Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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absoluto

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Um quinto fenômeno da modernidade é a desdivinização. Esta expressão não visa a simples eliminação dos deuses, o ateísmo grosseiro. A desdivinização é o dúplice processo de, por um lado, a imagem do mundo se cristianizar, na medida em que o fundamento do mundo é estabelecido como o infinito, o incondicionado, o ABSOLUTO, e, por outro lado, o cristianismo transformar a sua cristianidade numa mundividência (a mundividência cristã) e, deste modo, se modernizar. A desdivinização é o estado de ausência de decisão sobre o deus e os deuses. Ao cristianismo cabe a maior parte no seu despontar. Mas a desdivinização não só não exclui a religiosidade, como é até só através dela que a relação aos deuses se transforma na vivência religiosa. Ao chegar-se aqui, é porque os deuses fugiram. O vazio que surgiu é substituído pela investigação historiográfica e psicológica do mito. [tr. Borges-Duarte   et alii; GA5  : O tempo da imagem no mundo]

Mas onde o sistema é condutor, subsiste também sempre a possibilidade da degradação na exterioridade de um sistema apenas feito e montado por peças. Chega-se a isso quando falta a força originária do projecto. Ainda não se chegou a conceber a peculiaridade, em si diferente, da sistemática em Leibniz  , Kant  , Fichte  , Hegel   e Schelling  . A sua grandeza assenta em ela não se desenrolar, como em Descartes  , a partir do subjectum enquanto ego   e substantia   finita, mas ou, como em Leibniz, a partir da mónada ou, como em Kant, a partir da essência transcendental   da razão finita enraizada na imaginação ou, como em Fichte, a partir do Eu infinito ou, como em Hegel, a partir do Espírito enquanto saber ABSOLUTO ou, como em Schelling, a partir da liberdade enquanto necessidade de cada ente que, enquanto tal, permanece determinado através da diferenciação de fundamento e existência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O tempo da imagem no mundo]

“Ciência da Experiência da Consciência” reza o título que Hegel coloca no frontispício da obra aquando da publicação da Fenomenologia do Espírito no ano de 1807. A palavra experiência encontra-se no meio, em letras gordas, entre as duas outras palavras. “A experiência” designa o que “a fenomenologia” é. O que pensa Hegel, ao utilizar a palavra “experiência”, realçando-a deste modo? A resposta é-nos dada pelo trecho com que a obra começa, depois do prefácio ao “Sistema da Ciência”. Reza o seu texto na edição original: “É uma representação natural que, na filosofia, antes de se ir à coisa mesma, nomeadamente ao conhecer efectivo daquilo que em verdade é, seja necessário pôr-se primeiro de acordo sobre o conhecer, considerando-o como o instrumento pelo qual se se apodera do ABSOLUTO, ou como o meio, através do qual se o avista. A preocupação parece legítima, em parte porque haverá diferentes tipos de conhecimento e, entre eles, um pretenderá ser mais hábil do que outro para o alcance desse fim último, neste sentido, por falsa escolha entre eles, em parte também porque, na medida em que o conhecer é uma faculdade de certo gênero e alcance, sem uma determinação mais precisa da sua natureza e do seu limite, são captadas nuvens do erro em vez do céu da verdade. Esta preocupação terá mesmo até de se transformar na convicção que o começar integral, o adquirir para a consciência pelo conhecer de aquilo que é em si, é contraditório no seu conceito e que entre o conhecer e o ABSOLUTO passa uma fronteira que completamente os separa. Pois, se o conhecer é o instrumento com que se apodera da essência absoluta, assim se nota de imediato não que a aplicação de um instrumento a uma coisa não a larga como ela é para si, mas sim que nela procede a uma formação e transformação. Ou então o conhecer não é instrumento da nossa actividade, mas sim, de certo modo, um meio passivo, através do qual a luz da verdade chega até nós, não a obtendo, assim, tal como ela é em si, mas sim como por este meio e neste meio é. Em ambos os casos, utilizamos um meio que produz imediatamente o oposto do seu fim; ou, dito de outro modo, o absurdo, é servirmo-nos de um meio em geral. Mas parece, com efeito, que há que tentar remediar este mal-estar pelo conhecimento do modo de operar do instrumento, uma vez que torna possível decantar no resultado a parte que, na representação, a qual recebemos do ABSOLUTO por meio do instrumento, é própria do instrumento, e, assim, obter puramente o verdadeiro. Contudo, este melhoramento apenas nos iria, de facto, reconduzir ao ponto em que antes estávamos. Quando de uma coisa formada lhe retiramos o que o instrumento lá pôs, então a coisa – aqui, o ABSOLUTO – é para nós justamente o mesmo que antes deste esforço, assim tornado supérfluo. Se, por meio do instrumento, o ABSOLUTO apenas nos fosse posto mais próximo do nosso alcance em geral, sem nele alguma coisa alterar, como no caso da vara de visco para os pássaros, como se não fosse já em si e para si residindo em nós [bei   uns], então esta astúcia seria, sem dúvida, motivo de escárnio; pois, neste caso, o conhecer seria uma astúcia, uma vez que, pelo seu múltiplo esforçar-se, mostra a intenção de fazer algo de muito diferente do que fazer surgir apenas a referência imediata e, assim, sem esforço. Ou, se a prova do conhecer, que representamos em nós como um meio, nos ensina a conhecer a lei da refracção do seu raio, não serve de nada, assim, decantá-la no resultado; pois, não é o refractar do raio, mas sim o próprio raio, pelo qual a verdade nos toca, que é o conhecer e, decantado este, ser-nos-ia indicada apenas a pura direcção, ou um vazio. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Entretanto, quando a preocupação em cair no erro faz desconfiar da ciência, a qual, sem tais hesitações, mete mãos à obra e conhece efectivamente, não se percebe, porque é que, inversamente, não se deverá desconfiar desta desconfiança e cuidar que este medo é já ele mesmo o próprio erro. De facto, pressupõe como verdade algo e até muita coisa – nisso assentando as suas hesitações e consequências — que deveria ser antes posto à prova, [para averiguar] se é verdade. Pressupõe, nomeadamente, representações do conhecer como um instrumento e um meio e também uma distinção entre nós mesmos e este conhecer, mas sobretudo isto, que o ABSOLUTO se encontra de um lado e o conhecer do outro lado, para si e separado do ABSOLUTO, que é então algo de real [Reelles], ou, por conseguinte, que o conhecer – o qual, na medida em que é fora do ABSOLUTO, é assim também fora da verdade – seja todavia veraz, uma suposição, pela qual, aquilo a que se chama medo do erro, se dá antes a conhecer como medo da verdade. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Esta consequência resulta de que unicamente o ABSOLUTO é verdadeiro, ou unicamente o verdadeiro é ABSOLUTO. Pode ser refutada pela distinção entre um conhecer, o qual, embora não conheça o ABSOLUTO, como a ciência pretende, contudo é também verdadeiro, e o conhecer em geral, o qual, embora seja incapaz de apreender o mesmo ABSOLUTO, poderá ser capaz de outras verdades. Mas constatamos progressivamente que um tal palavreado desemboca numa obscura distinção entre um verdadeiro que é ABSOLUTO e um outro verdadeiro qualquer, e que o ABSOLUTO, o conhecer, etc., são palavras que pressupõem um significado, que primeiro há que tratar de alcançar. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Em vez de nos determos em tais representações e modos de falar inúteis do conhecer, como um instrumento para tomar posse do ABSOLUTO, ou como um medium, através do qual avistamos a verdade, etc. – relações em que acabam por desembocar todas estas representações, de um conhecer que é separado de um ABSOLUTO e de um ABSOLUTO que é separado de um conhecer, – em vez dos subterfúgios que a incapacidade da ciência gera a partir da pressuposição de tais relações, para se libertar simultaneamente do esforço da ciência e, ao mesmo tempo, se dar a aparência de um trabalho sério e empenhado, bem como em vez de se andar a esfalfar com respostas a tudo isto, podiam ser repudiadas peremptoriamente como representações casuais e arbitrárias e mesmo ser considerado uma fraude o uso que lhes está associado de palavras como o ABSOLUTO, o conhecer, e também o objectivo e o subjectivo, e inúmeras outras, cujo significado é pressuposto como sendo do conhecimento comum. Pois, o alegar, em parte que o seu significado é pressuposto como do conhecimento comum, em parte, também, que se tem o seu conceito, parece antes dever apenas evitar o mais importante, nomeadamente, apresentar este conceito. Em compensação, com maior legitimidade se podia evitar o incômodo de fazer caso destas representações e destes modos de falar em geral, pelos quais a ciência deve ela mesma ser rejeitada, pois constituem apenas uma aparição [Erscheinung  ] vazia do saber, a qual, de imediato se desvanece diante da ciência que entra em cena. Mas a ciência, na medida em que entra em cena, é ela mesma uma aparição, o seu entrar em cena ainda não é ela, realizada e exposta na sua verdade. Neste sentido, é indiferente representar-se que ela é a aparição, por entrar em cena ao lado de outrem, ou chamar o seu aparecer a esse outro saber não verdadeiro. Porém, a ciência tem de libertar-se desta aparência [Schein] e só o poderá fazer na medida em que se vire contra ela. Pois, não pode rejeitar sem mais nem menos um saber que não é veraz, nem como uma maneira comum de ver as coisas, asseverando que é um outro conhecimento totalmente diferente e que aquele saber não significa nada para si, nem recorrendo à censura de um saber melhor em si mesmo. Através daquela asseveração [Versicherung], declarou o seu ser como sua força; mas o saber não verdadeiro recorre também a que é, e assevera que a ciência não é nada para ele; um asseverar rude é, porém, tão justamente válido como qualquer outro. Menos ainda pode recorrer à melhor censura, que está presente no conhecer não veraz e é nele mesmo a referenciação dela; pois, por um lado, recorreria assim novamente a um ser, mas, por outro lado, a si, enquanto o modo em que é no conhecer não veraz, quer dizer, a um mau modo do seu ser, e muito mais à sua aparição do que enquanto este é em si e para si. É por esta razão que se torna necessário aqui proceder à apresentação do saber que aparece. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A experiência que a consciência faz de si mesma não pode, em conformidade com o seu conceito, compreender em si nada menos do que todo o sistema da consciência, ou todo o reino da verdade do espírito, de modo que os momentos da experiência mesma se apresentam neste peculiar carácter de determinado, não como sendo momentos abstractos, puros, mas sim do modo como são para a consciência, ou como esta mesma se lhes apresenta na sua referência a eles, pelo que os momentos do todo são figuras da consciência. Na medida em que continua a impelir-se para a sua verdadeira existência, há-de atingir um ponto em que se libertará da sua aparência de estar afectada de uma coisa estranha, que é apenas para si e como algo outro, ou quando a aparição se tornar igual à essência, a sua apresentação, por conseguinte, coincidirá justamente com este ponto da autêntica ciência do espírito; e por último, na medida em que ela mesma compreende esta sua essência, irá caracterizar a natureza do próprio saber ABSOLUTO.” [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O pensar procura para si mesmo o fundamentum abso-lutum na certeza inabalável do pensado por si. A terra em que a filosofia se vem sentindo em casa desde então é a incondicionada certeza de si do saber. É apenas progressivamente que a terra é conquistada e integralmente mensurada. Só alcança a posse integral, quando o fundamentum absolutum é pensado como o próprio ABSOLUTO. Para Hegel, o ABSOLUTO é o espírito: o-que-está-presente em si mesmo na certeza do saber incondicionado de si. O conhecer efectivo do ente enquanto ente é agora o conhecer ABSOLUTO do ABSOLUTO na sua absolutidade. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Mas a mesma Filosofia Moderna, que habita na terra da autoconsciência, exige de si mesma, em conformidade com o clima da terra, que se assegure [gewiß werde] previamente do seu princípio. Ela quer pôr-se primeiro de acordo sobre o conhecer com que absolutamente conhece. Inesperadamente, o conhecer surge aqui como um meio sobre cuja correcta utilização o conhecer tem de se preocupar. Por um lado, é preciso tentar encontrar e escolher de entre os modos de representar aquele que unicamente convenha ao conhecer ABSOLUTO. Disso trata Descartes. Por outro lado, uma vez escolhido o conhecer do ABSOLUTO, é preciso dimensioná-lo em conformidade com a sua natureza e os seus limites. Disso trata Kant. Porém, logo que o conhecer seja considerado como um meio de se apoderar do ABSOLUTO, terá de surgir a convicção que na relação para com o ABSOLUTO todo o meio, que enquanto meio é rela – tivo, continuará a ser inadequado ao ABSOLUTO, fracassando necessariamente perante ele. Se o conhecer é um meio, toda a vontade de conhecer do ABSOLUTO se torna num propósito absurdo, se é que, aqui, o meio tem o carácter de uma ferramenta ou o de um medium. Num dos casos, lidamos enquanto agentes com o conhecer enquanto ferramenta; no segundo caso, aceitamos passivamente o conhecer como medium, através do qual a luz da verdade deverá chegar até nós. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Podia ainda tentar superar-se este embaraço, em que o meio justamente não medeia, pondo-o à prova, distinguindo entre o que no apreender ou no permear do ABSOLUTO o altera ou o deixa inalterado. Mas se decantarmos a alteração provocada pelo meio, portanto, se não fizermos uso do meio, também não nos é mediado ainda o resto do ABSOLUTO inalterado. Mas, no fundo, o pôr-à-prova do meio não sabe o que faz. Tem de medir o conhecer pelo ABSOLUTO, no que diz respeito à sua conformidade ao ABSOLUTO. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Tem de o ter conhecido e, justamente, como o ABSOLUTO, senão toda a delimitação crítica cairá no vazio. Além disso, surge ainda outra coisa, designadamente que ao pôr-à-prova interessa mais a explicitação da ferramenta do que o conhecer do ABSOLUTO. Se, contudo, o conhecer se interessasse, mesmo assim, apenas por aproximar o ABSOLUTO mediante a ferramenta, então este propósito, em vista do ABSOLUTO, teria de se tornar em motivo de escárnio perante este. Para quê toda a maquinação crítica relativamente ao conhecer, quando este, desde o início, se pretende desenvencilhar da referência imediata do ABSOLUTO ao cognoscente, para primeiro clarificar as tarefas da crítica? O pôr-à-prova crítico da ferramenta não faz caso do ABSOLUTO e até contraria o seu melhor saber imediato. Mas o ABSOLUTO também não faz escárnio do esforço crítico; pois, para isso, , teria de partilhar com este a pressuposição que o conhecer é um meio e que ele mesmo, o ABSOLUTO, se encontraria ainda tão distante do conhecer que este precisaria primeiro de esforçar-se por apreender o ABSOLUTO. Mas o ABSOLUTO, assim, não seria o ABSOLUTO. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Apenas acessória e dissimuladamente, numa oração subordinada, Hegel diz contudo, o seguinte: o ABSOLUTO, em si e para si, está já residindo em nós e quer estar residindo em nós. Este estar residindo em nós (parousia  ) é já em si o modo como a luz da verdade, o próprio ABSOLUTO, nos irradia. O conhecer do ABSOLUTO encontra-se no raio de luz, devolve-o, refracta-o e é, assim, na sua essência, o próprio raio, e não apenas um meio, através do qual o raio tivesse ainda de encontrar o seu caminho. O primeiro passo que o conhecer do ABSOLUTO tem de dar consiste simplesmente em aceitar e receber o ABSOLUTO na sua absolutidade, isto é, no seu estar residindo em nós. Este estar-presente-[residindo]em-nós, a parusia, é próprio do ABSOLUTO em si e para si. Se a filosofia como conhecer do ABSOLUTO levar a sério o que ela, enquanto um tal conhecer, é, então é já conhecer efectivo, o qual representa o que o efectivo mesmo é na sua verdade. No início e ao longo do primeiro parágrafo, parece que Hegel tenta fazer corresponder as exigências críticas do representar natural a um pôr à prova do conhecer. Na verdade, pretende chamar a atenção para o ABSOLUTO, na sua parusia em nós. Deste modo, é-nos apenas expressamente indicada a relação para com o ABSOLUTO, em que já nos encontramos. Deste modo, Hegel parece renunciar a todos os progressos críticos da Filosofia Moderna. Não repudiará ele assim, em geral, todo o pôr-à-prova em prol de um regresso às asserções e suposições arbitrárias? De modo algum. Hegel ainda só está a preparar a prova. O primeiro passo da preparação consiste em prescindir da representação habitual do conhecer. Se, contudo, o conhecer não é um meio, então também o pôr-à-prova não poderá continuar a consistir em avaliar da sua aptidão para a mediação. Se examinarmos o que o conhecer é, talvez já não necessitemos de pôr-à-prova, uma vez que à partida não poderá ser nenhum meio. Não apenas o que vai ser posto-à-prova, o conhecer, como também o próprio pôr-à-prova, revelam uma outra essência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O saber incondicionado de si, enquanto subjectidade do sujeito, é a absolutidade do ABSOLUTO. A filosofia é o conhecimento ABSOLUTO. A filosofia é a ciência do ABSOLUTO, porque quer a vontade do ABSOLUTO, isto é, quere-o na sua absolutidade. Portanto, querendo, quer contemplar o ente enquanto ente. Querendo assim, a filosofia quer a sua essência. A filosofia é a ciência. Nesta frase, o “é” não significa de modo algum que a filosofia traga consigo a determinação da cientificidade como predicado, mas sim que a filosofia é enquanto conhecer ABSOLUTO e que só assim é que participa da absolutidade do ABSOLUTO e a realiza a seu modo. A filosofia, enquanto conhecer ABSOLUTO, não é de modo algum a ciência, no sentido em que aspire a que o seu procedimento seja exacto e os seus resultados coercivos e, assim, a tornar-se igual a tudo o que em gênio e categoria se encontra abaixo dela, à investigação científica. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O conhecer ABSOLUTO é muito mais escrupulosamente reflectido do que o modo problemático da crítica feita até agora alguma vez conseguiu ser perante o conhecer do ABSOLUTO. Com efeito, a preocupação crítica habitual receia errar perante um conhecer do ABSOLUTO. Mas só poderia errar dentro de uma relação que fosse irreflectidamente já pressuposta como o verdadeiro, na medida em que o conhecer, tomado como um meio, se torna ele mesmo errância. A preocupação com o errar, que aparentemente o põe-à-prova, é ela mesma o erro. Em que medida? [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Logo que o conhecer seja tomado como um meio (como ferramenta ou como medium) – desde quando e porquê é que é tomado assim? – refere-se a algo que surge para si, entre o ABSOLUTO e o cognoscente. O conhecer subsiste separado do ABSOLUTO, mas, do mesmo modo, também de nós, que o manuseamos. Desta forma, o ABSOLUTO de um lado e os cognoscentes do outro, encontram-se completamente separados. Mas o que é um ABSOLUTO que fica de um lado, que ABSOLUTO é que fica de um lado em geral? Em caso algum será o ABSOLUTO. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Contudo, ao mesmo tempo, a crítica analítica toma o conhecer como algo efectivo, senão mesmo até como o efectivo primeiro e paradigmático. Baseia-se, assim, em algo verdadeiro e isto quer dizer, também para ela, em algo certo, cuja certeza, é claro, deverá subsistir ainda separada da certeza incondicionada de si de toda a consciência. Este ens creatum  , no sentido do ego cogito  , que enquanto ens certum deverá ser certo sem o ABSOLUTO, terá então de ser assegurado posteriormente pela porta das traseiras de uma demonstração de Deus, tal como o havia já feito Descartes. Embora a preocupação crítica queira chegar a algo ABSOLUTO, pretende contudo bastar-se sem o ABSOLUTO. Parece até que esta preocupação pensa adequadamente o ABSOLUTO, quando o suprime provisoriamente para o domínio do inacessível, e o eleva assim aparentemente o mais possível. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Mas a crítica, supostamente preocupada com a sublimação do ABSOLUTO, menospreza o ABSOLUTO. Rebaixa-o à limitação dos seus escrúpulos e meios. Tenta expulsar o ABSOLUTO da sua parusia, como se fosse possível introduzir a absolutidade do ABSOLUTO posteriormente em qualquer altura. O aparente receio crítico ante o erro apressado é o escusar-se acrítico perante a verdade que já se demora. Quando, pelo contrário, a ciência inquire e aceita expressamente a sua essência, ela já se pôs-à-prova. Faz parte desta provação o saber que a ciência, enquanto conhecer ABSOLUTO, se encontra na parusia do ABSOLUTO. Todavia, tudo isto se funda no que o próximo parágrafo expressa. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O terceiro parágrafo diz que unicamente o ABSOLUTO é verdadeiro. Unicamente o verdadeiro é ABSOLUTO. Estas frases são postas sem fundamentação. Não podem ser fundadas porque nenhum fundar alcança o seu fundamento. Nunca alcança o seu fundamento porque, enquanto querer-fundar, se afasta permanentemente do seu fundamento. As frases são infundadas, mas não o são arbitrariamente, no sentido de um afirmar indiscriminado. As frases são infúndáveis. Elas instituíram aquilo que só ele mesmo primeiro funda. Nelas, fala a vontade do ABSOLUTO que, em si e para si, quer já estar residindo em nós. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Desde que a Filosofia Moderna pisou aquilo que, para ela, é terra firme, vigora a verdade como certeza. O verdadeiro é o sabido no saber-de-si-mesmo incondicionado. Antes, entendia-se a verdade como sendo a concordância do representar com o ente. A verdade é uma característica do representar. Mas, como certeza, a verdade é agora o próprio representar, na medida em que o atribui a si mesma e se certifica de si mesma como representificação. O estar-sabido que se certificou do seu saber e, justamente, ante si mesmo e em si mesmo, já se retirou, assim, de todo o representar isolado de objectos. Já não se fixa nos objectos para obter o verdadeiro neste fixar-se neles. O saber desprende-se da relação [Relation] para com os objectos. O representar, que se sabe como um atribuir, desprende-se (absolvere) de [tentar] encontrar no representar unilateral do objecto a sua suficiente segurança. O desprendimento permite que este representar subsista, mas, com efeito, de um modo em que já não se atenha apenas ao seu objecto. Este desprender-se da relação objectual [gegenständlich] por parte da certeza de si é a sua absolvência [Absolvenz]. É próprio dela ter a ver com toda a relação que visa apenas directamente o objecto. A absolvência [Absolvenz] só é aquilo que é na medida em que se consuma em todos os sentidos, quer dizer, na medida em que se absolve plenamente. É no absolver-se da sua absolvência que a certeza de si do representar alcança a segurança e isto, para ela, significa alcançar o campo livre da sua essência. Declara-se livre de todo o vínculo unilateral aos objectos e do mero representar destes. A certeza incondicionada de si é assim a absolvição [Absolution] dela mesma. A unidade de absolvência (desprendimento da relação), absolver-se (completude do desprender-se) e absolvição (ilibação libertadora da completude) caracterizam a absolutidade do ABSOLUTO. Todos estes momentos da absolutidade têm o carácter da representificação [Repräsentation  ]. Neles se essência a parusia do ABSOLUTO. Só o verdadeiro, no sentido da certeza incondicionada de si, é o ABSOLUTO. Só a caracterizada absolutidade do representar-se é o verdadeiro. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Contudo, toda a explicação, por exaustiva que seja, deixa estas frases vazias. Potência até o equívoco, pois aquilo a que dão nome é a fenomenologia do espírito. Esta é na sua apresentação. É por isso que Hegel apresenta as frases apenas de uma forma brusca e aparentemente sem se preocupar com a arbitrariedade. Mas ele diz as frases para nos preparar para aquilo que a ciência pretende enquanto conhecer ABSOLUTO. A seu modo, a ciência apenas quer aquilo que o ABSOLUTO quer. A vontade do ABSOLUTO é o já estar residindo em si e para si residindo em nós. Isto significa agora que, na medida em que o ABSOLUTO tem esta disposição, só há residindo em nós o verdadeiro ABSOLUTO, uma vez que somos os cognoscentes. Por isso, quem disser que, à margem do conhecer ABSOLUTO – que a filosofia pretenciosamente e sem prova se adjudica – há ainda alguma outra coisa verdadeira, [é que] não sabe o que diz. Quando nomeia algo verdadeiro, já representou o ABSOLUTO. Todavia, enquanto se distinguir, aparentemente por preocupação e cautela, entre algo verdadeiro ABSOLUTO e outro algo qualquer verdadeiro, anda-se à deriva numa distinção obscura. Fez-se já do obscuro, princípio da crítica e critério de decisão sobre a ciência. Nesse sentido, cabe unicamente a esta alcançar o que significam as palavras ABSOLUTO, conhecer, verdadeiro, objectivo, subjectivo. Isto exige, porém, que a ciência alcance logo, com o seu primeiro passo, a parusia do ABSOLUTO, quer dizer, que seja na sua absolutidade. De outro modo, não seria a ciência. Se isto for assim, então viola desde já a sua própria essência, ao envolver-se, em geral, em escrúpulos que permanecem fora do domínio do verdadeiro e abaixo do seu nível. Se a ciência se proteger de tal modo de escrúpulos críticos inadequados, então permanecerá ainda, mesmo assim, sob a suspeita de que embora se imponha absolutamente como conhecer ABSOLUTO, contudo não se identifica. Viola, assim, da forma mais bruta, a exigência da certeza, cuja plenitude pura alega ser. Por isso, a ciência tem de levar-se ao único forum que poderá decidir em que consiste a sua provação. Este forum só poderá ser a parusia do ABSOLUTO. Compete-lhe novamente, portanto, tornar evidente a absolutidade do ABSOLUTO. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O quarto parágrafo aponta para o que nos exige, enquanto cognoscentes, a vontade que vigora na parusia do ABSOLUTO em estar em si e para si em nós. A crítica habitual ao conhecimento filosófico toma-o como um meio sem dar por ele [unbesehen]. Com isto, a crítica demonstra que não só não conhece o conhecer ABSOLUTO, como não está sequer em condições de o realizar. A incapacidade, antes de tudo o mais, em perceber e aceitar a parusia do ABSOLUTO é incapacidade para a ciência. O empenho excessivo dos escrúpulos e do provar defrauda o esforço da ciência em se deixar envolver numa tal aceitação. Não é a dormir que o ABSOLUTO nos dá o passo em direcção à parusia do ABSOLUTO. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A absolutidade do ABSOLUTO, a absolvição absolvente que se absolve, é o trabalho de conceber-se da certeza de si incondicionada. É o sacrifício da dor em aguentar a ruptura com que a infinita relação [Relation] é, na qual se cumpre a essência do ABSOLUTO. A tempo, Hegel toma nota que “uma meia remendada é melhor que uma meia rota, mas não é assim com a autoconsciência”. Quando Hegel fala do trabalho do conceito, não é ao suor do esforço cerebral dos doutos que se refere mas sim ao ultrapassar-se do próprio ABSOLUTO para a absolutidade do seu conceber-se a partir da certeza incondicionada de si. Com o esforço do ABSOLUTO, assim especificado, pode todavia unificar-se o sem-esforço que caracteriza a parusia, na medida em que é a referência do estar-presente em nós. O ABSOLUTO enquanto ABSOLUTO pertence simplesmente a esta referência. Ao esforço em fazer aparecer no ABSOLUTO o seu estar-em-pre-sença e, neste, a si mesmo, corresponde o esforço da ciência. É do sacrifício daquele que se determina o empenho desta. Contrariamente, a actividade diligente do pôr-à-prova crítico exime-se o mais que pode do que faz parte do esforço da ciência, passando-lhe ao lado: ao ponderar que o conhecer que deve ser posto à prova criticamente é conhecer ABSOLUTO, o que quer dizer, filosofia. O procedimento habitual da crítica corrente ao conhecer filosófico assemelha-se ao processo daqueles que pretendem representar um carvalho mas que não reparam que se trata de uma árvore. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Poderia, assim, cair-se na tentação de considerar como um logro a conduta crítica que alega pôr à prova algo que nem sequer submete a provação. Causa a impressão de já deter os conceitos essenciais, quando, no fundo, tudo reside, afinal, unicamente em fornecer os conceitos de ABSOLUTO, de conhecer, de verdadeiro, de objectivo e subjectivo. A preocupação crítica não se ocupa da coisa de que permanentemente fala. Este tipo de pôr à prova é “uma aparição vazia do saber”. E se a ciência se poupasse o esforço de uma querela com tal crítica, uma vez que necessita de todo o esforço para se conservar na sua essência? E se a ciência se limitasse simplesmente a entrar em cena ela mesma, sem prolegómenos críticos? Eis, porém, que Hegel coloca aqui, a meio do parágrafo, o decisivo “mas”: “Mas a ciência, ao entrar em cena, é ela mesma uma aparição;” A ciência assoma, assim, como todo o saber. Pode asseverar que é o conhecer ABSOLUTO, diante do qual toda a representação deve dissipar-se. Contudo, ao pavonear-se deste modo, a ciência acaba por se habituar plenamente às aparições vazias do saber. Asseverar apenas que são aí, também estas o podem. Este asseverar é tão rude quanto o outro. Não é o simples asseverar que faz correr a seiva viva do saber efectivo. Apenas isto, a ciência podia demarcar-se de outro modo da aparição vazia do saber. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Podia indicar ser ela mesma um saber que procura em si, sem o saber, o saber não-verdadeiro. A ciência podia entrar em cena como aquele verdadeiro que se pressente no não-verdadeiro. Mas assim, a ciência cairia de novo no simples asseverar. Além disso, iria recorrer a um modo de emergir que lhe ficaria mal enquanto conhecer ABSOLUTO. Permanecer o simples verdadeiro pressentido está muito longe de ser o verdadeiro em si e para si. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Como é com o entrar em cena da ciência? Tem sempre de aparecer, quando entra em cena. Mas impõe-se a pergunta sobre o que é o aparecer em que unicamente a ciência pode aparecer. Aparecer significa antes de mais: assomar ao lado um do outro no modo do afirmar-se. Aparecer significa depois: emergir e, simultaneamente, no emergir, apontar simultaneamente para outra coisa, que ainda não emerge-diante. Aparecer significa: ser o brilho prenunciador [Vorschein] de algo que ainda não apareceu ele mesmo ou que nunca virá a aparecer. Estes modos do aparecer permanecem desproporcionados ao entrar em cena da ciência; pois não poderá nunca estender-se neles como ela mesma é e, assim, se pôr plenamente de pé. Por outro lado, a ciência também não pode surgir, de um momento para o outro, como o conhecer ABSOLUTO. Tem de se produzir na sua verdade, mas também, em conjunto, de a produzir a ela. Em todas as fases em que a ciência se manifesta, ela surge em cena como absoluta; e surge absolutamente. Por isso, o aparecer que se lhe adequa só poderá consistir em que se apresente a si mesma no seu produzir-se e se imponha assim como o saber que aparece. A ciência só pode entrar, assim, em cena na medida em que realiza a apresentação do saber que aparece. Neste processo tem de resultar e é só nele que pode chegar a resultar o que o aparecer é, [processo] no qual a ciência verdadeiramente entra em cena como ela mesma. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

No seu aparecer, a ciência representa-se na plenitude da sua essência. A aparição vazia do saber não desaparece na medida em que é rejeitada ou apenas posta de lado. O saber que só aparece não deve eclipsar-se, mas sim dissolver-se no seu aparecer. Neste caso, aparece como saber não-verdadeiro, quer dizer, ainda não verdadeiro, dentro da verdade do saber ABSOLUTO. A apresentação do saber que aparece tem de se virar, naquele seu aparecer em que a ciência se produz a si mesma, contra o aparentar [Anschein] do saber, mas de modo conciliador, que faça luzir até no simples brilho da aparência [Schein] o puro brilhar do raio. Se, pelo contrário, o simples brilho da aparência apenas for rejeitado como falso, então não foi ainda sequer percebido no seu brilhar. Contudo, o entrar em cena da ciência, em desenvolvimento, nunca assenta sobre o facto de que esta apenas ultrapasse o brilho da aparência. Assim, o verdadeiro teria de sujeitar-se à servidão para com o não verdadeiro. O aparecer da ciência tem a sua necessidade naquele brilhar [da aparência] de que até a aparência necessita, para ser um simples brilho da aparência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A frase de Hegel: “Mas a ciência, na medida em que entra em cena, é ela mesma uma aparição”, é dita ambiguamente e, com efeito, com um propósito elevado. A ciência não é uma aparição apenas no sentido em que o aparecer vazio do saber não-verdadeiro é também uma aparição, contanto que se mostre em geral. Pelo contrário, a ciência é em si mesma já aparição, no único sentido em que, como conhecer ABSOLUTO, é o raio com que o ABSOLUTO, a própria luz da verdade, nos ilumina. O aparecer a partir deste brilhar do raio significa o estar-presente em todo o esplendor da representificação [Repräsentation] que se presentifica [sich präsentierenden]. O aparecer é o próprio estar-presente ele mesmo: a parusia do ABSOLUTO. Em conformidade com a sua absolutidade, o ABSOLUTO está, a partir de si mesmo, em nós. Na vontade de estar em nós, o ABSOLUTO é o que-está-presente [an-wesend  ]. Em si, de modo a trazer-se a si mesmo, é para si. É unicamente por causa da vontade de parusia que é necessária a apresentação do saber que se manifesta. É coagida a permanecer virada para a vontade do ABSOLUTO. A apresentação é ela mesma um querer, quer dizer, não é nem um desejar nem um aspirar, mas sim o próprio agir, contanto que se reúna na sua essência. No instante em que reconhecemos esta necessidade, temos de meditar sobre o que é esta apresentação, para saber como é, para que possamos ser a seu modo, quer dizer, executando-a. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Assim é, de facto, com a apresentação do saber que aparece, se considerada na perspectiva do representar natural. Este, permanece sempre em referência ao que opina ter diante de si. Mas poderá alguma vez o opinar relativo avistar o saber ABSOLUTO? Não. Aquilo que se representa à consciência natural sob o nome do saber que só aparece – sendo só este que primeiramente deve conduzir ao verdadeiro – é uma mera aparência [Schein]. Apesar disso, a filosofia tem afirmado até aos nossos dias que a fenomenologia é um itinerário, uma descrição de viagem que escolta a consciência quotidiana até ao conhecer científico da filosofia. Contudo, o que a fenomenologia do espírito parece ser, tomada assim, não o é na sua essência. Mas esta aparência não ilude por acaso. Surge no seguimento da sua essência, põe-se à sua frente e oculta-a. Tomada em si mesma, a aparência engana. O representar natural, que se introduziu aqui subrepticiamente na filosofia, toma o saber que aparece como o saber que só aparece, por detrás do qual se mantém encoberto um [saber] que não aparece. Contudo, a apresentação não é de modo algum a apresentação do saber que só aparece em oposição ao verdadeiro, ao qual somente a apresentação deverá conduzir. Bem pelo contrário, a apresentação é apenas apresentação do saber que aparece no seu aparecer. O “apenas” não diz que a apresentação ainda não é ciência; o que diz é que não é ainda a ciência em sentido pleno  . O aparecer do saber que aparece é a verdade do saber. A apresentação do saber que aparece no seu aparecer é ela mesma a ciência. No momento em que a apresentação começa, ela já é a ciência. Hegel diz: “Porque a partir de agora esta apresentação já só tem como objecto o saber que aparece, não parece ser ela mesma…a ciência, ela pode sim…ser tomada… ”. Hegel não fala de um saber que só aparece, nem diz que a apresentação se desenvolve unicamente para a ciência, nem assevera que a apresentação não poderia ser compreendida a não ser como um itinerário, no caso de dever ser concebido na sua essência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A apresentação não serve de modo algum de guia ao representar natural no museu das figuras da consciência, para, no fim da visita, o levar ao saber ABSOLUTO por uma porta especial. Pelo contrário, a apresentação, com o seu passo, se não mesmo antes do seu primeiro passo, despede-se da consciência natural como aquela que, em conformidade com o seu gênero, permanece totalmente incapaz de seguir a apresentação. A apresentação do saber que aparece não é nenhuma passagem por onde a consciência natural passe. Mas também não é nenhum caminho que se afaste progressivamente da consciência natural, para depois, num sítio qualquer do seu percurso, desembocar no saber ABSOLUTO. Não obstante, a apresentação é um caminho. Não obstante, anda permanentemente num Entre [Zwischen  ], de um lado para o outro, que vigora entre a consciência natural e a ciência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O que Hegel designa por consciência natural não corresponde de modo algum à consciência sensível. O saber natural vive em todas as figuras do espírito, vivendo cada uma delas a seu modo, [e vive] também e justamente a do saber ABSOLUTO, que se propicia como metafísica absoluta, só visível de vez em quando para poucos que pensam. Esta metafísica não se desmoronou ante a metafísica dos séculos XIX e XX; bem pelo contrário, o mundo técnico moderno, na sua exigência incondicionada, não é outra coisa que a consciência natural, a qual, segundo a modalidade do seu visar, realiza a produtibilidade, que se assegura a si mesma, de todo o ente na imparável objectivação de tudo e de todos. Mesmo assim, a metafísica absoluta não é a causa daquilo que a seu modo se institui como a confirmação daquilo que se propicia na essência da técnica. O natural da consciência assenta não no sensível e no que é perceptível sensivelmente, mas sim no que imediatamente na consciência emerge e que, enquanto assim emergente, é por ela imediatamente aceite. Deste modo, a consciência natural acolhe também todo o não-sensível, tanto o insensível do racional e lógico, como o supra-sensível do espiritual. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Visto da perspectiva da consciência natural, a apresentação do saber que aparece no seu aparecer sacode reiteradamente o que, para aquela, é valido como o verdadeiro. Esse sacudir da verdade pode ser compreendido como o duvidar. Só que, o caminho do mero duvidar é de outro tipo, como o revela o curso das Meditações de Descartes. É certo que ele põe em questão múltiplos modos do representar, mas apenas para ficar no ponto de partida donde arrancou com a reflexão, para aprender um duvidar que não é ele mesmo de modo algum posto em dúvida. O caminho da dúvida torna apenas evidente que o duvidar já atingiu uma segurança que é válida como fundamentum absolutum. Mas, a absolutidade deste ABSOLUTO não é nem posta em dúvida nem questionada, nem sequer nomeada na sua essência. O caminho de Hegel é outro, na medida em que sabe que um saber ABSOLUTO só pode ser, se, como sempre, começar com a absolutidade. É por isso que, para o seu pensar, a consciência natural só aparece no horizonte que lhe é próprio, enquanto que Descartes, embora chegue a pisar a terra da filosofia moderna – o subiectum enquanto ego cogito – não vê, no fundo, de modo algum o horizonte. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Na apresentação absoluta do saber que aparece não há, para a consciência natural, nenhum retorno à sua verdade. O caminho da apresentação que aparece no seu aparecer é “a intelecção consciente da não-verdade do saber que aparece, para o qual o mais real é, porém, aquilo que, em verdade, é apenas o conceito não realizado.” Neste caminho, a consciência natural perde definitivamente a sua até agora verdade, mas sem nunca se perder a ela mesma. Antes pelo contrário, instala-se na nova verdade em conformidade com o seu modo antigo. Do ponto de vista da ciência do saber que aparece, o caminho da apresentação é, para a consciência natural, sem dar por isso, o caminho do desespero [Verzweiflung  ]. Contudo, a consciência natural ela mesma nunca desespera. O duvidar, no sentido do desespero, é coisa da apresentação, quer dizer, do conhecer ABSOLUTO. Por este caminho, porém, ela também não desespera de si, mas sim da consciência natural, na medida em que esta nunca quer realizar o mero conceito do saber, que permanentemente é enquanto tal, mas que, no entanto, nunca pára de se arrogar a verdade do saber e de se fazer passar por única bitola do saber. Quanto mais completamente a apresentação percorrer o caminho do desespero, tanto mais depressa acaba a ciência o seu próprio aparecer. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A skepsis anda e encontra-se à luz do raio, na qualidade do qual já nos roça a absolutidade do ABSOLUTO, que, em si e para si, está em nós. O ter-visto da skepsis é aquele vidi (vi e vejo agora) que tem em vista a realidade do real. Contudo, se a realidade é o aparecer do saber que aparece, então o aparecer só alcança a apresentação de um modo tal que esta acompanha o aparecer e se move como tal acompanhante. Neste movimento, o aparecer do que aparece vai ao encontro da apresentação. Neste vir [ao encontro], na medida em que se considera o real, o que aparece ele mesmo retira-se. Este ir e vir [ao encontro], em si unitário, é o movimento em que a consciência mesma é enquanto tal. Esta é na unidade entre o saber natural e o saber real, na qualidade da qual se coloca, segundo cada um dos saberes, de si mesma para ela mesma e aparece em tal estar-colocado. Assim, a consciência é em cada caso uma figura. A skepsis precipita-se sobre a consciência mesma, a qual se desenvolve no cepticismo, que, no aparecer do que aparece, leva a emergir uma figura da consciência na outra. A consciência é consciência no modo do cepticismo que se consuma a si mesmo. Este é a história da própria consciência, a qual não é nem apenas a consciência natural em si, nem apenas o saber real para si, mas sim, antes de tudo isso, a unidade originária de ambos em si e para si. Este movimento do vir do aparecer e do ir do que aparece, é o acontecer histórico [Geschehen  ] que, de figura em figura, leva a consciência ao que se vê, quer dizer, à imagem-forma [Bild  ] da sua essência. Com a imagem, a história da consciência traz a emergir a consciência mesma no seu aparecer. Esta história é “a história da formação [Bildung] da consciência mesma para a ciência”. Hegel não fala da formação da consciência natural para a filosófica, pois ele pensa apenas no aparecer da consciência que aparece em vista do seu pleno vir-a-aflorar, na qualidade do qual a consciência é já a ciência mesma. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O cepticismo que se consuma a si mesmo é a historicidade da história, na qualidade da qual a consciência vem a formar-se no aparecer do saber ABSOLUTO. O cepticismo já não tem aqui o valor apenas de urna atitude [Haltung] do sujeito humano singular. Assim, ele ficaria pura e simplesmente a ser o propósito [Vorsatz] subjectivo de não construir jamais em parte alguma sobre autoridade estranha, mas sim o de ele mesmo, quer dizer, no sentido daquele sujeito, tudo pôr-à-prova. Embora este cepticismo invoque a própria intelecção de um eu que se representa a si mesmo, não é nenhuma skepsis no que respeita ao ser do ente. Esta não se verga retroactivamente no estreito horizonte de uma evidência limitada. Ela olha na medida em que avista o aparecer do saber que aparece. O ego cogito singular, representando-se, fica preso a esta esfera. Porém, talvez esta esfera não seja senão, pensada mais essencialmente do que Hegel a pôde pensar, apenas a recordação do esse do ens certum do ego cogito e, justamente, na figura do seu alargamento à realidade do saber ABSOLUTO. Contudo, este alargamento necessita da skepsis prévia na amplitude do aparecer a si [mesmo] da subjectidade incondicionada. Mas este ir-adiante é simultaneamente o resoluto retrocesso para aquela verdade do ente que, enquanto a certeza absoluta, se toma a ela mesma pelo ser. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Neste ponto, não podemos continuar a esquivar-nos a um esclarecimento do uso linguístico, que se tornou entretanto necessário. Desde o tempo em que ficou decidida a sua terminologia, Hegel designa pelo nome de “ente” aquilo que se torna objectivo [gegenständlich] no representar imediato. Este objectivo [Gegenständliche] é o representado unilateralmente apenas do lado do opor-se [Gegenstehens], sem considerar o representar e o representado. O ser, enquanto nome para o assim chamado ente, dá nome àquilo que na verdade não é ainda propriamente o verdadeiro e o real. Hegel utiliza “ser” para a designação da, no seu sentido, realidade ainda não verdadeira. É neste sentido que interpreta também a filosofia antiga. Uma vez que ela ainda não pisou a terra da filosofia, a autoconsciência, na qual somente o objectivo representado é enquanto tal, pensa o real apenas enquanto ente. “Ser” é para Hegel sempre na restrição do “apenas ser”, pois o deveras ente é o ens actu, o efectivo, cuja actualitas  , efectividade, consiste no saber da certeza que se sabe a si mesma. Apenas esta – o que agora quer dizer sempre a partir da certeza do saber ABSOLUTO – pode, em verdade, reivindicar “ser” toda a realidade, a realidade. Assim, retorna aqui o “ser”, quando parecia que devia ter desaparecido. No entanto, o saber ABSOLUTO da ciência não toma conhecimento disso. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Se, pelo contrário, a nossa leitura do texto de Hegel reserva a palavra “ser” para o aparecer do saber que aparece, e do mesmo modo, para a absolutidade do ABSOLUTO, à partida isto talvez possa parecer uma arbitrariedade. Este uso linguístico não é, porém, nem arbitrário, nem um caso de mera terminologia, se é que, em geral, é susceptível de se acomodar a linguagem do pensamento a uma terminologia que, em conformidade com a sua essência, seja instrumento das ciências. Todavia, a linguagem do pensar desenvolvida a partir do seu destino [Geschick  ] chama o pensado de um outro pensar para a claridade do seu pensar, para liberar o outro na sua própria essência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O oitavo parágrafo traça o carácter de movimento da marcha histórica em que decorre a história da formação da consciência. A progressão pela série completa das figuras do saber deve dar-se por ela mesma. “Por ela mesma” só pode significar aqui a partir do modo em que a consciência é em si uma marcha. É por isso que a consciência tem agora de ser focada. Em conformidade, este parágrafo conduz ao primeiro dos três princípios da consciência que Hegel, no presente trecho, pronuncia. “Formação da consciência” quer dizer que a consciência se põe ela mesma ao corrente da sua essência, em ser a ciência no sentido do saber ABSOLUTO. É nisso que reside o carácter dúplice, de a consciência aparecer a si mesma no seu aparecer, mas simultaneamente se dispor na luz do seu próprio saber em conformidade com as perspectivas essenciais do seu parecer [Scheinen e assim se organizar como o reino das suas figuras. A consciência mesma não é, nem apenas a consciência natural, nem apenas a consciência real. Não é também o mero acoplamento de ambas. A consciência mesma é a unidade originária de ambas. Todavia, o saber real e o saber natural não residem na consciência como partes constitutivas inanimadas. A consciência é tanto o saber real como o saber natural, na medida em que aparece a si na unidade originária de ambos e enquanto tal unidade. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Neste arrancamento para fora, para além de si mesma, a consciência natural sofre uma violência. Porém, ela provém da consciência mesma. A violência é o vigorar da inquietação na consciência mesma. Este vigorar é a vontade do ABSOLUTO, que na sua absolutidade em si e para si quer estar junto de nós, junto de nós que constantemente permanecemos no meio de entes, no modo da consciência natural. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

É porque a verdade da consciência se torna nítida no primeiro princípio da consciência que Hegel pode, agora, evidenciar também a consciência natural no sentido em que não é o saber real. Ele também designa a consciência natural como o não-verdadeiro. Todavia, isto não significa de modo algum que a consciência natural seja meramente o aterro do falso, do ilusório e do errôneo. Pelo contrário, significa que a consciência natural é sempre o ainda não verdadeiro que é dominado pela violência que a arrebata na sua verdade. A consciência natural sente esta violência e fica com medo da sua própria subsistência. Hegel, cujo racionalismo não se poderá nem elogiar nem censurar o suficiente, fala, no trecho decisivo em que menciona a referência do saber natural ao ser do ente, do “sentimento da violência”. Este sentir da violência da vontade que o ABSOLUTO é enquanto tal caracteriza o modo em que a consciência natural “é apenas conceito do saber”. Mas seria insensato julgar [meinen] que Hegel julga que o medo natural que faz com que a consciência se esquive ao ser do ente é, enquanto esta referência natural ao ser, inadvertidamente também o modo no qual esse medo seria até mesmo o órgão pelo qual a filosofia pensa o ser do ente, como se aí, onde o pensar tem de reportar-se ao sentimento, também já a filosofia, num abrir e fechar de olhos, ficasse abandonada ao mero sentimento, em vez de se fundar sobre a ciência. Mas este julgar-opinar superficial, que hoje, como sempre, faz a sua escola, faz ele mesmo parte da vaidade do entendimento, que se apascenta na indolência da sua irreflexão e tudo dissolve nela. No fim do mesmo parágrafo, que, com o primeiro princípio da consciência, olha para fora, para a verdade do saber, aparece a sua não-verdade na figura do “árido eu”, o qual acha a sua única satisfação na restrição ao ente que vai ao seu encontro. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A apresentação do saber que aparece é o cepticismo que se consuma a si mesmo. Na medida em que se realiza, efectiva-se. A apresentação exibe-se enquanto tal, em vez de apenas entrar em cena. Não é o caminho da apresentação que vai da consciência natural para a real, mas é sim a própria consciência, a qual é em todas as figuras da consciência enquanto distinção entre consciência natural e real, que progride de uma figura para outra. A progressão é uma marcha, cujo movimento é determinado a partir do fim, quer dizer, a partir da violência da vontade do ABSOLUTO. A apresentação segue o aparecer do saber que aparece que vai ao seu encontro. Agora, a representação que a consciência natural tinha do conhecer ABSOLUTO, segundo a qual esta era um meio, desvaneceu-se. Agora, o conhecer já não pode ser posto-à-prova, pelo menos, não como um meio que seja aplicado sobre um objecto. Além disso, porque a apresentação se exibe a si mesma, o pôr-à-prova em geral parece ter-se tornado supérfluo. Assim, depois deste esclarecimento, poderia pois começar imediatamente a apresentação. Mas ela não começa, pressupondo não ter ainda começado. Seguem-se novos parágrafos de meditação. Isto revela que não nos foi ainda suficientemente explicitada a essência da apresentação do saber que aparece, nem alcançámos ainda o nosso próprio relacionamento com ela. O modo de co-pertencer da apresentação e do apresentado, se, e em que medida ambos serão até a mesma coisa, sem contudo se diluir numa coisa só, permanece obscuro. Como é que o conhecer ABSOLUTO poderá ser um caminho para o ABSOLUTO, se o ABSOLUTO, em si e para si, já está em nós? Se se puder falar aqui ainda de um caminho, então será apenas do caminho que o próprio ABSOLUTO percorre, na medida em que ele é este caminho. Poderia a apresentação do saber que aparece ser este caminho e marcha? A essência da apresentação tornou-se ainda mais enigmática. É evidente apenas que a apresentação, separada do ABSOLUTO, não lhe faz frente [vinda] sabe-se lá donde, em conformidade com o modo pelo qual a consciência natural representa o conhecer. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Todavia, o nono parágrafo retoma justamente esta representação natural do conhecer. Isto acontece, é claro, para colocar novamente a questão da prova do conhecer ABSOLUTO. A prova do conhecer, na medida em que [este] não é nenhum meio, irá tornar-se tão pouco credível que, pelo contrário, só a partir de agora é que se poderá impor como algo digno de ser questionado. Quando a apresentação produz o saber que aparece no seu aparecer, coloca a consciência ainda-não-verdadeira na sua verdade. Dimensiona o que aparece enquanto tal em conformidade com o seu aparecer. É este o critério. Aonde é que a apresentação o vai buscar? Na medida em que a ciência assume a prova do saber que aparece, entra em cena ela mesma como a instância e, assim, como o critério do pôr-à-prova. Se o seu entrar em cena consistir em que a apresentação se efective, então terá logo aquando do seu primeiro passo de trazer consigo o critério do pôr-à-prova enquanto um [critério] legitimado. Por um lado, a ciência, para se efectivar, necessita do critério; [mas], por outro lado, se se pressupõe que um conhecer ABSOLUTO não pode aceitar o critério de uma parte qualquer, o critério só poderá dar-se na efectivação. A apresentação é constrangida, se quiser avaliar o saber não-verdadeiro na sua verdade, a conciliar o inconciliável. O impossível atravessa-se-lhe no caminho. Como se pode remover este obstáculo? [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Na medida em que a consciência natural representa o ente em si, o representado é o verdadeiro e, justamente, “para ela”, consciência que representa imediatamente. Hegel faz uso, em conformidade com o “nela mesma”, deste “para ela”, quando quer dizer que a consciência considera como o verdadeiro o representado directamente por ela. Representando directamente, a consciência emerge no representado e não o retrorefere expressamente a si, enquanto representante. A consciência tem, decerto, o seu representado no seu representar, mas não para si e sim apenas “para ela”. Porém, com o verdadeiro, que representa para ela, deu simultaneamente nela mesma “para nós”, os que nos atemos à verdade do verdadeiro, a verdade do verdadeiro, quer dizer, o critério. Na medida em que apresentamos o saber que aparece enquanto tal, tomamos o aparecer como critério para nele medir o saber que isto que aparece tem por verdadeiro. No saber que aparece, aquilo que é por ele sabido é verdadeiro. Se chamarmos objecto a isto [que é] verdadeiro e conceito ao saber, então o apresentar pondo à prova do que aparece, relativamente ao seu aparecer, consiste em averiguar se o saber, quer dizer, aquilo que a consciência natural considera como o seu saber, corresponde àquilo que é o verdadeiro. Ou se chamarmos, inversamente, objecto ao saber que pomos à prova e conceito ao em-si do sabido, então o pôr à prova consiste em averiguar se o objecto corresponde ao conceito. O que é decisivo, o que é preciso apreender nesta indicação, é que sempre que representemos o que aparece no seu aparecer, cabe à própria consciência aquilo que medimos e aquilo com que o medimos. Ambos os momentos essenciais do pôr à prova, a consciência trá-los nela mesma. Para nós, os que apresentamos, resulta disso a máxima que dirige todo o representar do que aparece no seu aparecer. Reza assim: ponde de lado os vossos caprichos e as vossas opiniões sobre o que aparece. Por conseguinte, a atitude fundamental do conhecer ABSOLUTO não consiste em assaltar a consciência que aparece com um dispêndio de conhecimentos e de argumentos, mas sim em suprimir tudo isto. Suprimindo-o, alcançamos o puro examinar, que nos deixa ver o aparecer. No examinar conseguimos alcançar a ver “a coisa tal como ela mesma em si e para si é”. Mas a coisa é o saber que aparece enquanto o que aparece. A coisidade da coisa, a realidade do real é o aparecer ele mesmo. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

É apenas a partir do dialógico da consciência ôntico-ontológica que se pode realçar o tético do seu representar; é por isso que a caracterização da dialéctica pela unidade de tese, síntese e antítese continua a ser sempre correcta, mas também apenas derivada. O mesmo é válido também para a interpretação do dialéctico como in-finita negatividade [un-endliche Negativität  ]. Ela assenta no reunir-se-passando-por das figuras de diálogo da consciência em direcção ao conceito ABSOLUTO, na qualidade do qual a consciência é na sua verdade consumada. O tético-posicional e a negação negadora pressupõem o aparecer originariamente dialéctico da consciência, mas nunca formam a composição da sua natureza. O dialéctico não pode nem ser explicado logicamente a partir da posição e da negação do representar, nem comprovado onticamente como uma actividade e forma de movimento particular dentro da consciência real [reales Bewußtseins]. O dialéctico, enquanto modo do aparecer, é inerente ao ser, o qual, enquanto entidade do ente, se desenvolve a partir do estar-presente. Hegel não concebe a experiência dialecticamente, pensa, sim, o dialéctico a partir da essência da experiência. Esta, é a entidade do ente, a qual, enquanto subiectum, se determina a partir da subjectidade. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A essentia   do ens no seu esse é a presença [Präsenz  ]. Mas a presença essencia-se no modo da presentificação. Mas porque entretanto o ens, o subiectum, se tornou res cogitans  , a presentificação é simultaneamente em si re-presentante [vor-stellend], quer dizer, representificação. Aquilo que Hegel pensa na palavra experiência é o que primeiro diz o que é a res cogitans enquanto subiectum co-agitans. A experiência é a presentificação do sujeito ABSOLUTO que se essencia na representificação e assim se absolve. A experiência é a subjectidade do sujeito ABSOLUTO. A experiência é, enquanto a presentificação da representificação [Repräsentation] absoluta, a parusia do ABSOLUTO. A experiência é a absolutidade do ABSOLUTO, o seu aparecer no aparecer a si absolvente. Tudo reside em pensar a aqui chamada experiência como ser da consciência. Mas ser quer dizer estar-presente. Estar-presente anuncia-se como aparecer. O aparecer é, agora, aparecer do saber. No ser, na qualidade do qual a experiência se essencia, reside o representar, no sentido de presentificar, como carácter do aparecer. Mesmo quando utiliza a palavra experiência no sentido comum de empiria, Hegel considera sobretudo o momento do estar-presente. Entende, então, por experiência (cf. o prefácio ao “Sistema da Ciência” na Fenomenologia do Espírito, ed. Hoffmeister, p. 14) “a atenção ao actual [das Gegenwärtige] enquanto tal”. Intencionalmente, Hegel não diz de modo algum apenas que a experiência seja um ter em atenção o actual, mas sim tê-lo em atenção no seu estar-presente. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Experiência diz respeito ao que-está-presente no seu estar-presente. Mas, na medida em que a consciência é, ao pôr-se a si mesma à prova, parte para o seu estar-presente, para chegar a ele. É inerente ao aparecer do saber que aparece, representificar-se na sua presença, quer dizer, apresentar-se. A apresentação é inerente à experiência e, com efeito, na sua essência. Não é meramente uma réplica da experiência, que também podia faltar. É por isso que a experiência só será, então, pensada na sua plena essência como a entidade do ente, no sentido do sujeito ABSOLUTO, quando se tornar claro, de que modo a apresentação do saber que aparece é própria do aparecer enquanto tal. O último passo em direcção à essência da experiência é dado no penúltimo parágrafo do trecho. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

São aqueles que na inversão da consciência natural, embora a deixem no seu opinar, ao mesmo tempo, porém, atendem expressamente ao aparecer do que aparece. Este atender a, que expressamente examina [zusieht] o aparecer, é o examinar [Zusehen], na qualidade do qual a skepsis se consuma, que anteviu [vorgesehen] a absolutidade do ABSOLUTO e da qual de antemão se proveu [sich versehen]. O que no cepticismo, ao consumar-se, vem a aparecer [Scheinen], mostra-se “para nós”, quer dizer, para aqueles que, pensando na entidade do ente, já se encontram providos do ser. A inversão que vigora na skepsis da consciência é a marcha desse prover-se [Versehgang] pela qual se provê ela mesma do aparecer. O que portanto se mostra ao assim provido é justamente, no que diz respeito ao seu conteúdo, inerente à consciência mesma e é “para ela”. Mas, o modo em que o que aparece se mostra, designadamente, enquanto o aparecer, é o aspecto [Aussehen  ] do que aparece, o seu eidos  , que dá forma a tudo o que aparece, o coloca sob o olhar [Anblick] e o configura, a morphe  , a forma. Hegel chama-lhe “o formal   [Formelle]”. Este, nunca é “para ela”, para a consciência que representa directamente, para a consciência natural. O formal, na medida em que é para ela, é para ela sempre apenas enquanto objecto, e nunca enquanto objectualidade. O formal, a entidade do ente, é “para nós”, os que na inversão da consciência atendemos [sehen auf  ] directamente não ao que aparece, mas sim ao aparecer do que aparece. A inversão da consciência, que o é do representar, não se desvia do representar directo para uma via lateral, mas vai sim, dentro do representar natural, ao encontro daquilo só a partir do qual é atribuído ao representar directo aquilo que ele percepciona como o que está-presente. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

No parágrafo anterior, Hegel diz que a experiência é o movimento que a consciência mesma exerce nela mesma. O exercício é o vigorar daquele vigor-violência, na qualidade do qual a vontade do ABSOLUTO quer que este [ABSOLUTO] venha-à-presença [anwese] na sua absolutidade em nós. A vontade, na qualidade da qual o ABSOLUTO é, vigora no modo da experiência. Esta é o conseguir chegar estendendo-se para e alcançando, na qualidade do qual o aparecer aparece a si. Enquanto tal alcançar (vir-à-presença), a experiência caracteriza a essência da vontade, essência que se encobre com a essência da experiência na essência do ser. A experiência a ser aqui pensada não é um modo nem do conhecer, nem do querer habitualmente representado. A vontade do ABSOLUTO de estar junto de nós, quer dizer, de aparecer para nós como o que aparece, vigora como experiência. Para nós, o que aparece apresenta-se no seu aparecer, na medida em que efectuamos o ingrediente da inversão. Em conformidade, o ingrediente quer a vontade do ABSOLUTO. O ingrediente é ele mesmo o [que é] querido pela absolutidade do ABSOLUTO. A inversão da consciência não acrescenta nada de egoísta da nossa parte ao ABSOLUTO. Ela repõe-nos na nossa essência, que consiste em vir-à-presença na parusia do ABSOLUTO. Isto significa, para nós, apresentar a parusia. A apresentação da experiência é querida a partir da essência da experiência, enquanto o que lhe pertence. O ingrediente faz emergir que somos e como somos constituídos no examinar da absolutidade do ABSOLUTO. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A experiência é o ser do ente. Entretanto, o ente apareceu no carácter da consciência e, enquanto o que aparece, é na representificação. Mas se, agora, a apresentação é inerente à essência da experiência, se a apresentação se funda na inversão, se a inversão, enquanto nosso ingrediente, é a consumação da nossa relação essencial para com a absolutidade do ABSOLUTO, então a nossa essência mesma é inerente a parusia do ABSOLUTO. A inversão é a skepsis em direcção à absolutidade. Inverte o que aparece no seu aparecer. Na medida em que se provê de antemão do aparecer, passa sobre tudo o que aparece enquanto tal, circunscreve-o [umfangt] e abre o perímetro do local [Umfang der Stätte  ] em que o aparecer aparece a si. É neste local e através dele que a apresentação faz a sua marcha, na medida em que permanentemente avança cepticamente diante de si [vor-sich-geht]. Na inversão, a apresentação tem a absolutidade do ABSOLUTO diante si e, assim, o ABSOLUTO residindo em si mesma. A inversão abre e delimita o local da história da formação da consciência. Deste modo, assegura a completude e a progressão da experiência da consciência. A experiência avança [geht], na medida em que avança diante de si e, avançando diante de si, retorna a si, desenvolvendo-se no retornar em direcção ao estar-presente da consciência e, enquanto estar-presente, permanentemente devém. O permanente e absolvido estar-em-presença da consciência é o ser do ABSOLUTO. Pela inversão, a consciência que aparece mostra-se no seu aparecer e apenas nele. O que aparece aliena-se no seu aparecer. Pela alienação [Entäußerung], a consciência sai para fora até ao mais extremo do seu ser. Mas nem se afasta, assim, de si e da sua essência, nem cai o ABSOLUTO pela alienação no vazio da sua fraqueza. Pelo contrário, a alienação é o manter-em-si da plenitude do aparecer por força da vontade, na qualidade da qual a parusia do ABSOLUTO vigora. A alienação do ABSOLUTO é a sua recordação originária [Er-innerung] na marcha do aparecer da sua absolutidade. A alienação é tão pouco o estranhamento [Entfremdung  ] em direcção à abstracção de modo que, por ela, o aparecer acaba por se sentir justamente em casa no que aparece enquanto tal. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A inversão da consciência abre primeiro qtie tudo e de antemão propriamente o entre [Zwischen] (dia), dentro do qual alcança a sua expressão o diálogo entre a consciência natural e o saber ABSOLUTO. A inversão, enquanto skepsis, abre simultaneamente o domínio inteiro em direcção à absolutidade do ABSOLUTO, através dele e mediante ele (dia) a consciência reúne a sua história na verdade consumada e, desse modo, se forma [bildet]. A inversão da consciência clareia o duplo dia do duplo legesthai. A inversão da consciência dá forma, previamente e em geral, ao espaço essencial de jogo [Wesenspielraum] para o carácter dialéctico do movimento, na qualidade do qual a experiência se consuma enquanto ser da consciência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A inversão da consciência é a consumação do ver da skepsis que vê, na medida em que já se proveu da absolutidade e, assim, por meio dela, se encontra provida dela. O ter-visto (vidi) da skepsis é o saber da absolutidade. A inversão da consciência é o centro essencial [Wesensmitte] do saber, na qualidade do qual se desenvolve a apresentação do saber que aparece. Deste modo, a apresentação é a marcha da consciência mesma para o aparecer a si no aparecer. Ela “é o caminho para a ciência”. A apresentação, enquanto o caminho assim concebido para a ciência, é ela mesma ciência; pois o caminho no qual se encaminha [be-wegt], é o movimento no sentido da experiência. O vigor-violência [Gewalt  ] que nesta e enquanto esta vigora é a vontade do ABSOLUTO, que se quer na sua parusia. Neste querer, tem o caminho a sua necessidade. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A apresentação provê-se do vigor-violência da vontade, na qualidade da qual o ABSOLUTO quer o seu estar-em-presença (parusia). Aristóteles   designa por episteme   tis o por ele caracterizado contemplar do ente enquanto ente, um modo em que assim se encontra o nosso ver e perceber, designadamente, no estar-presente enquanto tal. A episteme, enquanto modo do estar-em, é, no que permanentemente está-presente ele mesmo, uma espécie de estar-presente humano no que está-presente não-encoberto. Nós mesmos precipitamo-nos no errar se traduzirmos a palavra episteme por ciência, e deixarmos à discrição que se diga com esta palavra o que, justamente, nos é conhecido sob a designação de ciência em geral. Mas se, apesar disso, traduzirmos aqui episteme por ciência, então esta interpretação só terá razão, se entendermos o saber como o ter-visto e pensarmos o ter-visto a partir daquele ver que se encontra ante o aspecto do que está-presente enquanto o que está-presente e visa o estar-em-presença ele mesmo. A partir do saber assim pensado a episteme tis de Aristóteles conserva, e de certo, não por acaso, a conexão essencial àquilo que Hegel chama “a ciência”, cujo saber, evidentemente, se transformou com aquela transformação do estar-presente do que está-presente. Se entendermos o nome “ciência” apenas neste sentido, então as assim chamadas ciências são ciência em segunda linha. As ciências, no fundo, são filosofia, mas são-no de uma maneira em que abandonam o seu próprio fundamento e se instalam, a seu modo, naquilo que a filosofia lhes abriu. Este é o domínio da techne  . [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O aparecer do saber que aparece é o estar-presente imediato da consciência. Mas este estar-presente essencia-se à maneira da experiência. Com ela, o ABSOLUTO, o espírito, alcança “a totalidade do reino” desenvolvido “da sua verdade”. Os momentos da sua verdade são, porém, as figuras da consciência, que na marcha da experiência se libertaram de tudo o que, de cada vez, só parece ser o verdadeiro para a consciência natural, na medida em que, na sua história, ele só é de cada vez para ela. Se, pelo contrário, a experiência estiver consumada, o aparecer do que aparece alcançou o puro brilhar [das reine Scheinen], com que o ABSOLUTO está-presente absolutamente em si mesmo e é, ele mesmo, a essência. A partir deste puro aparecer [reines Scheinen] vigora o vigor-violência que exerce sobre a consciência mesma o movimento da experiência. O vigor-violência do ABSOLUTO que vigora na experiência “continua a impelir a consciência para a sua existência [Existenz  ] verdadeira”. Existência significa aqui o estar-presente no modo do aparecer a si. Neste ponto, o puro aparecer do ABSOLUTO coincide com a sua essência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A parusia é o estar-em-presença em que o ABSOLUTO está residindo em nós e, simultaneamente, enquanto este, residindo em si mesmo. Por conseguinte, neste ponto, também a apresentação do aparecer coincide com “a ciência do espírito em sentido próprio”. A ciência do saber que aparece conduz à e coincide com a ciência em sentido próprio. Esta leva à apresentação de como é que o ABSOLUTO está-presente ele mesmo na sua absolutidade. A ciência propriamente dita é a “ciência da lógica”. O nome é retirado da tradição. A lógica é tida como o saber do conceito. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Mas o conceito, na qualidade do qual a consciência é para si mesma o seu conceito, designa agora o conceber-se ABSOLUTO do ABSOLUTO no próprio estar-capturado [Ergriffenheit  ] ABSOLUTO de si mesmo. A lógica deste conceito é a Teiologia [Theiologie] ontológica do ABSOLUTO. Ela não apresenta a parusia do ABSOLUTO, tal como a ciência da experiência da consciência, mas sim a absolutidade na sua parusia para consigo mesma. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Os genitivos designam, num e noutro sentido, aquela relação [Verhältnis  ] de que a inversão faz uso sem nunca a pensar propriamente: a relação do ser para com o ente enquanto a relação do ente para com o ser. O movimento dialéctico está sediado no local que, embora aberto pela inversão, se torna, enquanto o aberto [das Offene  ] daquela relação, justamente oculto [verdeckt]. O diálogo céptico entre a consciência natural e a consciência absoluta entrevê este local na antevisão [Vorblick] da absolutidade do ABSOLUTO. Esta skepsis dialéctica é a essência da filosofia especulativa. Os genitivos que surgem no título não são nem apenas objectivos nem apenas subjectivos, nem sequer meramente o acoplamento de ambos. São próprios do genitivo dialéctico-especulativo. Este mostra-se no título apenas porque predomina de antemão em toda a linguagem que a experiência da consciência alcança, na medida em que esta [experiência] consuma a sua apresentação. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O título completo, “Sistema da Ciência”, é, ao tempo da primeira edição da Fenomenologia do Espírito, dialéctico-especulativamente ambíguo. Não significa: as ciências agrupadas em conformidade com uma ordenação planeada. Tão-pouco significa: a filosofia exposta contextualmente enquanto ciência. “Sistema da ciência” quer dizer: a ciência é em si a organização absoluta da absolutidade do ABSOLUTO. A subjectidade [Subjektität  ] do sujeito essencia-se de tal modo que, sabendo de si, se institui na completude da sua concatenação [Gefuge]. Este instituir-se é o modo do ser em que a subjectidade é. “Sistema” é o entrar em cena conjunto [Zusammentreten] do ABSOLUTO, o qual se reúne na sua absolutidade e que por este complexo é estabilizado no seu estar-em-presença. A ciência é o sujeito do sistema, não o seu objecto. Mas ela é o sujeito de tal modo que a ciência, pertencendo à subjectidade, é também parte constitutiva da absolutidade do ABSOLUTO. A ciência é para Hegel, ao tempo da primeira publicação da Fenomenologia do Espírito, o saber onto-teiológico do deveras ente enquanto ente. Ela desenvolve o seu todo de um modo dúplice, na “Ciência da Fenomenologia do Espírito” e na “Ciência da Lógica”. A “Ciência da Lógica” de Hegel era naquela altura a Teio-logia absoluta e não a ontologia. Pelo contrário, esta desenvolveu-se como “ciência da experiência da consciência”. A fenomenologia é a “primeira ciência”, a lógica é a ciência em sentido próprio dentro da Filosofia Primeira enquanto a verdade do ente enquanto tal. Esta verdade é a essência da metafísica. Hegel, porém, tornou-se tão pouco senhor do poder estabelecido da sistemática didáctica da metafísica escolástica como antes dele Kant e, depois dele, o Schelling tardio. Nietzsche   brada contra esta sistemática apenas porque o seu pensar tem de permanecer no sistema essencial, onto-teiológico da metafísica. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Apesar de tudo, o título “Ciência da Experiência da Consciência” desaparece. Ora, com ele desaparece também a palavra “consciência” do título da obra, embora a consciência, enquanto autoconsciência, constitua o domínio essencial da absolutidade do ABSOLUTO, embora a consciência seja a terra da metafísica moderna, terra esta que, agora, enquanto “sistema da ciência”, tomou posse de si mesma e se dimensionou completamente a si mesma. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O título “Ciência da Experiência da Consciência” desaparece a favor do novo: “Ciência da Fenomenologia do Espírito”. O novo título está construído numa correspondência precisa. Temos de pensar os seus genitivos de igual modo dialéctico-especulativo. No lugar da palavra “experiência” surge o nome, já usual na filosofia escolar, de “fenomenologia”. A essência da experiência é a essência da fenomenologia. O phainesthai, o aparecer a si do sujeito ABSOLUTO, que é designado por “o espírito”, reúne-se no modo do diálogo entre a consciência ôntica e a ontológica. O [sufixo] “-logia” na fenomenologia é o legesthai no sentido do dúplice dialegesthai  , que caracteriza o movimento, na qualidade do qual a experiência da consciência é o ser desta. A fenomenologia é o reunir-se do diálogo [Gespräches] da conversa íntima [Zwiesprache] do espírito com a sua parusia. Fenomenologia é aqui o nome para a existência [Dasein  ] do espírito. O espírito é o sujeito da fenomenologia, não o seu objecto. A palavra não significa aqui nem uma disciplina da filosofia, nem sequer a designação de um tipo especial de investigação que consista em descrever o dado. Todavia, uma vez que o reunir-se do ABSOLUTO na sua parusia exige, em conformidade com a sua essência, a apresentação, a determinação em ser ciência é já inerente à essência da fenomenologia, embora não na medida em que é um representar do espírito, mas sim na medida em que é a existência, o estar-em-presença do espírito. Por isso o título abreviado de “Fenomenologia do Espírito”, pensado correctamente, não está no indeterminado. Ele coage o pensamento para o último recolhimento [Sammlung  ] possível. “A Fenomenologia do Espírito” quer dizer: a parusia do ABSOLUTO no seu vigorar [Walten  ]. Um decênio depois da publicação da Fenomenologia do Espírito, a “fenomenologia”, no sistema escolar da Enciclopédia (1817), decaiu para uma parte bem estreitamente delimitada da filosofia do espírito. O nome “fenomenologia” é, de novo, o nome de uma disciplina, tal como no século XVIII. Encontra-se entre a psicologia e a antropologia. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Mas o que é a fenomenologia do espírito, se é a experiência da consciência? Ela é o cepticismo que se consuma a si mesmo. A experiência é o diálogo [Gespräch] entre a consciência natural e o saber ABSOLUTO. A consciência natural é o espírito existente em cada caso historicamente no seu tempo. Mas este espírito não é ideologia nenhuma. Ele é, enquanto subjectidade, a efectividade do efectivo. Os espíritos históricos permanecem, em cada caso, neles mesmos originariamente recordados [er-innert] para eles mesmos. Mas o saber ABSOLUTO é a apresentação do aparecer do espírito que existe [daseinden]. Ele consuma “a organização” da constituição de ser do reino dos espíritos. A marcha do diálogo reúne-se no local pelo qual somente passa (obtém) na sua marcha para, atravessando-o, nele se instituir, e, assim alcance nele estar-presente. A marcha que alcança do diálogo é o caminho do desespero do estar-em-dúvida [Verzweiflung], no qual a consciência perde, em cada caso, o seu ainda-não-verdadeiro e o sacrifica ao aparecer da verdade. No acabamento do diálogo “do cepticismo que se consuma a si mesmo” sentencia-se que este está consumado. Sentencia-se no local do caminho em que a consciência morre ela mesma a sua morte, para a qual é atirada pelo vigor-violência do ABSOLUTO. No fim da obra, Hegel chama à fenomenologia do espírito “o calvário do espírito ABSOLUTO”. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A ciência da fenomenologia do espírito é a teologia do ABSOLUTO quanto à sua parusia na sexta-feira santa dialéctico-especulativa. Aqui morre o ABSOLUTO. Deus está morto. Isso diz tudo menos que não há nenhum Deus. Mas a “Ciência da Lógica” é a ciência do ABSOLUTO que inicialmente está presente em si no seu saber-de-si enquanto o conceito ABSOLUTO. Ela é a teologia da absolutidade do ABSOLUTO antes da criação. Tanto uma teologia como a outra são ontologia, são mundanas [weltlich]. Elas pensam a mundanidade do mundo, na medida em que mundo significa, aqui, o ente na sua totalidade, cujo ente tem a característica fundamental da subjectidade. O mundo, assim entendido, determina o seu ente no sentido em que este está presentificado [präsent] na representificação que o ABSOLUTO repre-sentifica. Mas a ciência do saber ABSOLUTO não é teologia mundana do mundo, por secularizar a teologia cristã e da igreja, mas sim porque é inerente à essência da ontologia. Esta é mais antiga do que qualquer teologia cristã, a qual tem primeiro de ser efectivamente, para que nela se possa iniciar em geral um processo de secularização. A teologia do ABSOLUTO é o saber do ente enquanto ente, que nos pensadores gregos faz emergir e aceitar a sua essência onto-teológica, sem nunca a seguir no seu fundamento. Na linguagem da ciência absoluta vem ao de cima que a teologia cristã, naquilo que ela sabe e como sabe o seu sabido, é metafísica. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A frase que diz que a experiência da consciência é o cepticismo que se consuma a si mesmo e a frase que diz que a fenomenologia é o [local do] calvário do espírito ABSOLUTO, fazem coincidir o fim da obra com o seu princípio. Contudo, o essencial da fenomenologia do espírito não é a obra enquanto competência de um pensador, mas sim a obra enquanto a efectividade da consciência mesma. É porque a fenomenologia é a experiência, a entidade do ente, que ela é a reunião do aparecer a si no aparecer a partir do brilhar do ABSOLUTO. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Mas o conter-se-em-si [Sich-zusammen  -nehmen  ] que reúne é a essência não pronunciada da vontade. A vontade quer-se na parusia do ABSOLUTO residindo em nós. “A fenomenologia” é ela mesma o ser, por cujo modo o ABSOLUTO é em e para si residindo em nós. Fica por reflectir em que medida o ser alcança esta essência. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O “residindo em nós” é inerente à absolutidade do ABSOLUTO. Sem este “residindo em nós” o ABSOLUTO seria o solitário que não poderia aparecer a si no que aparece. Não poderia irromper no seu não-estar-encoberto. Sem este irromper (physis  ) não teria vida (zoe  ). A experiência é o movimento do diálogo entre o saber natural e o saber ABSOLUTO. Ela é ambos a partir da unidade unificante, na qualidade da qual os reúne. Ela é a natureza da consciência natural, que é histórica, no acaso das suas formas que aparecem. Ela é o conceber-se destas formas na organização do seu aparecer. A obra termina, por isso, com a frase: “ambos conjuntamente, a história concebida, formam a recordação [Erinnerung  ] e o [local do] calvário do espírito ABSOLUTO, a efectividade, verdade e certeza do seu trono, sem o qual ele seria o solitário sem vida”. Na sua absolutidade, o ABSOLUTO precisa do trono enquanto o elevado [Hohen], para se nele se instalar sem se humilhar. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A parusia do ABSOLUTO acontece enquanto fenomenologia. A experiência é o ser em conformidade com o qual o ABSOLUTO quer ser residindo em nós. É porque a apresentação, que em conformidade com a sua essência é inerente à experiência, não tem outra coisa para apresentar do que a fenomenologia, no sentido da parusia, que é já referido no fim do primeiro parágrafo, com que a obra começa, aquilo com que termina: a parusia. No entanto, diz-se que o ABSOLUTO em si e para si é residindo já em nós e quer ser residindo em nós, apenas discretamente numa oração subordinada. No término da obra, a oração subordinada tornou-se na única oração principal. O “residindo em nós” revelou-se como um “não sem nós”. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O título “Introdução” não se encontra 11a edição original de 1807. Só no índice introduzido posteriormente nesta edição é que o trecho que se segue ao prefácio foi aposto com o título “Introdução”, provavelmente em função da dificuldade resultante da necessidade de um índice. Pois de acordo com o conteúdo, o trecho não é nenhuma introdução, razão pela qual só depois de a obra estar terminada é que o muito mais extenso Prefácio foi redigido como preparação. O trecho dos dezasseis parágrafos não é nenhuma introdução porque não pode ser tal coisa. Não o pode ser, porque não há nenhuma introdução à fenomenologia. Não há nenhuma, porque não pode haver nenhuma introdução à fenomenologia. A fenomenologia do espírito é a parusia do ABSOLUTO. A parusia é o ser do ente. Ao ser do ente, não há, para o homem, nenhuma introdução, porque a essência do homem, no acompanhamento orientativo [Geleit] do ser, é este mesmo acompanhamento. Na medida em que vigora o “ser residindo em nós” do ABSOLUTO, já estamos na parusia. Nunca podemos ser acompanhados ao introduzir-nos nela a partir de parte alguma. Porém, como é que nos encontramos na parusia do ABSOLUTO? Encontramo-nos nela em conformidade com o hábito da consciência natural. A esta, aparece-lhe aquela, como se tudo o que está-presente fosse um junto-do-outro. Tambérn o ABSOLUTO lhe aparece habitualmente como algo que está junto do restante. Também aquilo que está acima do ente comummente representado se encontra em frente da consciência natural. É o ao-lado que está perante [vorhandene Neben] em direcção acima, junto do qual [daneben] estamos nós mesmos. A consciência natural detém-se no ente, seguindo a inclinação do seu representar e não se vira para o ser, pelo qual é, todavia, atraída de antemão e mesmo até por aquela inclinação para o ser do ente. Mesmo assim, a consciência natural assevera, quando se lhe chama a atenção para o ser, que o ser é algo abstracto. Aquilo pelo qual a consciência é atraída para a sua própria essência, ela [consciência] considera-o como algo abstraído [Abgezogenes]. Não é possível à consciência natural uma maior perversão da sua essência do que este [modo do] opinar. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Literalmente, podemos tomar os dezasseis parágrafos como a explicação do título, que depois desapareceu. Contudo, pensando a partir da coisa, não é do título de um livro que se trata, mas sim da própria obra. Nem sequer da obra, mas sim daquilo de que a obra é apresentação: da experiência, da fenomenologia enquanto o-que-se-essencia da parusia do ABSOLUTO. Mas, de novo, não para disso tomarmos conhecimento, mas sim para que estejamos nós mesmos na experiência, que é também o nosso ser, e, isto, no sentido antigo do ser como estar-presente residindo no [anwesend bei]… que-está-presente. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O trecho dos dezasseis parágrafos é a remissão da consciência natural para a apropriação da sua estância. Ela acontece pela inversão da consciência, através da qual a consciência alcança a experiência, com que a parusia do ABSOLUTO deveras acontece. Só se pode recuperar a consciência natural do seu representar habitual e remetê-la para a experiência, se a remissão se ligar permanentemente às representações que a consciência natural, à sua maneira, faz imediatamente daquilo que vai ao seu encontro com a exigência do conhecer ABSOLUTO. Este ligar à opinião   do representar natural caracteriza o estilo dos parágrafos do trecho e a sua conexão. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

O trecho com que começa o corpo da obra propriamente dito, é o começo da skepsis que vigora transindo o cepticismo, que se consuma a si mesmo. Começar a skepsis significa realizar o ter-visto na absolutidade do ABSOLUTO e mantê-la no seu interior. Este trecho é a oportunidade indispensável de fazer com que a consciência natural desencadeie nela mesma o saber em que já é, na medida em que é para si mesma o seu conceito. Só quando já levámos a cabo a inversão da consciência, na qual o aparecer do espírito se vira para nós, vem-à-presença o que aparece enquanto o que aparece “para nós”. “Para nós” não quer dizer, porém, “relativamente a nós”, os que representamos comummente. “Para nós” significa “em si”, quer dizer, aparecendo a partir da absolutidade do ABSOLUTO no puro local do seu aparecer. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

Só quando somos levados, pelo trecho, à inversão, enquanto começo propriamente dito da apresentação, é que pode começar a apresentação da experiência da consciência. Ela começa absolutamente com a absolutidade do ABSOLUTO. Ela começa com o mais extremo vigor-violência da vontade de parusia. Ela começa com a mais extrema alienação do ABSOLUTO no seu aparecer. Para podermos antever [introduzindo-nos] neste aparecer, temos de receber este aparecer tal como aparece e afastar dele as nossas opiniões e pensamentos sobre ele. Mas este deixar vir ao encontro e pôr de lado é um fazer [Tun  ] que cria a sua segurança e perseverança unicamente a partir do ingrediente da inversão. O nosso ingrediente consiste em irmos cepticamente, quer dizer, de olhos abertos, ao encontro do aparecer da consciência que aparece, que já veio ter conosco na parusia, para ser na marcha, na qualidade da qual a experiência é a fenomenologia do ABSOLUTO. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O conceito de experiência em Hegel]

A técnica é a instalação incondicional, posta pelo impor-se do homem, do ABSOLUTO estar-desprotegido sobre o fondo da aversão que reina em toda a objectividade contra a conexão pura que atrai a si, enquanto centro inaudito do ente, todas as forças puras. A produção técnica é a organização da despedida. A palavra despedida, no sentido agora mesmo esboçado, é uma outra palavra fundamental da poesia autêntica de Rilke  . [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: Para quê poetas?]

Não que a totalidade do querer seja, só por si, o perigo, mas antes o querer ele mesmo, sob a forma do impor-se no interior do mundo, que apenas é admitido como vontade. O querer que quer a partir desta vontade decidiu-se já a mandar de um modo ABSOLUTO. Com esta decisão, entrega-se prontamente à organização total. Mas antes de tudo, a própria técnica impede qualquer experiência da sua essência. Pois, enquanto se desdobra plenamente, ela desenvolve nas ciências uma espécie de conhecimento, o qual permanece impedido de alguma vez aceder à esfera essencial da técnica, ou sequer de repensar a sua proveniência essencial. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: Para quê poetas?]