Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Zarader (1990:26-28) – Andeken - Vordenken

domingo 10 de dezembro de 2023

João Duarte

É neste ponto que se impõe uma nova distinção. A primeira consistia em dissociar o começo da origem, com o fim de mostrar [33] que o pensamento (das Denken) devia ultrapassar este em direção àquela. A segunda consiste em dissociar, no interior do pensamento da origem, duas das suas modalidades possíveis, correspondendo a duas finalidades diferentes: a primeira chama-se Andenken, a segunda Vordenken.

Termos de muito difícil tradução, sobretudo se se quiser respeitar o seu paralelismo. Globalmente, pode dizer-se que o Andenken é memória ou comemoração, quer dizer pensamento que se volta para trás num movimento retrospectivo, enquanto o Vordenken é avanço ou preparação, quer dizer pensamento que caminha para diante num movimento prospectivo. Convém no entanto não interpretar mal a singularidade deste duplo movimento. A retrospecção característica do Andenken não é olhar incidente sobre um passado revoluto, mas olhar dirigido em direção ao que, na medida em que ainda não pensado, continua proposto ao nosso futuro — mesmo se não podemos esperar atingir esse futuro senão pelo «passo atrás» [1]. Inversamente, a prospecção característica do Vordenken não é um avanço livre, desligado de todo o passado, mas uma penetração em direção ao futuro, ela própria apenas tornada possível a partir do Andenken — mesmo se deve passar resolutamente para lá dele [2]. Andenken e Vordenken constituem de facto os dois polos de uma oposição, mas esta não pode em caso algum ser reduzida à oposição estática do passado e do futuro. Na realidade, ambos pertencem, segundo modalidades diferentes, à dimensão do futuro, e só se opõem no pano de fundo de uma troca ou de uma participação recíproca [3]. [34]

Perguntávamos um pouco mais acima: qual é o desígnio que Heidegger tem em vista quando prossegue nesta demanda da origem? A distinção das duas modalidades de pensar que são o Andenken e o Verdenken permite pressentir a dupla finalidade desta demanda, dupla finalidade que é ao mesmo tempo a da obra de Heidegger no seu todo. Não é aqui o lugar para a apresentar tematicamente. O que importa, é sublinhar imediatamente o seu caráter plural. Se o gesto de partida é certamente único (retrocesso do pensado ao impensado, do começo à origem), este simples gesto revela estar ao serviço de um duplo projeto. O primeiro é retrospectivo: é certo que implica realmente um «salto», mas só nos afasta da tradição para nos permitir captá-la finalmente na sua verdade. Quer isto dizer que tem como finalidade a apropriação da nossa herança grega. O segundo é prospectivo: não se limitando já a ultrapassar o texto da tradição em direção à sua margem impensada, separa-se resolutamente dela, em proveito de um texto completamente diferente (ainda a pensar). Quer isto dizer que tem como finalidade a superação da herança grega. Clarificada pelo duplo movimento do Andenken e do Vor denken, a noção de Anfang revela assim que encerra uma dupla possibilidade: uma foi experimentada, de modo impensado, na alvorada da nossa história, a outra está por experimentar, como o que é «para pensar», no limiar de uma nova história [4].

Original

C’est en ce point que s’impose une nouvelle distinction. La première consistait à dissocier le commencement de l’origine, afin de montrer que la pensée (das Denken) devait dépasser celui-ci vers celle-là. La seconde consiste à dissocier, à l’intérieur de la pensée de l’origine, deux de ses modalités [27] possibles, correspondant à deux finalités différentes : la première se nomme Andenken, la seconde Vor denken.

Termes fort difficiles à traduire, surtout si l’on veut respecter leur parallélisme. Globalement, on peut dire que l’Andenken est mémoire ou commémoration, c’est-à-dire pensée qui se retourne vers l’arrière en un mouvement rétrospectif alors que le Vordenken est avancée ou préparation, c’est-à-dire pensée qui va de l’avant en un mouvement prospectif. Il convient cependant de ne pas mésinterpréter la singularité de ce double mouvement. La rétrospection caractéristique de l’Andenken n’est pas regard porté sur un passé révolu, mais regard dirigé vers ce qui, en tant que non encore pensé, reste proposé à notre avenir — même si Ton ne peut atteindre cet avenir que par le « pas en arrière » [5]. Inversement, la prospection caractéristique du Vordenken n’est pas une avancée libre, déliée de tout passé, mais une percée vers l’avenir qui n’est elle-même rendue possible qu’à partir de l’Andenken — même si c’est pour passer résolument au-delà [6]. Andenken et Vordenken constituent donc bien les deux pôles d’une opposition, mais celle-ci ne saurait en aucun cas être réduite à l’opposition statique du passé et de l’avenir. En réalité, tous deux appartiennent, selon des modalités différentes, à la dimension de l’avenir, et ils ne s’opposent que sur le fond d’un échange ou d’une participation réciproque [7].

Nous demandions un peu plus haut : en vue de quel dessein Heidegger poursuit-il cette quête de l’origine ? La distinction des deux modalités de pensée que sont l’Andenken et le Vordenken permet de pressentir la double finalité de cette quête, double finalité qui est en même temps celle de l’œuvre heideggerienne tout entière. Ce n’est pas ici le lieu de la présenter thématique-ment. Ce qui importe, c’est d’en souligner d’emblée le caractère pluriel. Si le geste de départ est certes unique (rétrocession du pensé à l’impensé, du commencement à l’origine), ce seul geste se révèle au service d’un double projet. Le premier est rétrospectif : certes, il implique bien un « saut », mais il ne nous éloigne de la tradition que pour nous permettre de la saisir enfin en sa vérité. C’est dire qu’il a pour finalité l’appropriation de notre héritage grec. Le second est prospectif : ne se bornant plus à dépasser le texte de la tradition en direction de sa marge impensée, il s’en dégage résolument, au profit d’un tout autre texte (encore à penser). C’est dire qu’il a pour finalité le dépassement [28] de l’héritage grec. Éclairée par le double mouvement de l’Andenken et du Vordenken, la notion d’Anfang se révèle ainsi recéler une double possibilité : l’une fut expérimentée, sur un mode impensé, à l’aube de notre histoire, l’autre resté à expérimenter, comme ce qui est « à penser », au seuil d’une nouvelle histoire [8].


Ver online : Marlène Zarader


[1Cf. GA4:EHD, p. 95 (127) : «Se o pensamento, lembrando-se daquilo que foi (das Gewesene), lhe deixa a sua essência e não altera o seu reino usando-o apressadamente como presente, descobrimos então que o que foi, pelo seu retorno no Andenken, se estende para lá do nosso presente (Gegenwart) e vem até nós como um futuro (ein Zukünftiges). Bruscamente, o Andenken deve pensar o que foi como algo de ainda-não-desdobrado (als ein Nochnicht-Entfaltetes)». Cf também SvG, p. 107 (147).

[2Cf. GA11:IuD, p. 34 (Qu. I, p. 276): «O que quer que tentemos pensar, e seja qual for a maneira por que o façamos, pensamos no espaço de jogo da tradição. Ela reina quando nos liberta da reflexão (Nachdenken) para uma prospecção (Vordenken) — que não significa traçar planos. Não é senão quando, pensando, nos voltamos para o já pensado, que estamos ao serviço do que há ainda para pensar».

[3Para uma interessante caracterização do Andenken heideggeriano, nomeadamente na sua diferença em relação à Erinnerung hegeliana, pode consultar-se proveitosamente G. Vattimo, Le avventure della differenza, Milano, Garzanti, 1980, pp. 175 e segs.

[4Esta leitura de conjunto, que aqui apenas esboçamos, está desenvolvida, e percorrida segundo a sua dupla dimensão, na nossa iii parte. Inversamente, está condensada ao máximo na nossa conclusão, nomeadamente na figura 6, p. 360, onde nos esforçámos por representar o conjunto do movimento heideggeriano, na sua relação com a origem.

[5Cf. EHD, p. 95 (127) : « Si la pensée, en se souvenant de ce qui a été (das Gewesene), laisse à celui-ci son essence et n’altère pas son règne en le portant hâtivement au compte du présent, alors nous découvrons que ce qui a été, par son retour dans l’Andenken, s’étend par delà notre présent (Gegenwart) et vient à nous comme un avenir (ein Zukünftiges). Brusquement, l’Andenken doit penser ce qui a été comme quelque chose de non-encore-déployé (als ein Nochnicht-Entfaltetes) ». Cf. aussi SvG, p. 107 (147).

[6Cf. IuD, p. 34 (Qu. I, p. 276) : « Quoi que nous tentions de penser, et quelle que soit la manière dont nous le faisons, nous pensons dans l’espace de jeu de la tradition. Elle règne lorsqu’elle nous libère de la réflexion (Nachdenken) pour une prospection (Vordenken) — qui ne signifie pas faire des plans. Ce n’est que lorsque, en pensant, nous sommes tournés vers le déjà pensé, que nous sommes au service de ce qui est encore à penser ».

[7Pour une intéressante caractérisation de l’Andenken heideggerien, notamment dans sa différence avec l’Erinnerung hégélienne, on consultera avec profit G. Vattimo, Le avventure délia differenza, Milano, Garzanti, 1980, p. 175 sq.

[8Cette lecture d’ensemble, que nous ne faisons ici qu’esquisser, se trouve déployée, et parcourue selon sa double dimension, dans notre IIIe partie. Elle se trouve, à l’inverse, condensée au maximum dans notre conclusion, notamment dans la figure 6, p. 268, où nous nous sommes efforcée de figurer l’ensemble du mouvement heideggerien, en son rapport à l’origine;