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Figal (2005:76-77) – conjuntura [Bewandtnis]
quinta-feira 14 de novembro de 2024
Ao introduzir o termo “conjuntura”, Heidegger quer apreender mais exatamente o caráter não manifesto e a não-objetualidade do utensílio: “O ente é descoberto na medida em que, como esse ente que é, está referido a algo. Esse algo tem a sua conformidade com ele junto a algo. O caráter ontológico do manual é a conjuntura [Bewandtnis]. Na conjuntura reside: deixar algo conformar-se com algo junto a algo. A ligação do ‘com… junto a… deve ser indicada pelo termo referência” [Bewenden] (ST, 84). Uma vez que a “conjuntura” é aqui determinada por um recurso à referência, essas sentenças não oferecem nada de novo. Se a “conjuntura” não significa simplesmente a mesma coisa que a “referência”, isso se deve ao fato de na “conjuntura” residir um “deixar conformar-se”, [77] e Heidegger pretende tornar claro inicialmente o que isso significa uma vez mais “de maneira ôntica”, portanto, em meio à realização singular de uma lida ocupada: “Deixar-conformar-se [Bewendenlassen] significa onticamente: deixar um manual ser de tal e tal maneira no interior de uma ocupação fática, deixá-lo ser como ele é agora e com o que ele é desse modo” (ST, 84). Consequentemente, deixamos o manual conformar-se com algo quando o deixamos repousar sobre si mesmo, quando não lhe atribuímos uma aplicação e estamos, por isso, em condições de usá-lo “para algo”. Dito de outra maneira, não podemos interpretar algo de maneira disposicional se nos concentrarmos em sua constituição presente ou mesmo se o alterarmos em sua constituição. Em sintonia com essa observação, podemos também compreender como Heidegger chega em geral ao termo “conjuntura”. O termo “conjuntura” em alemão (Bewandtnis) é, por um lado, equivalente a “propriedade” e tem, por outro lado, o aspecto do deixar-conformar-se. O termo “propriedade” é reservado por Heidegger para coisas e só designa, por isso mesmo, o que se pode constatar quando alguém se liga a algo (ST, 73). Em contraposição a isso, a conjuntura não diz o que algo é, mas como o que ele é. Portanto, algo não é justamente “descoberto” em sua conjuntura se nos ligamos a ele. Ao contrário, a descoberta conjuntural só se dá se nos abstraímos dele. Ele só se deixa interpretar “como algo” quando o “deixamos ser”, de modo que a realização da interpretação nunca pode ser pensada senão conjuntamente com um deixar.
[FIGAL , Günter. Fenomenologia da Liberdade. Tr. Marco Antonio Casanova . São Paulo: Forense, 2005]
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