atitude que a sustenta e o comportamento em relação ao ente é que constituem o niilismo propriamente dito: não se quer admitir a ausência de metas. E, por isso, se tem uma vez mais “metas”, ainda que essas metas não apontem senão para o fato de que o que pode ser em todo caso um meio para o estabelecimento de metas e para a sua persecução é alçado à categoria de uma meta: o povo, por exemplo. E, por isso, justamente lá onde se acredita ter uma vez mais metas, lá onde se é uma vez mais “feliz”, lá onde se passa a tornar uniformemente acessível a todo o “povo” os “bens culturais” até aqui vedados à “maioria” (cinemas e viagens para banhos de mar), precisamente aí, nessa embriaguês “vivencial” barulhenta, é que está o maior de todos os niilismos, o fechar os olhos organizado ante a ausência de metas do homem, o desviar “sempre pronto a entrar em ação” diante de toda decisão que estabeleça uma meta, o medo diante de toda e qualquer região de decisão e de sua abertura. O medo diante do seer nunca foi tão grande quanto hoje. Prova: a instituição gigantesca para que o grito ofusque esse temor. A característica essencial do “niilismo” não depende de se igrejas e monastérios são destruídos e se homens são mortos aí ou se isso é reprimido e o “cristianismo” pode seguir o seu caminho, mas o decisivo é: se se sabe e se quer saber que precisamente essa tolerância do Cristianismo e o Cristianismo mesmo, que o discurso geral sobre a “providência” e o “senhor Deus”, por mais sincero que ele possa vir a ser para o particular, são apenas desvios e impasses no âmbito que não se quer reconhecer como o âmbito de decisão sobre o seer e o não seer e se deixar assim fazer valer. O niilismo de todos o mais fatídico consiste no fato de que podemos nos fazer passar por protetores do Cristianismo e até mesmo requisitar para nós com base em realizações sociais o caráter cristão de todos o mais cristão. Esse niilismo tem toda a sua periculosidade no fato de que ele se esconde completamente e se destaca agudamente e com razão daquilo que se poderia chamar o niilismo tosco (o bolchevismo). A questão é que a essência do niilismo é justamente tão abissal (porque ele desce e alcança a verdade do seer e a decisão sobre ela), que precisamente essas formas de todas as mais opostas podem e precisam lhe pertencer. E, por isso, pode parecer que, computado no todo e de maneira minuciosa, o niilismo seria insuperável. Se as duas formas opostas mais extremas do niilismo se combatem, em verdade, de maneira necessária do modo mais intenso possível, então essa luta conduz de um modo ou de outro para a vitória do niilismo, isto é, para uma solidificação renovada; e isso supostamente sob a figura, segundo a qual as pessoas proíbem a si mesmas de algum dia ainda achar que o niilismo ainda estaria em obra. [tr. Casanova; GA65: 72]

O seer abandonou tão fundamentalmente o ente e esse é a tal ponto entregue à maquinação e ao “vivenciar”, que necessariamente aquelas tentativas aparentes de salvação da cultura ocidental, assim como toda “política cultural”, precisam se tornar a figura mais insidiosa, e, com isso, a figura mais elevada do niilismo. E esse é um processo que não está articulado com homens particulares e suas ações e doutrinas, mas que apenas expulsa a essência interna do niilismo para o interior da mais pura figura que lhe é atribuída. A MEDITAÇÃO sobre isso carece naturalmente já de um ponto de vista, a partir do qual nem uma ilusão por parte das coisas muito “boas”, “progressistas” e “gigantescas”, que são realizadas, nem mesmo um mero desespero vem à tona, desespero esse que só não fechou os olhos ainda diante da completa ausência de sentido. Esse ponto de vista, que funda ele mesmo para si de maneira nova pela primeira vez tempo e espaço, se mostra como o ser-aí que ganha de modo primordial o saber sobre o seer ele mesmo como a recusa e, com isso, como o acontecimento apropriador. Na experiência fundamental de que o homem como fundador do ser-aí é usado pela divindade do outro deus abre-se a preparação da superação do niilismo. Mas o elemento mais incontomável e mais pesado nessa superação é o saber sobre o niilismo. Esse saber não pode permanecer preso nem à palavra, nem à primeira elucidação do que se tem em vista por meio de Nietzsche, mas é preciso reconhecer como a sua essência o abandono do ser. [tr. Casanova; GA65: 72]

Em verdade, a ciência moderna e atual não alcança em lugar algum o campo da decisão sobre a essência do seer. Por que então, porém, pertence à MEDITAÇÃO sobre a “ciência” a preparação da ressonância? [tr. Casanova; GA65: 73]

O abandono do ser é a consequência de início previamente conformada da interpretação da entidade do ente a partir do fio condutor do pensar e da precipitação primeva, condicionada por meio daí, da aletheia   não fundada expressamente. Como, então, contudo, na Modernidade e enquanto Modernidade, a verdade assume a figura da certeza, como essa certeza se firma sob a forma do pensar, que pensa a si mesmo imediatamente, do ente como aquilo que se encontra contra-posto re-presentado, e como a fundamentação da Modernidade consiste na fixação desse elemento fixo; além disso, como essa certeza do pensar se desdobra na instituição e no empreendimento da “ciência” moderna, o abandono do ser (e, isto significa, a retenção da aletheia até a sua coação a se manter reprimida em meio ao esquecimento) é decidido concomitantemente pela ciência moderna, e, em verdade, sempre apenas, na medida em que ela pretende ser um ou até mesmo o saber normativo. Por isto, uma MEDITAÇÃO sobre a ciência moderna e sobre a sua essência maquinalmente enraizada no interior da tentativa de um aceno para o abandono do ser como ressonância do seer é incontornável. [tr. Casanova; GA65: 73]

Nisso reside ao mesmo tempo: a MEDITAÇÃO assim configurada sobre a ciência ainda é a única MEDITAÇÃO filosoficamente possível, contanto que a filosofia já se movimente na transição para o outro início. Todo e qualquer tipo de fundamentação científico-teórica (transcendental  ) se tornou tão impossível quanto uma “dotação de sentido”, que atribui à ciência presente à vista e, com isso, não alterável em sua consistência essencial, tanto quanto ao seu funcionamento, o estabelecimento de uma meta populista e política ou de alguma outra meta antropológica. Essas “fundamentações” se tornaram impossíveis, porque elas pressupõem necessariamente “a ciência” e, então, só são dotadas com um “fundamento” (que não é fundamento algum) e um sentido (para o qual falta a MEDITAÇÃO). Por meio daí, “a ciência” e, com isso, a solidificação do abandono do ser empreendida por ela se tornaram, com maior razão, definitivas. Assim, toda e qualquer questão acerca da verdade do seer (toda filosofia) é alijada do âmbito do agir como desnecessária e como realizada sem necessidade. Mas precisamente esse alijamento da possibilidade (da possibilidade interna) de toda e qualquer MEDITAÇÃO sobre o pensar enquanto pensar do seer, porque ele não possui a menor ideia do que ele mesmo faz, é impelido a mexer com maior razão com as formas de pensamento, os meios de pensamento e as regiões de pensamento da metafísica até aqui pegos sem escolha com vistas à produção de uma bebida “ligada à visão de mundo”, e a aprimorar a filosofia passada e a se comportar em tudo isso “de maneira revolvida”; revolvimento esse que (equivalendo a uma instituição de todos os lugares comuns possíveis) merece ser chamado simplesmente de “revolucionário” em comparação com a ausência de veneração insuperável em relação aos grandes pensadores. Veneração é naturalmente algo diferente de elogio e de deixar viger por “seu” tempo, caso alguém quisesse se reportar a algo desse gênero. [tr. Casanova; GA65: 73]

A MEDITAÇÃO sobre “a ciência”, que tem de ser fixada em uma série de sentenças diretrizes, precisa destacar algum dia esse nome da indeterminação histórica característica da equiparação arbitrária com episteme  , scientia, Science, fixando-a com vistas à essência moderna da ciência. Ao mesmo tempo, a subespécie que se firmou na ciência, a subespécie da aparência de saber (como resguardo da verdade), precisa se tornar clara e a ciência precisa ser perseguida até as instituições e os estabelecimentos de funcionamento que pertencem necessariamente à sua essência maquinal (a “universidade” atual). Para a caracterização da essência dessa ciência, na medida em que a ligação com o “ente” é vislumbrada, a distinção agora corrente entre ciências históricas e ciências exatas experimentais é diretriz, apesar de essa distinção, assim como a distinção que emerge dela entre “ciências da natureza e ciências do espírito”, só ser uma distinção de primeiro plano e só encobrir propriamente de maneira precária a essência una das ciências que, em aparência, são fundamentalmente diversas. A MEDITAÇÃO não é válida inteiramente para uma descrição e uma clarificação dessas ciências, mas para a solidificação realizada através delas e nelas do abandono do ser, em suma, da ausência de verdade de toda ciência. [tr. Casanova; GA65: 73]

Há hoje dois e apenas dois caminhos de uma MEDITAÇÃO sobre “a ciência”. [tr. Casanova; GA65: 75]

Um deles concebe a ciência não como a instituição agora presente, mas como uma possibilidade determinada do desdobramento e da construção de um saber, cuja essência mesma só se vê enraizada em uma fundamentação mais originária da verdade do seer. Essa fundamentação realiza-se como primeira confrontação com o início do pensamento ocidental e vem a ser, ao mesmo tempo, o outro início da história ocidental. A MEDITAÇÃO assim dirigida sobre a ciência retorna de maneira igualmente decidida para o sido, assim como ela antecipa de maneira ousada um porvir. Ela não se movimenta em parte alguma na discussão de algo presente e de sua fabricação imediata. Calculada a partir do presente, essa MEDITAÇÃO sobre a ciência se perde no efetivamente irreal, o que de imediato significa também para todo o cálculo o impossível. [tr. Casanova; GA65: 75]

O outro caminho, que estaria prelineado nas seguintes sentenças diretrizes, concebe a ciência em sua constituição atual real e efetiva. Essa MEDITAÇÃO tenta conceber a essência moderna da ciência segundo as aspirações que lhe são pertinentes. Como MEDITAÇÃO, porém, ela também não é nenhuma mera descrição de um estado presente à vista, mas a exposição de um processo, na medida em que esse processo conflui para uma decisão sobre a verdade da ciência. Essa MEDITAÇÃO permanece dirigida pelos mesmos critérios de medida que a primeira e não é senão o reverso daquela. [tr. Casanova; GA65: 75]

18) A forma oposta moderna em relação à ciência “experimental” é a “historiologia” que cria a partir de “fontes” e sua subespécie, a pré-historiologia, na qual talvez a essência de toda historiologia, o fato de que ela nunca alcança a história, pode ser elucidada da maneira mais penetrante possível. Toda “historiologia” se alimenta da comparação e serve à ampliação das possibilidades de comparação. Apesar de a comparação ter em vista aparentemente as diferenças, as diferenças nunca se tornam de qualquer modo para a historiologia uma diversidade decidida, ou seja, a unicidade do único e do simples, em face do qual a historiologia, caso ela pudesse se colocar algum dia diante de tal elemento único, precisaria reconhecer a si mesma como insuficiente. O pressentimento inconsciente da negação ameaçadora de sua própria essência pelo histórico é o fundamento de todos o mais íntimo, razão pela qual a comparação historiológica só concebe as diferenças, para ordená-las em uma região ulterior e mais enredada da comparabilidade. Toda comparação, no entanto, é em essência uma igualação, a rearticulação com algo igual, que não chega enquanto tal de modo algum ao saber, mas constitui aquele elemento autoevidente, a partir do qual toda explicação e referência possuem a sua clareza. Quanto menos a própria história, quanto mais apenas os feitos, as obras, os produtos e as opiniões são indicados, calculados de maneira exaustiva e apresentados enquanto eventos em sua sequência e diversidade, tanto mais facilmente a historiologia pode satisfazer o rigor que lhe é próprio. O fato de ela sempre se mover nessa região é comprovado da maneira mais evidente possível por meio do modo do “progresso” das ciências historiológicas. Esse progresso consiste na respectiva troca e na troca respectivamente diversa e causada das perspectivas diretrizes da comparação. A descoberta do assim chamado novo “material” é sempre a consequência, não o fundamento da perspectiva escolhida de maneira nova da explicação. Nesse caso, há tempos que se restringem, em meio ao aparente alijamento de todas as “interpretações” e “apresentações”, ao asseguramento das “fontes” que, então, são elas mesmas designadas os “resultados” propriamente ditos. Mas mesmo esse asseguramento dos “resultados” e do que pode ser encontrado passa ao mesmo tempo e necessariamente para o interior de uma explicação e, com isso, para a requisição de uma perspectiva diretriz (a mais tosca subordinação e inserção de um resultado na ordem do já encontrado é uma explicação). No transcurso do desenvolvimento da historiologia, não é apenas o material que cresce. Ele não se torna apenas mais abarcável e, por meio de instituições mais refinadas, mas rápido e confiavelmente acessível, mas ele se torna antes de tudo em si mesmo cada vez mais constante, isto é, mais invariável na mudança das perspectivas, às quais ele é submetido. O trabalho historiológico se torna por meio daí cada vez mais confortável porque só a aplicação de uma nova perspectiva interpretativa no material fixado precisa ainda ser levada a termo. A perspectiva interpretativa, porém, nunca é trazida à tona pela historiologia mesma, mas a historiologia se mostra sempre apenas como o reflexo da história atual, na qual o historiólogo se encontra, mas que ele não conhece precisamente em termos históricos. Ao contrário, a historiologia só consegue explicar as coisas, por fim, historiologicamente. A alternância da perspectiva interpretativa, contudo, garante, então, por um tempo mais longo, uma vez mais uma profusão de novas descobertas, o que, por outro lado, fortalece a historiologia mesma no autoasseguramento de sua progressividade, fixando-a cada vez mais no desvio que lhe é próprio ante a história. No entanto, caso uma determinada perspectiva interpretativa seja alçada ao nível da única perspectiva normativa, então a historiologia encontra nessa univocidade da perspectiva diretriz, além disso, ainda um meio para se elevar a uma posição acima da historiologia até aqui, alternante em suas perspectivas, e levar essa constância de sua “pesquisa” à correspondência há muito desejada com as “ciências exatas”, se tornando propriamente “ciência” – o que se anuncia no fato de que ela se torna capaz de ser funcionalizada e “institucionalizada” (por exemplo, de maneira correspondente às instituições da sociedade do Imperador Guilherme). Essa consumação da historiologia na “ciência” assegurada não é de maneira alguma contradita pelo fato de que sua principal realização é levada a cabo desde então sob a forma da produção de relatos (reportagens) e de que os historiólogos se tornam ávidos por tais apresentações da história do mundo. Pois a “ciência da imprensa” já está, e não por acaso, em curso. Ainda se vê nela uma subespécie, se não até mesmo uma degradação da historiologia, mas, em verdade, ela é apenas a derradeira antecipação da essência da historiologia enquanto ciência moderna. É preciso atentar para a junção inevitável dessa “ciência da imprensa” no sentido amplo com a indústria editorial. As duas, em sua unidade, emergem da essência técnica moderna. (Por isto, logo que a “Faculdade de filosofia” se decidir a se transformar naquilo que ela agora já é, a ciência da imprensa e a geografia se tornarão as suas ciências fundamentais. O definhamento interior dessas “faculdades”, que se estende por toda parte de maneira clara, é apenas a consequência da falta de coragem para alijar de maneira decidida o seu caráter aparente como faculdades filosóficas e abrir ao caráter de funcionamento das “ciências do espírito” (ciências humanas) futuras plenamente o espaço para a sua instituição). Apesar de a teologia continuar sendo determinada de maneira diversa no que concerne à “visão de mundo”, ela se acha, em termos puramente sintõnicos com o funcionamento, a serviço de sua determinação enquanto ciência, muito mais avançada do que as “ciências do espírito” (ciências humanas), razão pela qual não há nenhum problema quando a faculdade de teologia, em verdade, é colocada em uma posição atrás da faculdade de medicina e de direito, mas à frente da faculdade de filosofia. A historiologia, sempre compreendida a partir do caráter requisitado pela ciência moderna, implica um constante desvio diante da história. Mesmo nesse desvio, porém, ela mantém ainda uma ligação com a história, e isso traz a historiologia e o historiólogo para o interior de uma ambiguidade. Se a história não é explicada historiologicamente e computada erroneamente com vistas a uma imagem determinada para finalidades determinadas de uma tomada de posição e da formação de uma mentalidade, se a história mesma é muito mais reconduzida à unicidade de sua inexplicabilidade e, por meio dela, todo o revolvimento historiológico e toda opinião e crença que emergem desse revolvimento são colocados em questão e levados à constante decisão sobre si mesmos, então se leva a cabo aquilo pode ser denominado pensamento histórico. O pensador histórico é tão essencialmente diverso do historiólogo quanto do filósofo. Ele é aquele que menos pode ser confundido com certos pseudoconstrutos, que se costuma chamar de “filosofia da história”. O pensador histórico tem o meio de sua MEDITAÇÃO e apresentação a cada vez em um determinado âmbito de criação, de decisões, assim como ele tem o ápice e as precipitações no interior da história (quer se trate da poesia, quer se trate das artes plásticas, quer se trate da fundação de Estado ou da liderança). Na medida em que a era atual e a era futura se desdobram, apesar de o fazerem de uma maneira completamente diversa, como eras históricas – a era atual-moderna, na medida em que ela reprime historiologicamente a história, sem poder se desviar dela; a era futura, na medida em que ela precisa oscilar entre a simplicidade e a agudeza de um ser histórico –, elas apagam para si hoje, visto de fora, necessariamente os limites de configuração do historiólogo e do pensador da história; isso tanto mais, uma vez que a história, de maneira correspondente à cunhagem crescente de seu caráter marcado pela ciência da imprensa e com base em suas exposições conjuntas realizadas em conformidade com as reportagens, difunde a aparência fatídica de uma consideração supracientífica da história e, assim, confunde completamente a MEDITAÇÃO histórica. Essa confusão, porém, é intensificada ainda uma vez por meio da apologética da história cristã que chegou ao poder e se exercitou na Civitas dei   de Agostinho  , a cujo serviço hoje mesmo todos os não cristãos já entraram, para os quais tudo depende de uma mera salvação do que se tinha até aqui, isto é, de que se impeçam decisões essenciais. O autêntico pensamento histórico, por isso, só pode se tornar cognoscível para poucos, e, a partir desses poucos, só os raros salvarão o saber histórico, atravessando a mistura geral de uma opinião historiológica em meio à prontidão para a decisão de uma geração futura. De modo ainda mais distante do que a história, é a natureza que está para aí voltada, e o interdito em relação a ela é tanto mais completo, uma vez que o conhecimento da natureza se desenvolve na direção da perspectiva “orgânica”, sem saber que o “organismo” não representa senão a consumação do “mecanismo”. Por isto, chega-se ao ponto no qual uma era do “tecnicismo” desenfreado pode encontrar ao mesmo tempo a sua autointerpretação em uma “visão de mundo orgânica”. [tr. Casanova; GA65: 76]

20) As “universidades”, enquanto “sítios da investigação e da doutrina da ciência” (assumindo tal modo de ser, elas são construtos do século 19) se transformam em puras instituições funcionais cada vez mais “próximas da realidade efetiva”, nas quais nada chega a se decidir. Elas só se mantêm como o último resto de uma decoração cultural, enquanto elas precisam permanecer em um primeiro momento ainda ao mesmo tempo um meio para a propaganda “político-cultural”. Uma essência qualquer de “universitas” não tem mais como ser desdobrada a partir delas: por um lado, porque a utilização político-populista torna supérfluo algo desse gênero, e, em seguida, porém, porque o funcionamento da ciência pode ser mantido em movimento de maneira muito mais segura e confortável mesmo sem o “elemento universitário”, o que significa aqui simplesmente, sem a vontade de MEDITAÇÃO. A filosofia, compreendida aqui apenas como MEDITAÇÃO pensante sobre a verdade, isto é, sobre a questionabilidade do seer, não como erudição historiológica capaz de fabricar “sistemas”, não tem na “universidade” e na instituição funcional na qual ela se transformará simplesmente nenhum lugar. Pois ela não “tem” em geral em parte alguma tal lugar para além daquele que ela mesma funda, para o qual, porém, não consegue conduzir imediatamente nenhum caminho marcado por uma instituição fixa. [tr. Casanova; GA65: 76]

A conexão de jogo da história do pensar do primeiro início não é, porém, nenhuma adução e nenhuma doação prévia historiológicas para um “novo” sistema, mas ela é em si a preparação essencial do outro início, preparação essa que impele à transformação. Por isso, talvez precisemos dirigir de maneira ainda mais inaparente e ainda mais decidida a MEDITAÇÃO histórica sobre os pensadores da história do primeiro início e plantar por meio do diálogo questionador com a sua postura questionadora um questionamento, que se encontrava outrora expressamente enraizado em um outro início. Todavia, uma vez que essa MEDITAÇÃO histórica, enquanto conexão de jogo dos inícios em si fundantes, que pertence de maneira a cada vez diversa ao abismo, emerge transitoriamente do outro início, mas, para conceber esse outro início, já se exige o salto, a MEDITAÇÃO se encontra submetida por demais à incompreensão, que só se depara com considerações historiológicas sobre obras pensantes, cuja escolha se deixa guiar por uma predileção qualquer. Sobretudo a forma exterior dessas meditações históricas (preleções “filosófico-historiológicas”) não se distingue em nada daquilo que só representa ainda uma erudição ulterior a uma história concluída da filosofia. [tr. Casanova; GA65: 82]

Nietzsche, concebido como o fim da metafísica ocidental, não aponta para nenhuma constatação historiológica daquilo que se encontra atrás de nós, mas se mostra como o ponto de partida histórico do futuro do pensar ocidental. A questão acerca do ente precisa ser trazida para o seu fundamento próprio, para a questão acerca da verdade do seer. E o que constituiu até aqui o fio condutor e a formação do horizonte de toda interpretação do ente, o pensar (re-presentar), é retomado na fundação da verdade do seer, no ser-aí. A “lógica” enquanto doutrina do pensar correto transforma-se em MEDITAÇÃO sobre a essência da linguagem como a denominação instituidora da verdade do seer. O seer, contudo, até aqui, sob a figura da entidade, o que havia de mais universal e corrente, se torna enquanto acontecimento apropriador o que há de mais único e estranho. [tr. Casanova; GA65: 89]

A transição para o outro início está decidida e, contudo, não sabemos para onde estamos indo, quando a verdade do seer se tornará o verdadeiro e a partir de onde a história enquanto história do seer tomará a sua via mais íngreme e mais curta. Como transitórios dessa transição, nós precisamos atravessar uma MEDITAÇÃO essencial na própria filosofia, para que ela conquiste o início, a partir do qual ela, sem necessidade de nenhum apoio, poderá ser uma vez mais completamente ela mesma. [tr. Casanova; GA65: 89]

Que, para a MEDITAÇÃO marcada pela dinâmica da retomada, o tempo enquanto verdade do ser brilhe de saída para nós a partir do primeiro início não significa dizer que a plena verdade originária do seer só possa ser fundada no tempo. Em verdade, é preciso tentar antes de qualquer coisa pensar a essência do tempo de maneira tão originária (em sua “extática”), que ela seja concebível enquanto verdade possível para o seer enquanto tal. Mas já esse pensar integralmente o tempo acaba por colocá-lo em uma ligação com o aí do ser-aí, com a espacialidade do ser-aí e, com isso, com o espaço na ligação essencial. Mas tempo e espaço são aqui, medidos pela representação habitual deles, de maneira mais originária e completamente o tempo-espaço, que não se mostra como nenhuma cópula, mas como o mais originário dessa copertinência. Isso, porém, aponta para a essência da verdade como velamento clareante. A verdade do seer não é nada menos do que a essência da verdade, concebida e fundada enquanto velamento clareante, o acontecimento do ser-aí, do ponto de virada na viragem enquanto o meio que se abre. [tr. Casanova; GA65: 95]

Na transição para o outro início a partir do primeiro início, a MEDITAÇÃO sobre a “ontologia” é necessária, a tal ponto que o pensamento da “ontologia fundamental” precisa ser inteiramente pensado. Pois nela a questão diretriz é pela primeira vez concebida e desdobrada enquanto questão, se tornando visível em relação ao seu fundamento e em sua estrutura. Uma mera rejeição da “ontologia”, sem uma superação a partir de sua origem, não realiza nada, mas coloca na melhor das hipóteses em perigo toda e qualquer vontade de pensar. Pois aquela rejeição (por exemplo, em Jaspers  ) toma um conceito muito questionável de pensamento como critério de medida – e encontra, então, o fato de que, por meio desse pensar, o “ser” – o que é visado é, em meio a uma grande confusão, o ente enquanto tal – não é alcançado, mas apenas acossado nos quadros e nas hastes do conceito. Por detrás dessa “crítica” notoriamente chã da “ontologia” (que fala por isso na maior confusão entre ser e ente), não há nada de efetivo para além da diferenciação que não é de maneira alguma questionada com vistas à sua origem entre conteúdo e forma, nem transposta “criticamente” para a “consciência” e para o sujeito e suas “vivências” “irracionais”, ou seja, temos aqui o kantismo rickertiano-laskiano, que Jaspers, por exemplo, nunca repeliu apesar de tudo. [tr. Casanova; GA65: 106]

A MEDITAÇÃO “ontológico-fundamental” (fundamentação da ontologia como sua superação) é a transição do fim do primeiro início para o outro início. Essa transição, contudo, é ao mesmo tempo o ímpeto para o salto, por meio do qual apenas um início, e, sobretudo, o outro, pode, como constantemente ultrapassado pelo primeiro, se iniciar. Aqui, na transição, prepara-se a decisão mais originária e, por isso, mais histórica, aquele ou-ou, em relação ao qual não restam nenhum esconderijo e nenhuma região para o desvio; ou permanecemos presos ao fim e ao seu transcurso, o que significa ao mesmo tempo às modulações renovadas da “metafísica”, que vêm se tornando cada vez mais toscas, desprovidas de fundamento e de meta (o novo “biologismo” e coisas do gênero), ou iniciamos o outro início, ou seja, nos decidimos pela sua longa preparação. Agora, porém, uma vez que o início só acontece no salto, essa preparação também precisa já ser um saltar e, enquanto preparação, provir e se destacar por meio de um salto da confrontação (conexão de jogo) com o primeiro início e sua história. O totalmente outro do outro início em contraposição ao primeiro pode ser elucidado por meio de um dizer, que aparentemente só joga com uma inversão, enquanto na verdade tudo se modifica. [tr. Casanova; GA65: 117]

O “tempo” como temporialidade, o que se tem em vista é a unidade originária do arrebatamento extasiante marcado por clareira e por encobrimento, oferece o fundamento mais próximo para a fundação do ser-aí. Com esse estabelecimento, a forma até aqui de resposta não deve ser, por exemplo, mantida, sim, nem mesmo substituída, ou seja, ao invés das “ideias” ou de sua desaprovação no século 19, ao invés dos “valores” não devem ser posicionados outros “valores” ou não deve ser posicionado valor nenhum. Ao contrário, o “tempo” aqui e, de maneira correspondente, tudo aquilo que é concebido sob o título “existência”, possui um significado completamente diverso, a saber, o significado da fundação dos sítios abertos da instantaneidade para um ser histórico do homem. Como todas as decisões até aqui não se mostram mais no âmbito das “ideias” ou do “ideal  ” (“visões de mundo”, ideias de cultura e coisas do gênero) como decisões, porque elas não colocam mais de maneira alguma em questão o seu espaço de decisão e ainda menos a verdade mesma enquanto verdade do seer, é preciso antes de tudo dirigir a MEDITAÇÃO para a fundação de um espaço de decisão, isto é, a indigência da falta de indigência precisa ser primeiro experimentada, o abandono do ser. No entanto, onde quer que, no sentido até aqui, ainda que com tomadas de empréstimo externas junto à “filosofia da existência”, tudo permanece no âmbito da “cultura”, da “ideia”, do “valor” e do “sentido”, aí, visto em termos da história do ser e a partir do pensamento inicial, o abandono do ser é uma vez mais solidificado e a falta de indigência é por assim dizer elevada ao nível de princípio fundamental. [tr. Casanova; GA65: 119]

Não é possível calcular se terá sucesso esse revolvimento do homem até aqui, isto é, a fundação anterior da verdade mais originária no ente de uma nova história. Ao contrário, tudo depende da doação ou da subtração do próprio acontecimento da apropriação; e isso mesmo se a essenciação do seer já tiver sido previamente pensada na MEDITAÇÃO atual e se ela tiver se tornado consciente nos seus traços fundamentais. [tr. Casanova; GA65: 130]

Caso não busquemos salvação em uma explicação do ser (da entidade) por meio do estabelecimento da primeira causa de todo ente, causa essa que causa a si mesma; caso não se dissolva o ente enquanto tal na objetualidade e não se explique uma vez mais a entidade agora a partir da re-presentação do objeto e de seu a priori  ; caso o seer mesmo deva chegar à essenciação e, contudo, todo tipo de ente deva ser mantido distante dele, então isso só se dará a partir de uma MEDITAÇÃO necessária (o abandono do ser como consistindo em indigência), para a qual isso se torna inequívoco: A verdade do ser e, assim, esse ser mesmo só se essenciam onde e quando se dá o ser-aí. Ser-aí “é” apenas onde e quando o ser da verdade se dá. Uma, sim, a viragem, que indica justamente a essência do ser mesmo como o acontecimento apropriador contra-agitando-se em si. O acontecimento apropriador funda em si o ser-aí (I.). O ser-aí funda o acontecimento apropriador (II.). Fundar é aqui marcado pela viragem: I. sustentador e inteiramente imperante, II. instituidor projetante. [tr. Casanova; GA65: 140]

Uma explicitação dialética meramente formal   da relação entre essentia   e existentia  , isto é, uma explicitação que acolhe a diferença como simplesmente dada e como se ela tivesse caído do céu, permanece uma escolástica vazia, que tem seu traço distintivo justamente em se manter sem um campo de visão e sem uma MEDITAÇÃO sobre a verdade com vistas aos conceitos da entidade em sentido amplo. A saída é, então, a explicação do “ser” a partir do ente supremo como feito e pensado por esse ente. [tr. Casanova; GA65: 149]

Não resta, porém, apesar disso um caminho para criar ao menos provisoriamente, ao modo das “ontologias” dos diversos “campos” (natureza, história), um campo de visão do projeto consonante com o ser, e, assim, para tornar os âmbitos novamente experimentáveis? Como transição, algo desse gênero pode se tornar necessário; isso permanece, todavia, fatídico, uma vez que a partir daí é natural o deslize em uma sistemática de um estilo mais antigo. Mas se a “ordem” é uma junção fugidia, que se encontra submetida à formação da história e à exportação resolutora de seu mistério, então essa junção fugidia pode, sim, ela precisa ter por si mesma um âmbito e um caminho; e não é um caminho arbitrário qualquer do abrigo (por exemplo, a técnica) que pode ser submetido à MEDITAÇÃO. É preciso lembrar aqui que o abrigo é sempre a contestação da contenda entre mundo e terra, que mundo e terra solapam um ao outro em se sobrelevando, que é em sua oposição que transcorre de antemão e antes de tudo o abrigo da verdade. [tr. Casanova; GA65: 152]

Cristalização e recaída da vida da abertura do começo. De acordo com isso, também nenhum fechamento, na medida em que o vivente não é levado consigo – “terra” (pedra, planta, animal). Pedra e corrente não sem planta, animal. Como se acha e como se toma a decisão em relação à “vida”? A MEDITAÇÃO sobre o “biológico”. [tr. Casanova; GA65: 154]

A morte não chega aqui ao âmbito da MEDITAÇÃO que estabelece as bases, para que se possa ensinar “em termos de visões de mundo” uma “filosofia da morte”, mas para que se possa trazer pela primeira vez a questão do ser para o seu fundamento e abrir o ser-aí como o fundamento a-bissal, voltando-o para o projeto, isto é, para o com-preender no sentido de Ser e tempo (não, por exemplo, para tornar “compreensível” a morte para os jornalistas e os burgueses). [tr. Casanova; GA65: 163]

Na direção dessa MEDITAÇÃO é possível elucidar de início a consequência histórica dos conceitos de essência, que vieram à tona no interior da história da questão diretriz como fios condutores da questão acerca da entidade: 1) A ousia   como idea; 2) ousia na explicitação aristotélica em Met. Zeta He Theta; 3) A essentia da Idade Média; 4) A possibilitas em Leibniz   (cf exercícios sobre Leibniz); 5) A “condição de possibilidade” em Kant, o conceito transcendental de essência; 6) O conceito idealista dialético absoluto de essência em Hegel  . [tr. Casanova; GA65: 166]

A questão é que já a MEDITAÇÃO sobre o aí como a clareira para o encobrir-se (o seer) precisa tornar possível pressentir o quão decisiva é a ligação do ser-aí com o ente na totalidade, porque o aí suporta a verdade do seer. Pensado nessa direção, o ser-aí, ele mesmo em nenhum lugar acomodável, é voltado para fora da ligação com o homem e se desentranha como o “entre”, que é desdobrado pelo próprio seer como o âmbito aberto do sobressair-se para o ente, âmbito esse no qual esse ente é recolocado sobre si mesmo. O aí é apropriado em meio ao acontecimento pelo próprio seer, e o homem acontece apropriadoramente como o guardião da verdade do seer na sequência, de tal modo que, assim, ele se revela pertencente ao ser-aí de uma maneira única e insigne. Logo que, porém, uma primeira indicação para o ser-aí tem sucesso, é preciso dar sequência ao essencial, o que se anuncia na seguinte indicação: no fato de que o ser-aí é apropriado em meio ao acontecimento pelo seer e de que o seer como o acontecimento apropriador mesmo forma o meio de todo pensar. [tr. Casanova; GA65: 175]

A Crítica da razão pura de Kant, na qual se dá uma vez mais desde os gregos um passo essencial, precisa pressupor esse contexto, sem apreendê-lo enquanto tal e sem poder trazê-lo mesmo a um fundamento (a ligação na viragem entre ser-aí e ser). E como esse fundamento não foi fundado, a crítica permaneceu sem fundamento e precisou conduzir ao ponto em que logo se prosseguiu para além dela e, em parte, com os seus próprios meios (o questionamento transcendental) em direção ao saber absoluto (Idealismo alemão). Como o espírito se tornou aqui absoluto, ele precisou conter a destruição do ente e a completa repressão da unicidade e do estranhamento do seer, acelerando a recaída no “positivismo” e no biologismo (Nietzsche) e calcificando-a cada vez mais até bem pouco tempo. Pois a “confrontação” atual com o Idealismo alemão, se é que ela merece ser chamada assim, é apenas “reativa”. Ela absolutiza “a vida” em toda a indeterminação e confusão que pode se esconder por detrás desse nome. A absolutização não é apenas o sinal para o ser determinado pelo adversário, ela é antes de tudo a indicação para o fato de que se chega ainda menos do que com ele a uma MEDITAÇÃO sobre a questão diretriz da metafísica. [tr. Casanova; GA65: 193]

Expelidos dessa verdade e cambaleando no abandono do ser, nós não sabemos senão muito pouco sobre a essência do si mesmo e sobre os caminhos para o saber autêntico. Pois por demais tenaz é o primado da consciência “egoica”, sobretudo porque essa consciência pode se esconder em múltiplas figuras. As mais perigosas são aquelas, nas quais o “eu” sem mundo teria aparentemente abdicado de si e se entregue a um outro, que seria “maior” do que ele e ao qual ele é atribuído de maneira parcial e parte a parte. A dissolução do “eu” na “vida” como povo: aqui, a superação do “eu” é viabilizada a partir do abandono da primeira condição de tal superação, a saber, a MEDITAÇÃO sobre o ser-si-mesmo e sobre sua essência, que se determina a partir da atribuição apropriadora e da sobreapropriação. [tr. Casanova; GA65: 197]

O que se obtém para a resposta a essa questão por meio da MEDITAÇÃO sobre as posições metafísicas fundamentais no interior da história da resposta à questão diretriz? [tr. Casanova; GA65: 200]

A partir da lembrança do início (da aletheia) tanto quanto a partir da MEDITAÇÃO sobre o fundamento da possibilidade da correção (adaequatio  ), nós nos deparamos com o mesmo: a abertura do aberto. Com isto, é dada apenas uma primeira indicação da essência, que se determina de maneira mais essencial como clareira para o encobrir-se. Mas já a abertura se mostra como bastante enigmática, abstraindo-se completamente do modo de sua essenciação. [tr. Casanova; GA65: 214]

A tentativa de tal fundação e concepção é a denominação e o desdobramento do ser-aí. Isso só pode acontecer a partir do “homem”, e, nessa medida, os primeiros passos para a fundação do ser-aí “do” homem, do ser-aí “no” homem, do homem no ser-aí são muito ambíguos e desamparados; e isso, sobretudo, se, como aconteceu até aqui, faltar toda e qualquer vontade de conceber o modo de questionamento desdobrado a partir de si e a partir de sua intenção fundamental em relação à verdade do seer, e se tudo for empregue apenas em reconduzir a e em explicar o decisivo com vistas ao que se tinha até aqui, afastando-o com isso. Por isto, mesmo o caminho da MEDITAÇÃO sobre a correção e o fundamento de sua possibilidade é de imediato pouco convincente, porque as pessoas não conseguem se livrar das representações de uma coisa humana (sujeito – pessoa e coisas do gênero) e tudo é padronizado apenas como “vivências” do homem e essas vivências uma vez mais como ocorrências nele. [tr. Casanova; GA65: 214]

Mesmo essa MEDITAÇÃO não pode senão indicar que algo necessário ainda não foi concebido e captado. Esse elemento necessário, o ser-aí, só é alcançado por meio de um tresloucamento do ser do homem na totalidade, isto é, a partir da MEDITAÇÃO sobre a indigência do ser enquanto tal e de sua verdade. [tr. Casanova; GA65: 214]

O primeiro (inicial) abrigo, a questão e a decisão. A pergunta acerca da verdade (MEDITAÇÃO), colocar em decisão a sua essência. Origem e necessidade da decisão (da questão). A questão: precisamos perguntar (essencialmente)? Se a resposta for sim, então: por quê? A questão e a crença. [tr. Casanova; GA65: 221]

As coisas são diversas, porém, no que concerne à clareira para o encobrimento. Aqui nos encontramos na essenciação da verdade, e essa é verdade do seer. A clareira para o encobrimento é já a oscilação da contraoscilação da viragem do acontecimento apropriador. Mas as tentativas até aqui em Ser e tempo e nos escritos seguintes de impor essa essência da verdade contra a correção do re-presentar e do enunciar como fundamento do próprio ser-aí precisavam permanecer insuficientes, porque elas foram sempre realizadas a partir da repulsae, com isso, porém, tinham sempre o re-pelido como ponto de mira, tornando impossível saber a essência da verdade desde o seu fundamento, desde o fundamento como o qual ela mesma se essencia. Para que se tenha sucesso nesse empreendimento é necessário não reter mais o dizer sobre a essência do seer, seguindo uma vez mais a partir da opinião de que se poderia, apesar da intelecção da necessidade do projeto que salta para frente, abrir por fim de qualquer modo, a partir do que se deu até aqui, gradualmente um caminho para a verdade do seer. Isso, porém, precisa sempre fracassar. E o novo perigo se torna tão forte, que o acontecimento apropriador se transforma agora ao mesmo tempo apenas em um nome e em um conceito manuseável, a partir do qual algo diverso poderia ser “deduzido”, mas que precisa, porém, ser dito dele; uma vez mais, contudo, não destacado em uma discussão “especulativa”, mas na MEDITAÇÃO exigida, mantida pela indigência do abandono do ser. [tr. Casanova; GA65: 226]

Quando cheguei a determinações tais como: o ser-aí é ao mesmo tempo na verdade e na não-verdade, então se compreendeu essa sentença imediatamente de uma maneira moral ligada a uma visão de mundo, sem apreender o decisivo da MEDITAÇÃO filosófica, a essenciação do “ao mesmo tempo” como essência fundamental da verdade, e sem uma concepção originária da não-verdade no sentido do encobrimento (e não, por exemplo, da falsidade). [tr. Casanova; GA65: 226]

O que significa: “encontrar-se” na clareira do encobrimento e suportá-la? A tonalidade afetiva fundamental da retenção. O elemento único distintivamente histórico dessa insistência, o fato de se decidir aqui em primeiro lugar e apenas sobre o “verdadeiro”. Que constância tem essa insistência? Ou formulando de maneira diversa a questão: quem consegue, quando e como ser o ser-aí? O que é que a MEDITAÇÃO inicial do dizer pensante consegue realizar aqui para a preparação desse ser? Por que é que, neste instante, esse saber agora, ou seja, o saber questionador precisa trazer consigo o impulso? Em que medida foi agora apenas que o poeta anterior a nós, Hölderlin  , se tornou em sua poesia e em sua obra poética mais única a nossa necessidade? [tr. Casanova; GA65: 226]

Que sempre subsiste de certa maneira essa verdade, desde que o homem é e caso ele seja historicamente, e que, contudo, esse deslocamento permanece velado, isso se acha essencialmente no domínio da correção. De acordo com ela, o homem se encontra e se acha ao mesmo tempo e apenas em um em-face-de (psyche   – antikeimenon, cogito   – cogitatum, consciência – o de que se tem consciência). A partir desse em-face-de, ele toma e espera o preenchimento de suas pretensões. Nele se transcorre tudo aquilo em que o homem se acredita versado. A isso também pertence o domínio da ‘‘transcendência”. E aqui está a razão mais profunda para o caráter velado e dissimulado do ser-aí. Pois o que é, apesar de toda oposição contra o “eu”, mais inequívoco e mais inquestionado do que o fato de que “eu”, de que “nós” estamos contrapostos aos objetos; por mais que “nós” e “eu” sejamos a princípio o inquestionado que se pode carregar tranquilamente nas costas. E, com isso, não se ousa, porém, levar a MEDITAÇÃO a um ponto tão distante, mesmo que apenas no interior dessa posição fundamental, de tal modo que se veja: “nós” não “damos” mais nada que pudesse reproduzir em imagem o verdadeiro e re-stituí-lo. [tr. Casanova; GA65: 227]

[A questão acerca da verdade como MEDITAÇÃO histórica] O que se tem em vista aqui não é o relato historiológico sobre as opiniões e doutrinas, que foram apresentadas com vistas ao “conceito” da verdade. No outro início, a filosofia é em essência histórica, e, nesse aspecto, precisa se dar, então, um tipo mais originário de lembrança da história do primeiro início. A questão é que movimentos fundamentais da essência da verdade e de suas condições de interpretação suportaram e suportarão a história ocidental. As duas posições fundamentais distintas nessa história são caracterizadas por Platão   e Nietzsche. E, com efeito, Platão (cf Interpretação da alegoria da caverna) como aquele pensador, junto ao qual ainda se torna clara uma derradeira reluzência da aletheia na transição para a verdade do enunciado (cf também Aristóteles  , Metaflsica Theta IV). E Nietzsche, junto ao qual se reúne a tradição ocidental na variante moderna e antes de tudo positivista do século XIX e junto ao qual ao mesmo tempo a “verdade” é trazida para a posição oposta e, com isso, para a copertinência com a arte – as duas como modos fundamentais da vontade de poder como a essência do ente (essentia), cuja existentia é denomina como o eterno retorno do mesmo. [tr. Casanova; GA65: 232]

1) Por que essa interpretação é historicamente essencial? Porque ainda se torna visível aqui em uma MEDITAÇÃO levada a termo como é que ao mesmo tempo a aletheia suporta e conduz essencialmente a questão grega acerca do ón   e como é que precisamente por meio desse questionamento, do estabelecimento da idea, ela experimenta a sua derrocada. 2) Ao mesmo tempo, se mostra muito lá atrás: a derrocada não é a derrocada de algo instituído e mesmo de algo expressamente fundado. Nem uma coisa nem outra chegaram a ser realizadas no pensamento grego inicial; e isso apesar da sentença de Heráclito   sobre o polemos   e do poema de Parmênides  . E, contudo, a aletheia é essencial por toda parte no pensar e no poetar (tragédia e Píndaro  ). 3) Somente se isso for experimentado e exposto é que se tornará possível mostrar de que maneira, então, um resíduo e uma aparência da aletheia precisaram em certo sentido se manter, uma vez que mesmo a verdade como correção e precisamente ela precisa se abrigar em um já aberto (cf sobre a correção). Precisa estar aberto aquilo, pelo que o re-presentar se orienta (se retifica), e precisa estar aberto também aquilo ao que se deve atribuir a justeza (cf correção e relação sujeito-objeto; ser-aí e re-presentar). 4) Se considerarmos panoramicamente a história da aletheia a partir da alegoria da caverna, que tem uma posição chave tanto em relação ao que vem antes quanto em relação ao que vem depois, então é possível mensurar de maneira mediata o que significa erigir em primeiro lugar a verdade como aletheia de maneira pensante, desdobrá-la e fundamentá-la na essência. Que isso não apenas não aconteceu na metafísica até aqui e também no primeiro início, mas não podia acontecer. 5) A fundação essencial da verdade como desentranhamento da primeira reluzência na aletheia não é, então, simplesmente a assunção da palavra e de sua tradução adequada como “desvelamento”, mas importante é experimentar a essência da verdade como clareira para o encobrir-se. O encobrimento clareador precisa se fundar como ser-aí. O encobrir-se precisa ganhar o espaço do saber como essenciação do próprio seer enquanto acontecimento apropriador. A ligação mais íntima possível entre seer e ser-aí em sua viragem torna-se visível como aquilo que impõe a questão fundamental e obriga a ir além da questão diretriz, e, com isso, de toda metafísica; para além de fato em direção ao cerne da tempo-espacialidade do aí. 6) Como, porém, “a verdade” mesma e seu conceito, de acordo com uma longa história e com uma confusa tradição, para a qual muitas coisas confluíram, não se encontram mais em questão em nenhum modo de formulação claro e necessário, mesmo as interpretações da história do conceito de verdade tanto quanto as interpretações da alegoria da caverna se mostram em particular como precárias e dependentes daquilo que mesmo antes foi retirado do platonismo e da doutrina do juízo. Faltam as posições fundamentais para um projeto daquilo que é dito na alegoria da caverna e daquilo que se dá nesse dizer. Por isto, é necessário apresentar algum dia pela primeira vez uma interpretação coesa, proveniente da questão da verdade, da alegoria da caverna e tornar essa interpretação eficaz como uma introdução ao âmbito da questão da verdade e como uma condução à necessidade dessa questão, com todas as reservas que permanecem presas a tais tentativas imediatas; pois o fundamento e a perspectiva do projeto da interpretação e de seus passos permanecem pressupostos como não discutidos e aparecem como violentos e arbitrários. [tr. Casanova; GA65: 233]

Nietzsche foi aquele que por último perguntou da maneira mais apaixonada possível sobre a verdade. Pois um dia ele partiu do fato de “que nós não temos a verdade” (XI, 159); mas, por outro lado, ele pergunta de qualquer modo o que a verdade seria, sim, até mesmo qual seria o seu valor (VII, 471). E, no entanto, Nietzsche não pergunta originariamente sobre a verdade. Pois na maioria das vezes ele tem em vista sempre por essa palavra o “verdadeiro”; e, onde ele pergunta sobre a essência do verdadeiro, isso acontece em meio a um enredamento na tradição e não a partir de uma MEDITAÇÃO originária, de tal modo que a verdade é ao mesmo tempo concebida como decisão essencial também sobre “o verdadeiro”. Com certeza, ainda que se pergunte de maneira mais originária, isso nunca garante uma resposta mais certa, mas, ao contrário, apenas abre uma questiona-bilidade mais elevada da essência da verdade; e é dessa questiona-bilidade que precisamos; pois sem ela o verdadeiro permanece indiferente. [tr. Casanova; GA65: 234]

Nietzsche não chega, porém, a uma posição livre em sua MEDITAÇÃO sobre a “verdade”, porque ele: 1) Refere a verdade à “vida” (de maneira “biológico”-idealista) como asseguramento da vida. “A vida” é estabelecida simplesmente como realidade efetiva fundamental e lhe é atribuído o caráter universal do devir. 2) Ao mesmo tempo, porém, Nietzsche concebe o “ser” como o “constante”, completamente no sentido da mais antiga tradição platônica; e como esse elemento constante, visto a partir da vida e com vistas a ela, ele é o fixado e assim respectivamente “verdadeiro”. 3) Este conceito de verdade erigido com vistas à “vida” e determinado a partir do conceito tradicional de ser está, além disso, completamente na via da tradição, na medida em que a verdade é uma determinação e um resultado do pensamento e da re-presentação. O ponto de partida dessa opinião corrente em Aristóteles. Tudo isso assumido sem questionamento impede uma pergunta mais originária acerca da essência da verdade. [tr. Casanova; GA65: 234]

A MEDITAÇÃO sobre a proveniência a partir da história do primeiro início (ser como entidade – presentidade constante) é incontornável. É preciso mostrar como se chega ao ponto em que espaço e tempo se transformam em representações enquadradoras (conceito de “ordo”) (“formas da intuição”) para o cálculo “matemático” e por que esses conceitos de espaço-tempo dominam todo pensar, mesmo lá e precisamente lá onde se fala de “tempo vivenciado” (Bergson   entre outros). Para tanto, é necessária a interpretação de Aristóteles, Física Delta sobre topos   e kronos e naturalmente isso no quadro de toda a posição fundamental da Física. Nesse caso, mostrar-se-á como é que aqui ainda não se tinha alcançado de maneira alguma a representação do “quadro” e que essa também não pode ser alcançada aqui, uma vez que essa representação pressupõe a irrupção do “matemático” no sentido moderno. E isso, por sua vez, só é possível, isto é, a interpretação correspondente de espaço e tempo, depois que se perdeu o seu solo, a experiência grega da entidade, e, de imediato, depois que ele foi substituído pela interpretação cristã do ente em meio à manutenção dos “resultados” de Aristóteles. A despotencialização da ousia e a irrupção da substantia   já tinham sido há muito preparadas. O que é realizado aqui pelo nominalismo. Como é que, porém, ainda e precisamente na Modernidade, no que concerne ao tempo e ao espaço, se reteve uma interpretação metafísica e se tentou levá-la a termo uma vez mais: espaço como sensorium Dei. A ambiguidade de espaço e tempo em Leibniz, a origem (o salto originário) obscura, em Kant simplesmente atribuída ao sujeito humano! Mas tudo isso sem qualquer noção do tempo-espaço. Por que e sob que pressupostos é historicamente necessária a dissolução da unidade de tempo e espaço? [tr. Casanova; GA65: 239]

Qual é, porém, o caminho para uma MEDITAÇÃO primeira pro-visória e com efeito transitória sobre o tempo-espaço? O caminho dos sítios instantâneos do ser-aí. E esses sítios se mostram lá onde somos, assim, subtraídos do ser-aí? Pode-se tentar partir da questão da “unidade” de “espaço e tempo” segundo a representação usual? De onde, por que e como as duas se encontram desde sempre juntas? Qual é a experiência fundamental, sem que ela fosse dominada? (o aí!) Só superficialmente de acordo com a entidade diretriz? Mas como o “e” para as duas? Pergunta-se em geral sobre isso e ele é questionável? [tr. Casanova; GA65: 239]

A conexão do tempo-espaço com espaço e tempo e o desdobramento desses dois a partir daquele podem ser elucidados em parte o mais prontamente possível de antemão, se tentarmos extrair o espaço e o tempo mesmos da interpretação até aqui, apreendendo-os, porém, na direção dessa interpretação em sua forma pré-matemática. Decisiva, contudo, permanece a questão: como se chega àquilo que permite a matematização em espaço e tempo? A resposta reside na MEDITAÇÃO sobre aquele acontecimento, segundo o qual o a-bismo, quase sem sondagem, já é soterrado pelo não fundamento (cf o primeiro início). [tr. Casanova; GA65: 242]

O se valer mais intensamente dos serviços da técnica não desenvolve apenas essa técnica mesma, mas eleva seu poder em direção ao desmedido e incessante, se não for ainda maior e mais essencial a MEDITAÇÃO sobre a fundação do ser-aí como uma necessidade, que exige quietude e uma longa prontidão para o caráter repentino hesitante dos instantes. [tr. Casanova; GA65: 245]

O questionar acerca da essência da verdade e acerca da essenciação do seer: o que é isso senão o caráter resoluto em nome da mais extrema MEDITAÇÃO? Esse caráter resoluto, porém, cresce a partir da abertura para o necessário, que torna incontornável a experiência da indigência do abandono do ser. A experiência dessa indigência, contudo, depende uma vez mais da grandeza da força da lembrança no todo do caráter dominante do saber. Uma questão desse tipo é a retenção da busca, lá onde e como a verdade do ser se deixa fundar e abrigar. [tr. Casanova; GA65: 250]

Uma história longa, muito reincidente e muito velada, porém, será até esse instante incalculável, que também nunca pode se mostrar como algo de primeiro plano tal como uma “meta”. Somente de hora em hora é que os criadores precisam, na retenção do cuidado, preparar a si mesmos para a guarda no tempo-espaço daquele passar ao largo. E a MEDITAÇÃO pensante sobre esse único, a verdade do seer, só pode ser uma senda, na qual o impensável de antemão é, contudo, pensado, isto é, a transformação da ligação do homem com a verdade do seer é iniciada. Com a questão do seer, que superou a pergunta acerca do ente e, com isso, toda “metafísica”, acendeu-se a tocha e se ousou o primeiro passo em direção à ampla caminhada. Onde está o corredor, que recebe a tocha e leva para o seu ante-cessor? Os corredores precisam todos, e quanto mais tardios eles forem, tanto mais eles serão fortes ante-cessores, não pro-seguidores, que apenas “aprimoram” e refutam o que é primeiramente tentado, quando ele vem à tona. Os ante-cessores precisam ser cada vez mais originariamente do que os “ante”– (isto é, aqueles que se encontram atrás deles) – cessores os antecessores iniciais, pensando de maneira mais simples, mais rica e incondicionadamente única o um e o mesmo que precisa ser perguntado. O que eles assumem, na medida em que eles lançam mão da tocha, não pode ser o dito como “doutrina” e “sistema” e coisas do gênero, mas o que se precisou, que só se abre àqueles que, eles mesmos, possuindo uma proveniência abissal, pertencem aos que são impostos. [tr. Casanova; GA65: 256]

A determinação histórica da filosofia tem seu ápice no conhecimento da necessidade de criar a escuta para a palavra de Hölderlin. O poder ouvir corresponde a um poder dizer, que fala a partir da questionabilidade do seer. Pois isso é o mínimo que pode ser realizado para a preparação do espaço da palavra. (Se é que tudo não foi invertido ainda e transformado no elemento “científico” e “historiológico-literário”, seria preciso dizer: uma preparação do pensamento para a interpretação de Hölderlin precisa ser criada. “Interpretação” com certeza não tem em vista aqui tornar “compreensível”, mas sim fundar o projeto da verdade de sua poesia na MEDITAÇÃO e na tonalidade afetiva, nas quais o ser-aí por vir vibra) (cf Reflexões VI e VII Hölderlin). Essa caracterização histórica da essência da filosofia a concebe como pensar do seer. Esse pensar nunca pode fugir para o interior de uma figura do ente e experimentar nela toda a luz do simples a partir da riqueza reunida de sua obscuridade estruturada em suas junções. Esse pensar também não tem como seguir jamais a dissolução em meio ao amorfo. Esse pensar precisa capturar em um ponto aquém da distinção entre figura e ausência de figura (o que só se dá no ente), no abismo do fundamento da figura, o ímpeto de jogada de seu caráter de jogado e suportá-lo no aberto do projeto. O pensar do seer precisa pertencer ao que tem de ser pensado mesmo de uma maneira completamente diversa de todo e qualquer ajuste em relação ao elemento objetivo porque o seer não tolera a própria verdade como suplemento e como algo trazido para junto de si, mas “é” ele mesmo a essência da verdade. A verdade, aquela clareira do encobrir-se, em cujo aberto os deuses e o homem são apropriados em meio ao acontecimento para a sua contra-posição, abre ela mesma o seer como história. Nós talvez precisemos pensar essa história, se é que devemos aprontar o espaço que em seu tempo precisa resguardar em ressonância a palavra de Hölderlin, que denomina uma vez mais os deuses e o homem; e isso para que essa ressonância afine aqueles tonalidades afetivas fundamentais, que determinam o homem por vir em meio à guarda da indigencialidade dos deuses. Essa caracterização da filosofia em termos da história do seer carece de uma explicitação, que auxilie o surgimento de uma lembrança do pensar até aqui (a metafísica), mas retransporte ao mesmo tempo o porvir para o interior da copertinência histórica. [tr. Casanova; GA65: 258]

A meta-física é a justificação da “física” do ente por meio da fuga constante diante do seer. A “meta-física” é o impasse não admitido em relação ao seer e o fundamento do abandono final do ser do ente. A diferenciação do ente e do ser é deslocada para o caráter inofensivo de uma diferença apenas representada (de uma diferença “lógica”), se é que efetivamente essa diferença mesma ganha o espaço do saber enquanto tal, o que, considerado rigorosamente, fica e precisa ficar de fora, uma vez que o pensar metafísico só se mantém de fato na diferença, mas de tal modo que, de certa maneira, o ser mesmo se mostra como um tipo de ente. Somente a transição para o outro início, a primeira superação da metafísica, em meio a uma retenção necessariamente transitória de seu nome, eleva essa diferença ao nível do saber e a coloca, com isso, pela primeira vez na questão: não em uma questão arbitrária qualquer, mas na questão acerca do que há de mais digno de questão. Por mais extrinsecamente que a diferença enquanto “diferença ontológica” venha a ser introduzida, e por mais que ela seja introduzida de saída completamente no sentido do pensar representacional, o estabelecimento da MEDITAÇÃO junto a essa diferença é a tal ponto necessário. Pois nessa diferenciação “ontológica” aparentemente precária e inofensiva, isto é, nessa diferenciação “ontológica” que suporta a ontologia, a riqueza originária e o perigo de todos os perigos do ser humano, da fundação de sua essência e da destruição de sua essência, se tornam visíveis. Essa diferenciação é o encobrimento superficial do espaço da mais elevada ousadia pensante, que permanece reservada ao homem. [tr. Casanova; GA65: 258]

A diferença na questão do ser, que é uma questão histórica e que cinde a história da metafísica em relação ao pensar por vir, designa em sua primeira realização a transição. Só que a diferença não liga sob o modo do destaque algo passado e algo vindouro, uma história decorrida e uma história iminente, mas cinde antes dois cursos profundos fundamentalmente diversos da história ocidental. O fato de a história da metafísica (com Nietzsche) ter chegado ao fim não diz de maneira alguma que, desde então, o pensar metafísico (o que significa ao mesmo tempo o pensar conforme à razão, o pensar lógico) teria se esgotado. Ao contrário: esse pensar transpõe agora a sua morada fixa para a região das visões de mundo e da cientificização crescente da atividade cotidiana, tal como essa atividade se firmou já na reconfiguração do Cristianismo e tal como ela segue com ele em direção às formas de sua “secularização”, nas quais ele se encontra uma vez mais consigo mesmo sob a figura que ele assumiu por intermédio de sua cristianização (começando já em Platão). A história da metafísica não cessa porque ela passa agora para o campo do a-histórico, sim, porque ela abre agora pela primeira vez esse campo. Inversamente, o pensar da história do ser próprio ao outro questionamento não entra agora, por exemplo, na claridade do dia. Ele permanece velado em sua própria profundeza, mas agora não mais como desde o primeiro início do pensar ocidental durante a história da metafísica, no encobrimento de seu fechamento na origem não desentranhada, mas sim na claridade de uma pesada obscuridade da profundidade que sabe a si mesma, que se vê ressurgida na MEDITAÇÃO. [tr. Casanova; GA65: 259]

Pertence à autêntica transição sobretudo a coragem para o antigo e a liberdade para o novo. O antigo, porém, não é o antiquário, que se expande inevitavelmente, logo que a grandeza inicial, que permanece sem comparação em sua grandeza de acordo com a sua primeira inicialidade, recai na tradição e na negação historiológicas. O antigo, isto é, aquilo que nada mais jovem poderá jamais ultrapassar em termos de essencialidade, só se torna manifesto para a confrontação e para a MEDITAÇÃO históricas. O novo, no entanto, não é o “moderno”, aquilo que cria para si respectivamente no hoje dominante validade e favor e que permanece o inimigo escondido, que não conhece a si mesmo, de tudo que é decisivo. O novo tem em vista aqui o frescor da originariedade do reiniciar, que ousa se lançar em direção ao futuro do primeiro início e, por isso, não pode ser de modo algum “novo”, mas precisa ser antes mais velho do que o antigo. [tr. Casanova; GA65: 259]

Em todas essas formas ligadas umas às outras do gigantesco se essencia o abandono do ser; e, em verdade, não mais meramente sob o modo da permanência de fora da questionabilidade do ente, mas sob a forma da exclusão erigida de toda MEDITAÇÃO com base no primado incondicionado do “ato” (isto é, do funcionamento calculado e sempre “grandiosamente estabelecido”) e dos “fatos”. [tr. Casanova; GA65: 260]

Por que oferecemos, então, em geral ainda a mínima atenção a esse não se preocupar com o ser sob a forma de ontologia? Certamente não para colocar em discussão ou até mesmo alterar a respectiva opinião e doutrina do seer apresentada, ou a recusa de uma tal doutrina, mas sim para dirigir a MEDITAÇÃO para o fato de que todo o visar habitual sobre o ser mesmo (incluindo aí as ontologias e antiontologias) tem sua origem no domínio do ser e de sua “verdade” histórica determinada. (Nas antiontologias, a indiferença em face da questão do ser é levada ao extremo.) Aqui, contudo, há a ameaça de uma outra incompreensão: a concepção de que se deveria agora indicar o pressuposto “antropológico” daquele visar sobre o ser e, com essa demonstração, considerar aquele visar como “refutado”. Essa concepção é, contudo, justamente apenas uma consequência ulterior daquela opinião sobre o ser. [tr. Casanova; GA65: 261]

A MEDITAÇÃO precisa se deparar com o fato de que a indiferença já salva em meio à completa inocência em face do ser, a qual mantém na “ontologia” a sua “representação” escolar, não é nada menos do que a elevação extrema do poder do cálculo. Aqui se encontra a negação mais indiferente e mais cega do incalculável no trabalho. Esse incalculável, porém, não é considerado pela MEDITAÇÃO como um “erro” e um “descaso” que não precisaria ser senão lastimado, mas como história, cuja “realidade efetiva” ultrapassa essencialmente tudo o que de resto se mostra como “real e efetivo”; razão pela qual essa história é reconhecida pelos pouquíssimos, e, entre esses, concebida apenas pelos mais raros como o acontecimento apropriador que já se abre, no qual o ente na totalidade chega à decisão de sua verdade. [tr. Casanova; GA65: 261]

Ocorrências no ente não conseguem já de modo algum trazer o homem moderno para o âmbito da verdade do seer. O que, contudo, é mais essencial do que visualizar o estado da história ocidental, no qual nós já nos encontramos, como o estado decisivo, e que nós não apenas obscurecemos, por exemplo, por meio da indecidibilidade daquele visar indiferente, mas que nós também elevemos em meio à gestação da decisão até o ponto em que a MEDITAÇÃO ou não MEDITAÇÃO já caem sob o domínio da decisão e não se fazem mais valer de maneira alguma como formas de uma observação casual, que se acrescenta aí ou que permanece de fora. [tr. Casanova; GA65: 261]

Entrementes, porém, o ente se tornar cada vez mais poderoso sob a forma do elemento objetivo e do elemento presente à vista. O seer foi restrito à derradeira palidez do mais subtraído conceito universal e tudo o que é “universal” está submetido à suspeita de ser impotente e efetivamente irreal, do que é apenas “humano” e, por isso, também “alheio à essência”. Na medida em que o seer é colocado sob a máscara do que há de mais universal e vazio, ele não carece mais nem mesmo de uma rejeição expressa em favor do ente. Chega-se ao ponto de “prosseguir” sem o ser. Esse estado singular da história do homem “felizmente” quase não é reconhecido por ele, para não falar de ele ser concebido ou mesmo acolhido na vontade da história. De saída, ele impele severamente para as suas próximas consequências. Logo se prossegue agora mesmo sem o ente e se satisfaz com os objetos, isto, se encontra toda “vida” e toda realidade efetiva no empreendimento do elemento objetivo. De uma vez só, o procedimento e o erigir, a mediação e a expulsão se mostram como mais essenciais do que aquilo para o que tudo isso está voltado. A “vida” é tragada para o cerne da vivência e essa vivência mesma se eleva em direção à instituição do vivenciar. A instituição do vivenciar é a mais elevada vivência, na qual “o impessoal” se reúne. O ente só se mostra ainda como um ensejo para essa instituição, e o que pode ser nesse caso ainda o seer? Nesse ponto, contudo, o ponto decisivo da história é vislumbrado para a MEDITAÇÃO e desperta o saber de que só na travessia pelas decisões extremas é possível salvar ainda uma história em face do gigantesco da ausência de história. Por isso, procuramos em vão pela história, isto é, por sua tradição historiológica, a fim de nos depararmos com o seer mesmo como projeto. Se é que um aceno para essa essência do seer nos tocará um dia, nós precisaremos estar já equipados para experimentar a aletheia de maneira consonante com o primeiro início. De qualquer modo, porém, o quanto estamos distantes disso e, com certeza, definitivamente distantes? [tr. Casanova; GA65: 262]

A posição de transição precisa ter de maneira igualmente clara na MEDITAÇÃO: o elemento tradicional do projeto do seer e o outro: o seer como projeto, por mais que a essência projetiva não possa mais se determinar da mesma maneira a partir do elemento representacional, mas precise se determinar a partir do caráter de apropriação em meio ao acontecimento do seer. [tr. Casanova; GA65: 262]

Ora, a MEDITAÇÃO histórica aponta para a história da metafísica, para o fato de que a realização da questão diretriz tem através de toda a sua história o pensar como fio condutor (entidade e pensamento). Dessa MEDITAÇÃO emerge a intelecção de que o predomínio do pensar (de que ele mesmo se tornou fio condutor sob a forma do representar de algo em geral) impeliu cada vez mais a interpretação da entidade do ente na direção, a partir da qual, então, finalmente, precisou surgir a equiparação do ser com a objetualidade do ente (da representacionalidade em geral). E a intelecção nos dá a saber que o pensar e seu predomínio (no tratamento da questão diretriz e na escolha do fio condutor) obstaculizou por fim todo e qualquer caminho para a questão ou para a coerção possível em direção à questão acerca da verdade do seer. E agora, contudo, o re-pensar deve se tornar o curso em direção à verdade do seer: não apenas simplesmente o pensar, mas por assim dizer a mais extrema elevação de seu domínio, o re-pensar, no qual se enuncia por assim dizer a completa dependência do seer em relação ao pensar? Assim parece e precisa parecer, caso tenhamos chegado até aqui a partir da MEDITAÇÃO histórica sobre a questão diretriz e a partir de seu fio condutor. Mas as coisas apenas parecem ser assim. Para escapar aqui da aparência de que se teria requisitado apenas com maior razão para a questão fundamental o fio condutor da questão diretriz, o que seria um contrassenso de acordo com o que dissemos anteriormente, é preciso que se encontre presente no começo uma diferenciação, cuja desconsideração também acaba por confundir a MEDITAÇÃO sobre a história da questão diretriz e da escolha de seu fio condutor. [tr. Casanova; GA65: 265]

Visto a partir de tal rebaixamento, que arrogância não parece estar presente na afirmação da origem incondicionada da filosofia. Todavia, mesmo a partir de um plano mais elevado de avaliação, sim, mesmo a partir de toda e qualquer avaliação experimentada, nós não atingimos nenhuma visão essencial da filosofia, que não precise olhar ao mesmo tempo para o elemento “titânico”. Na metafísica e através de sua história, isso permanece velado e é atenuado por fim, transformando-se em uma mera transgressão de limites epistemologicamente grave. Se, contudo, na transição a partir da metafísica, o pensar precisa se decidir a repensar o seer, então se eleva o perigo da desmedida incontornável em meio ao essencial. O saber em relação a esse perigo também se transforma naturalmente, na medida em que, quase não denominando tal perigo, silencia quanto ao risco essencial. A indicação pertence à ambiguidade da transição, na qual a MEDITAÇÃO precisa sempre tocar tangencialmente aquilo que, na execução da transição, se transpõe cada vez mais para o interior do simples fazer. Esse elemento ambíguo retém na filosofia uma tenacidade particular porque a filosofia precisa, enquanto questionar pensante, voltar a si mesma necessariamente para o seu saber; e isso precisamente na medida em que ela possui uma origem incondicionada e quanto mais originariamente ele a possui. [tr. Casanova; GA65: 265]

[O seer e a “diferença otológica”. A “diferenciação”.] Essa diferenciação suporta a questão diretriz da metafísica: o que é o ente? Mas essa diferenciação não é elevada expressamente enquanto tal ao nível do saber na realização da questão diretriz ou mesmo retida enquanto algo digno de questão. É a diferenciação que suporta a questão diretriz ou será que é essa questão diretriz que leva a termo primeiramente, apesar de isso acontecer de maneira inexpressa, a diferenciação? Manifestamente esse é o caso. Pois ela aparece no campo de visão da questão diretriz e, de saída, também para a MEDITAÇÃO clarificadora sobre a questão diretriz como algo derradeiro. Mas ela só pode ser de qualquer modo o elemento de primeiro plano (por quê?), no qual o estabelecimento da questão fundamental (acerca da verdade do seer) pode ser elucidado de maneira condutora. [tr. Casanova; GA65: 266]

Se levarmos em consideração o fato de que “a” linguagem em geral nunca é, mas que a linguagem só pode ser como a-histórica (“linguagem” dos assim chamados povos naturais) e como histórica, então mensuraremos para além daí o quão obscura permanece para nós a essência da história, apesar da compreensibilidade da historiologia; então, todas as tentativas de apreender a “essência” da linguagem parecerão se confundir imediatamente no começo do caminho; e toda reunião historiológica de pontos de vista até aqui sobre a linguagem pode até ser instrutiva, mas ela nunca consegue nos lançar para além do campo de ligação metafisicamente fixado da linguagem com o homem e com o ente. Isso, porém, já se mostra de qualquer modo como a primeira questão: saber se, então, com a interpretação histórica e até mesmo inicialmente necessária da linguagem a partir do logos   e com a inserção assim prelineada no campo de ligação metafísico, a possibilidade da determinação essencial da linguagem não teria sido restrita ao espaço de MEDITAÇÃO da metafísica. Se, então, porém, a metafísica mesma e seu questionamento em sua restrição essencial à questão acerca da entidade são reconhecidos e se se consegue alcançar a intelecção de que, em meio a essa questão metafísica acerca do ente na totalidade, nem tudo e precisamente o mais essencial dentre tudo o que é ainda não pôde ser de modo algum interrogado, a saber, o seer mesmo e sua verdade, então se abre aqui uma outra perspectiva: o seer e nada menos do que a sua essenciação mais própria poderia até mesmo constituir aquele fundamento da linguagem, a partir do qual ela criou o caráter apropriado de determinar pela primeira vez por si mesma aquilo, em relação ao que ela é explicada metafisicamente. [tr. Casanova; GA65: 276]

A linguagem emerge do seer e pertence, por isso, a ele. Assim, tudo reside uma vez mais no projeto e no pensamento “do” seer. Mas agora precisamos pensar o seer de tal modo que nos lembremos aí ao mesmo tempo da linguagem. Mas como é que devemos agora conceber “a linguagem”, sem nos atermos antecipadamente à determinação da essência que precisa ser primeiro conquistada? Segundo tudo aquilo que foi insinuado, naturalmente de tal modo que a linguagem se torne experimentável em sua ligação com o seer. Como é, porém, que isso acontece? “A” linguagem é “nossa” linguagem; “nossa” não apenas como a linguagem materna, mas como a linguagem de nossa história. E, com isso, se abate sobre nós o que há de derradeiramente questionável da MEDITAÇÃO sobre “a” linguagem. [tr. Casanova; GA65: 276]

Nossa história – não como o transcurso historiologicamente conhecido de nossos envios destinamentais e de nossas realizações, mas nós mesmos no instante de nossa ligação com o seer. Pela terceira vez caímos no abismo dessa ligação. E, dessa vez, não sabemos nenhuma resposta. Pois toda MEDITAÇÃO sobre o seer e sobre a linguagem é apenas um impulso prévio, para tocarmos nosso “posto” no próprio seer e, com isso, nossa história. Mas mesmo se nós quisermos apreender nossa linguagem em sua ligação com o seer, o que há de mais corrente da determinação metafísica até aqui da linguagem se aferroa a esse questionamento, uma determinação da qual também não pode ser dito francamente que ela seria inteiramente não verdadeira; e isso sobretudo porque ela, porém, ainda que veladamente, tem em vista precisamente a linguagem em sua ligação com o seer (com o ente enquanto tal e com o homem que representa e pensa o ente). Bem próximo do caráter enunciativo da linguagem (enunciado considerado aqui no sentido mais amplo possível, no sentido de que a linguagem, o dito e o não dito, visa a, representa, configura ou encobre de maneira representacional algo (o ente) etc.) é a linguagem conhecida como posse e como instrumento do homem e como “obra” ao mesmo tempo. Esse nexo da linguagem com o homem, porém, é considerado como sendo tão íntimo que até mesmo as determinações fundamentais do próprio homem (como animal rationale   por sua vez) são escolhidas para tanto, a fim de caracterizar a linguagem. A essência espiritual-corpóreo-anímica do homem é reencontrada na linguagem. O corpo (vernáculo) da palavra, a alma da linguagem (tonalidade afetiva, tom sentimental e coisas do gênero) e o espírito da linguagem (o representado-pensado) são determinações correntes de toda filosofia da linguagem. Essa interpretação da linguagem poderia ser denominada interpretação antropológica e ela tem seu ápice no fato de se ver na própria linguagem um símbolo da essência do homem. Se aqui a questionabilidade da ideia de símbolo (um filho autêntico do impasse em relação ao seer que vigora na metafísica) é recolocada, então o homem precisaria ser concebido de acordo com isso como aquele ser que tem sua essência em seu próprio símbolo ou na posse desse símbolo (logon echon). Permanece em aberto até que ponto essa interpretação simbólica – pensada metafisicamente até o fim – da linguagem pode ser levada no pensar da história do ser para além de si e até que ponto algo frutífero pode nascer daí. É inegável que, juntamente com aquilo que fornece na linguagem o apoio para o fato de que ela pode ser concebida como símbolo do homem, se toca em algo que é de algum modo próprio à linguagem: o teor da palavra e a sua casca, a afinação da palavra e o significado da palavra, por mais que já pensemos uma vez mais no campo de visão dos aspectos que emergem da metafísica com vistas ao sensível, ao não sensível e ao suprassensível; e isso mesmo que não tenhamos em vista pela “palavra” as palavras particulares, mas o dizer e o silenciar do dito e não dito e esse não dito mesmo. A casca da palavra também pode ser reconduzida a elementos da constituição anatômico-fisiológica do corpo humano e explicada a partir daí (fonética – acústica). Algo desse gênero é a afinação da palavra e a melodia da palavra, assim como o acento sentimental do dizer é objeto da explicação psicológica e o significado da palavra é uma questão da decomposição lógico-poético-retórica. A dependência dessa explicação e decomposição da linguagem em relação à concepção do homem é patente. [tr. Casanova; GA65: 276]

A questão acerca da origem da obra de arte não se remete a uma constatação atemporalmente válida da essência da obra de arte, constatação essa que poderia servir ao mesmo tempo como fio condutor para a explicação historiologicamente retrospectiva da história da arte. A questão se encontra na mais íntima conexão com a tarefa da superação da estética, o que significa, ao mesmo tempo, de uma concepção do ente como objetivamente representável. A superação da estética, por sua vez, se revela como necessária a partir da confrontação histórica com a metafísica enquanto tal. Essa metafísica contém a posição ocidental fundamental em relação ao ente e, com isso, também o fundamento em relação à essência até aqui da arte ocidental e de suas obras. A superação da metafísica significa a liberação do primado da questão acerca da verdade do ser diante de toda e qualquer explicação “ideal”, “causal”, “transcendental” e “dialética” do ente. A superação da metafísica, contudo, não é nenhuma rejeição da filosofia até aqui, mas o salto para o interior de seu primeiro início, sem querer renová-lo, o que se manteria historiologicamente irreal e historicamente impossível. Apesar disso, a MEDITAÇÃO sobre o primeiro início (a partir da coerção à preparação do outro início) conduz a uma distinção do pensar inicial (grego), que favorece a incompreensão, segundo a qual com esse retorno dever-se-ia almejar uma espécie de “classicismo” na filosofia. Em verdade, porém, por meio do questionamento “reiterado”, isto é, estabelecido de maneira mais originária, abre-se a distância solitária do primeiro início em relação a tudo que lhe segue historicamente. Com efeito, o outro início se encontra por completo em uma ligação necessária e interior, apesar de velada, com o primeiro início, ligação essa que, ao mesmo tempo, inclui a completa cisão entre os dois de acordo com o seu caráter originário. É por isso que precisamente lá onde o pensamento preparatório alcança mais diretamente a esfera da origem do outro início, desponta a aparência de que o primeiro início seria apenas renovado e de que o outro início seria simplesmente uma interpretação historiologicamente aprimorada dele. [tr. Casanova; GA65: 277]

O que vale para a “metafísica” em geral também cabe para a MEDITAÇÃO sobre a “origem da obra de arte”, que prepara uma decisão historicamente transitória. Também aqui pode ser escolhida para a elucidação antes de tudo o elemento primevo do primeiro início. No entanto, é preciso saber ao mesmo tempo que o elemento essenciante da arte grega nunca pode e quer ser tocado por algo tal que nós temos de desdobrar como o saber essencial sobre “a” arte. Por toda parte, entretanto, trata-se aqui de pensar historicamente, isto é, de ser historicamente, ao invés de calcular historiologicamente. A questão do “classicismo” e a superação da falsa interpretação e da degradação classicistas do “clássico”, assim como a caracterização de uma história como “clássica” não é nenhuma questão da posição em relação à arte, mas uma decisão para ou contra a história. [tr. Casanova; GA65: 277]