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Luijpen: A ideia de essência na fenomenologia
quinta-feira 1º de junho de 2017
Do exposto se vê bem que ainda se necessita de muitas coisas para usar o termo "existência" de um modo realmente judicioso. Isso, amiúde, não acontece de fato, fazendo com que uma terminologia tão técnica como a fenomenológica seja empregada, às vezes, numa espécie de jargão, com o que se tenta dar uma aparência de verdade a muito contra-senso. Todas as questões tradicionais são reapresentadas pela fenomenologia existencial, levando alguns à conclusão de como "fenomenólogos" ou "existencialistas" podem afirmar o que quiserem, contanto que seja "pessoal". Outros, ignorando que muitos e muitos termos tradicionais adquirem um significado novo, valem-se de sua incompreensão para recusar o pensamento fenomenológico.
Queremos tratar aqui brevemente de uma dessas incompreensões, porque a resposta quadra com nossa temática. Diz-se, às vezes, que a ênfase dada à existência decorre do desconhecimento da ideia clássica da essência, indispensável para o [60] verdadeiro filosofar. A resposta é bem simples. O realce dado à existência importa justamente na acentuação da ideia clássica de essência, visto que aquilo que o filósofo existencial chama existência do homem quer dizer que o ser-consciente-no-mundo constitui a essência, a quididade do homem, [1] ou seja, aquilo pelo que o homem é precisamente homem e não uma coisa, um puro espírito ou um Ser divino. Cumpre, pois, dizer que coisas, puros espíritos e Deus não existem, [2] isto é, que são essencialmente distintos do homem. [3] O ser-consciente-no-mundo constitui o que o homem é essencialmente. O homem, portanto, não vem ao mundo porque acontece haver um mundo, ao qual ele eventualmente também poderia não vir ou do qual poderia se retirar, se quisesse. Só há para o homem um modo de se retirar do mundo: a morte Mas por ela cessa de ser homem. O homem pode sair deste ou daquele mundo, mas com isso penetra, em si, num outro mundo. Sair definitivamente do mundo só é possível se o homem deixar seu ser humano.
A existência também não é uma qualidade que o homem tem ou não tem, assume ou não assume. O homem não é primeiro homem, para depois estabelecer uma relação com o mundo, podendo não a estabelecer. [4] Existir é um "existencial", um caráter essencial do ser-homem. [5] O homem é uma subjetividade-encarnada-no-mundo. [6]
A concepção do ser do homem como existência pela fenomenologia existencial não quer dizer, contudo, que, como o platonismo, o aristotelismo, o tomismo e outras filosofias realistas [61], se "ponha" essa "essência" simplesmente entre outras entidades ou num "amontoado" de seres-em-si. [7] Semelhante representação das coisas, que se poderia denominar "essencialista", confunde a verdadeira essência do homem, pois assim nos vemos perante a pergunta de como o homem é propriamente: é aquele que está no "amontoado" de seres ou aquele para quem o "amontoado" de seres é o que é? [8]
Hoje em dia tornou-se quase geral a aceitação de que o homem é existência. Catastróficos acontecimentos históricos contribuíram bastante para não mais se tentar minimalizar esse aspecto do ser-homem. Entretanto, ainda é muito raro que se tire a principal consequência da ideia da existência. Referimo-nos ao estatuto ontológico, ao modo-de-ser das coisas mundanas e do mundo.
Ver online : FENOMENOLOGIA
[1] "Estamos, pois, na situação inversa à dos psicólogos, porque partimos dessa totalidade sintética que ,é o homem, estabelecendo a essência do homem antes de iniciar-nos na psicologia". J-P. Sartre, Esquisse d’une théorie des émotions, Paris, 1948, p. 9.
[2] "O Sendo que é no modo da existência é o homem. Só o homem existe. O penhasco é, mas não existe. A árvore é, mas não existe. O cavalo é, mas não existe. O anjo é, mas não existe. Deus é, mas não existe". M. Heidegger, Was ist Metaphysik ?, 7.a ed., Frankfurt A. M., 1955, p. 15.
[3] A. Dondeyne, Beschouwingen bij het atheistisch existentialisme, em: Tijdschrift voor Philosophie XIII (1951), pp. 6-10.
[4] "Conforme o que ficou dito, o ser-em não é uma ’propriedade’ que às vezes ele tem e outras vezes não, sem a qual poderia ser tão bem como com ela. O homem não ’é’ e tem, ainda, além disso, uma relação ôntica com o ’mundo’, a qual ocasionalmente ele se dá. Ser-aí nunca é ’em primeiro lugar’ uma espécie de em-seu-livre-Sendo que às vezes tem o capricho de assumir uma ’relação’ com o mundo". SZ, p. 57.
[5] SZ, pp. 42-54.
[6] "… não somos espírito e corpo, consciência perante o mundo, mas espírito encarnado, ser-no-mundo". Merleau-Ponty, Sens et Non-sens, p. 148.
[7] M. Muller, Existenzphilosophie im geistigen Leben der Gegenwart, Heidelberg, 1949, pp. 15-22.
[8] "O objetivismo naturalista… olha a omnitudo realitatis, indica ao homem sua posição e negligencia totalmente reter que a origem dessa hierarquia reside na atividade legisladora do ’olhar’ do Sendo iluminador do espetáculo e que o ’constitui’ como tal". A. de Waelhens, La philosophie et les experientes naturelles, La Haye, 1961, pp. 190-191.