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Malabou (2004) – Mudação Heidegger

quinta-feira 10 de outubro de 2024, por Cardoso de Castro

A mudação Heidegger é um aparato que realiza mudanças (Wandeln), transformações (Wandlungen), metamorfoses (Verwandlungen). Ele opera no pensamento à maneira de um “conversor (Wandler)”, um instrumento de estrutura variável que pode ser uma retorta inclinada na qual o ferro fundido é transformado em aço, um cadinho de moagem no qual os grãos são transformados em farinha, um conversor de voltagem — analógico-digital e digital-analógico —, um conversor de valores monetários.

A mudação Heidegger efetua conversões de regimes ontológicos, simbólicos e existenciais: a mutação da metafísica, a metamorfose do homem, a metamorfose de Deus, a mudança do discurso, a transformação do olhar, a mutação do próprio Heidegger.

Por operar tanto no pensamento de Heidegger quanto sobre ele, a mudação Heidegger pertence e não pertence a esse pensamento. Funciona dentro e fora dele. A mudação Heidegger é, de fato, uma invenção que resulta de uma decisão de ler. Minha. Essa decisão consiste na potencialização de três noções vizinhas que, embora onipresentes nos textos, parecem adormecidas devido à penumbra conceitual em que são constantemente mantidas. Essas são precisamente as noções de “Wandel”, “Wandlung”, “Verwandlung”: “mudança”, “transformação”, “metamorfose”, que constituem o que chamarei de tríade da mudança e que, na maioria das vezes, designarei simplesmente por suas iniciais: W, W, V.

Nunca vislumbrada, apesar de sua importância decisiva, nunca distinguida pelo próprio Heidegger, essa tríade permaneceu à espera de sua colocação exegética em movimento. Tomo emprestada a palavra “potencialização” (Ermächtigung) da palestra de 1931-1932 sobre Platão, intitulada Sobre a essência da verdade. O Bem, declara Heidegger, é “potencialização” no sentido de que torna adequado, capaz, possível. “O significado próprio e original de agathon é: aquilo que é adequado para algo e o torna adequado para outra coisa, aquilo com o qual podemos começar a fazer algo; quando dizemos “bem!”, isso significa: vamos fazer isso! está decidido! (er wird gemacht! es wird entschieden!) (…) O Bem é aquilo que é vigoroso, aquilo que se impõe, aquilo que se mantém firme (…).” Constituída em um aparato filosófico e assim potencializada, a tríade W, W, V seria então o que dá ao pensamento de Heidegger seu poder, seu vigor, o que o torna bom para algo e capaz de algo mais, uma energia que é importante hoje, por razões que o presente trabalho se propõe a desenvolver, reafirmar e remobilizar. A mudação Heidegger: vamos lá, façamo-lo! está decidido!

Façamo-lo nós. Quer dizer você e eu. A implementação da mudança de Heidegger só pode ocorrer sob a condição de uma palavra compartilhada. De fato, dirigir-se à leitura, falar de Heidegger a alguém já é engajar sua filosofia, que se diz ser precisamente privada de endereço, privada de “ti”, privada de “você”, em sua própria transformação, para abri-la ao outro de fato. O outro: aquela, aquele que és, que serás.

Você. Nem “Heideggeriano” nem “anti-Heideggeriano”, você sabe tudo sobre o “caso”. Você chegou a Heidegger após as revelações biográficas e políticas condenatórias que você conhece em detalhes. Sem dúvida, nenhuma ilusão é permitida. No entanto, você tem a estranha sensação de que o pensamento de Heidegger ainda está aí à sua frente, uma sombra esperando para ser liberada. Está mais do que na hora de abrir um horizonte para essa expectativa. Você não é culpado por querer continuar a pensar. Você não é culpado de entender que obviamente não conseguirá fazer isso sem Heidegger. Você não é culpado por ser um filósofo. Você não tem medo de ir contra o consenso. Você é livre.


Ver online : Catherine Malabou


MALABOU, Catherine. Le change Heidegger: du fantastique en philosophie. Paris: Léo Scheer, 2004