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Heidegger Through Phenomenology to Thought

Richardson (2003:584-587) – bauen

Chapter XVII - Working, Dwelling, Thinking

quinta-feira 26 de setembro de 2024, por Cardoso de Castro

“Trabalhar” admite tanto um sentido lato como um sentido estrito. [1] No sentido lato, é o equivalente da palavra ‘habitar’, pois, segundo Heidegger, o radical de bauen (buan, bhu, beo) tem afinidade com a forma alemã do verbo ‘ser’ (ich bin, du bist, etc.), sugerindo, portanto, o modo como o Ser-aí é ou habita. No sentido mais estrito, significa uma maneira pela qual o Ser-aí se comporta de acordo com a estrutura do processo de habitação. É este sentido que queremos sugerir por “trabalhar”. Pois esta palavra admite o sentido muito geral de “realizar pela labuta”, sc. “fazer algo” pelo trabalho. Das múltiplas nuances que a palavra assim entendida pode ter, Heidegger sublinha duas: trabalhar no sentido de cultivar (colere), como um agricultor “trabalha” os seus campos; trabalhar no sentido de construir (aedificare), v.g. trabalhar para construir algo. [2] O autor concentra-se no segundo sentido no ensaio, pelo que, ao usarmos a palavra “trabalho” aqui, entendemos “fazer algo”, em que o “fazer” tem o sentido de construir, edificar, e o “algo” tem o sentido de uma “coisa”, p.ex. uma ponte. A questão é: qual é a natureza da “coisa” que é feita? qual é a natureza do “fazer”?

Quanto à natureza de uma “coisa” como tal, já temos uma ideia a partir de “A Coisa”: é a reunião do Ser polivalente em e como qualquer ser dado. No caso presente, esta concepção é aplicada a uma ponte. “A ponte reúne em si mesma, à sua maneira, [a polivalência do Ser]”. Há, no entanto, uma precisão adicional. Dizem-nos que a ponte reúne o Ser numa certa “localização” que podemos chamar de “lugar”. Este “lugar”, no entanto, como Heidegger usa o termo, não existia como uma entidade antes da ponte (embora houvesse sempre muitos “sítios” ao longo da margem do rio onde poderia surgir), mas vem à presença com e como a ponte. Além disso, este lugar ocupa ipso facto o “espaço”, que Heidegger entende como uma certa área “livre” circunscrita por aqueles limites dentro dos quais a coisa começa a fazer-se presente. [3]

Uma vez que a coisa em questão é assim entendida, então o “fazer” da coisa não consiste meramente na atividade humana que molda o aço e o betão na estrutura a que chamamos ponte, mas é o processo de trazer (-bringen) o Ser polivalente (her-) para os limites da coisa e, assim, trazer a própria coisa (-vor-) para a presença como aquilo que é (Hervorbringen). Neste sentido, retoma a concepção grega de τέχνη, sc. deixar algo aparecer como o que é, como si mesmo. [4]

Ora, é precisamente através deste processo de trazer-à-fora as coisas como coisas que o Ser-aí vai tendendo o Ser nos entes, e “… habitar, na medida em que conserva [o Ser] nas coisas, é, como este processo de conservação, [o que se entende por] trabalhar. … ” Inferimos, então, que tender ao Ser nos entes e trabalhar os entes trazendo-os à luz como o que eles são - ambos são um só. A razão pela qual o Ser-aí pode “fazer” as coisas reside assim no carácter bi-dimensional da habitação. Isto é, pode deixar as coisas brilharem no seu próprio “lugar”, ocupando o seu próprio “espaço”, porque desde o início a sua abertura ao Ser é uma abertura a todo o “espaço” possível, ou seja, a sua dimensão ontológica é uma proximidade constitucional às coisas. Mas só quando esta dimensão ontológica é articulada ao nível ôntico nas coisas entre as quais o Ser-aí permanece, é que o Ser-aí se encontra genuinamente “em casa” na sua proximidade às coisas. [5]

No entanto, apesar de toda a estrutura bidimensional do Ser-aí, esta condição não pode ser tomada como garantida. Pelo contrário, ela só se realiza na medida em que o processo de habitação do Ser-aí atinge a sua plena realização. Isto implica uma docilidade completa ao Ser, que tem sempre a primazia. Ao fazer surgir as coisas, o Ser-aí deve aceitar quaisquer insinuações que o Ser transmita, assumindo-as em seu próprio nome como a medida de sua própria atividade, e assim responder à maneira particular pela qual qualquer coisa dada vem à presença. É isto que o Ser-aí traz à plenitude, o seu estar “em casa” com as coisas. Assim, ao permitir que estas coisas brilhem como aquilo que são, o Ser-aí deixa-se efetivamente habitar na sua proximidade. Esta é a resposta do Ser ao apelo do Ser. É o momento em que o Ser-aí supera a sua falta de lar e todo o niilismo que isso implica. É o momento da autenticidade alcançada. O autor conclui com um apelo para aprender o que isso significa. [6]


Ver online : William J. Richardson


RICHARDSON, W. J. H. Heidegger. Through Phenomenology to Thought. New York: Fordham University Press, 2003


[1For the purists, “working” will seem an unhappy translation of bauen, which usually warrants “building,” “constructing,” or “cultivating,” whereas “working” usually translates arbeiten. We find “working,” however, more flexible, and at the moment this flexibility is necessary.

[2VA (GA7), pp. 147 (colere, aedificare), 152 (hegen, pflegen).

[3VA (GA7), p. 155 (Stätte, Ort, Raum). We must forego the further analyses by which Heidegger explains the origin of distance (Abstand, Zwischenraum), extension and “absolute” space (“der” Raum). See VA, pp. 155-156. Cf. SZ, pp. 104-113.

[4VA (GA7), p. 160 (τέχνη).

[5By reason of this ontological nearness to things, There-being can be far closer to things that are ontically distant (v.g. the old bridge at Heidelberg) than those who daily travel it, if they remain in in authenticity, unaware of their ontological prerogative (VA (GA7), pp. 157-158).

[6VA (GA7), pp. 159-160 (Zuspruch entsprochen), 162 (wohnen erst lernen). We take all of Heidegger’s references to the “ordinary” way of doing or understanding things as a continual repudiation of everydayness, therefore of inauthenticity. V.g. VA, pp. 145-146, 147-148, 160, 192, 198, etc.