Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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McNeill (2006:xi-xii) – Animal, Homem, Mundo e Êthos

quinta-feira 20 de abril de 2017

Português

A questão da relação entre vida animal e humana é para Heidegger em última instância a questão de mundo, de o que "mundo" é e de que significa "ter" um mundo e ser "em" um mundo. Entretanto compreendemos o status dos animais e de diferentes modos de vida animal, sempre e inevitavelmente assim fazemos em termos de uma compreensão de mundo. Ser na maneira de entes humanos não significa, no relato de Heidegger, ser uma entidade de certas espécies, com certas características e habilidades especificáveis (uma concepção que Heidegger visualizava como um forma de reducionismo científico que evita a própria abertura e indeterminabilidade de nosso ser). Significa, ao invés, nada outro do que ser sujeito a, direcionado por, esta demanda antecedente de um mundo historicamente determinado. A distinta auto-relação da vida humana, a habilidade para ser (para habitar em) uma relação a seu próprio ser, pressupõe um ser-fora-de-si "ek-stático" de nosso próprio ser, uma ekstase que é possível somente como uma relação ao fenômeno de mundo. A investigação de Heidegger sugere, entretanto, que mundo — compreendido como a manifesteza de entes como tal e como um todo — não é um fenômeno nem puramente ontológico nem transcendental, mas é temporalizado historicamente em e como a existência humana desdobrando. O evento poietico de "formação-de-mundo" é, nesta interpretação, não algo que o ser humano cumpra em e através de suas ações; ao invés, primeiro capacita nosso próprio ser, nossa auto-compreensão e habilidade a relacionar conosco mesmo como entes que já são manifestos. De fato, o desvelamento primário de mundo, Heidegger argumenta, não é de todo uma realização do ser humano já existente, nem, portanto, da auto-compreensão humana ou intelecto. É, ao invés, realizada pelo fenômeno da tonalidade afetiva [Stimmung], através da qual somos primeiramente desvelados para nós mesmos como sendo desta ou daquela maneira, no meio dos entes como um todo. Tonalidade afetiva, como Heidegger já argumentava em sua obra de 1927, Ser e Tempo  , é primária em capacitar nossa própria morada, nosso êthos. Mesmo se tal êthos pode subsequentemente ser modificado pela compreensão, pelo logos e pela deliberação, tal compreensão no entanto sempre permanece responsiva a uma tonalidade afetiva e maneira de ser que já é dada e situada, localizada em um local particular ou sítio de morada. Esse logos (seja como linguagem, pensamento ou compreensão) nem originando nem coincidindo com o desvelamento primário de nosso próprio ser, é, entretanto, do lado positivo, nosso ter sempre já partido de onde estivemos, nosso ekstático ser-fora-de-nós-mesmos como um sendo em andamento, uma partir que é precisamente capaz de deixar ser (Seinlassen) — em um deixar que habilita nossa própria morada. Uma retirada do sítio de presença, um morada em tal retirada, habilita nosso próprio retorno, nossa emergência à presença, embora tal retorno esteja sempre amarrado ao momento. No caso daqueles entes que reconhecemos e aquiescemos como animais, seu lugar de morada, em contraste, coincide com um antro habitual ou ambiente, um habitat (e esta é de fato um antigo sentido raiz do qual êthos deriva). A furna do ente humano, tal morada em velamento, marca o ente humano como um sítio excepcional de desvelamento e auto-velamento, como tendo um êthos que é verdadeiramente enfurnado, ao mesmo tempo não-astucioso, unheimlich.

Original

The question of the relation between animal and human life is for Heidegger ultimately a question of world, of what "world" is and of what it means to "have" a world and to be "in" a world. However we understand the status of animals and of different modes of animal life, we always and inevitably do so in terms of an understanding of world. To be in the manner of human beings does not mean, on Heidegger’s account, to be an entity of a certain species, with certain specifiable features and abilities (a conception that Heidegger views as a form of scientific reductionism that elides the very openness and indeterminability of our Being). It means, rather, nothing other than to be subject to, and addressed by, this antecedent claim of a historically determined world. The distinctive self-relation of human life, the ability to be (to dwell in) a relation to one’s own Being, presupposes an "ekstatic" Being-outside-itself of our [xii] very Being, an ekstasis that is possible only as a relation to the phenomenon of world. Heidegger’s investigation suggests, however, that world — understood as the open manifestness of beings as such and as a whole — is neither a purely ontological nor a transcendental phenomenon, but is temporalized historically in and as the unfolding of human existence. The poietic event of "world-formation" is, on this interpretation, not something that the human being accomplishes in and through his or her actions; rather, it first enables our very Being, our self-understanding and ability to relate to ourselves as beings that are already manifest. Indeed, the primary disclosure of world, Heidegger argues, is not at all an accomplishment of the already existent human being, nor, therefore, of human self-understanding or intellect. It is, rather, accomplished by the phenomenon of attunement, through which we are first disclosed to ourselves as being in this way or that, in the midst of beings as a whole. Attunement, as Heidegger had already argued in his 1927 work Being and Time  , is primary in enabling our very dwelling, our ethos. Even if such ethos can subsequently be modified by understanding, by logos and by deliberation, such understanding nevertheless always remains responsive to an attunement and way of Being that is already given and situated, localized in a particular locale or site of dwelling. That logos (whether as language, thought, or understanding) neither originates nor coincides with the primary disclosure of our own Being is, however, on the positive side, our having always already departed from where we have been, our ekstatic Being-outside-ourselves as a being underway, a departure that is precisely able to leave be, to let be (Seinlassen) — in a letting that enables our very dwelling. A withdrawal from the site of presence, a dwelling in such withdrawal, enables our very return, our emergence into presence, even though such return is always bound to the moment. In the case of those beings we recognize and acknowledge as animals, their dwelling place, by contrast, coincides with a habitual haunt or environment, a habitat (and this is indeed an early root meaning from which ethos derives) [1]. The haunt of the human being, such dwelling in concealment, marks the human being as an exceptional site of disclosure and self-concealing, as having an ethos that is truly haunting, altogether uncanny, unheimlich. (p. xi-xii)


Ver online : THE TIME OF LIFE


[1See the insightful account by Charles Scott of the original derivation of ethos from the ethea or haunts of animals, documented in Homer and other thinkers prior to the fourth century. The Question of Ethics: Nietzsche, Foucault, Heidegger (Bloomington: Indiana University Press, 1990), 143-47.