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Figal (2005:150-151) – compreender
quinta-feira 14 de novembro de 2024
[…] Isso que se pôde, assim o diz Heidegger, não “é nenhum quid, mas o ser como existir. No compreender [Verstehen] reside existencialmente o modo de ser do ser-aí como poder-ser [Sainkönnen]. Ser-aí não é um ente simplesmente dado [Vorhandensein], que ainda possui como suplemento o poder algo. Ao contrário, ele é primariamente ser-possível [Möglichsein]. Ser-aí é sempre e a cada vez o que ele pode ser e como ele é a sua possibilidade” (ST, 143). Não é totalmente correto, quando Heidegger contesta que “o que se pôde” no compreender é um quid. Os diversos modos da ocupação e da preocupação que ele mesmo nomeia para a determinação mais próxima do “que se pôde” são naturalmente um quid no sentido de algo determinado. E a tese aqui também colocada em jogo uma vez mais de que o ser-aí não pode ser concebido como um “ser simplesmente dado” diz, então, que não se é determinado por propriedades simplesmente constatáveis no ser-aí, mas por disposições: o que se é não está manifesto por meio da própria “aparência”, mas só é acessível para outros quando eles observam o comportamento [Verhalt]. [1] Entretanto, mesmo para uma tal observação do comportamento, nunca se torna completamente acessível o que se é, pois sempre se “pode” fazer mais do que de fato se faz. Por outro lado, a tese heideggeriana de que o “que se pôde” no compreender não é nenhum quid tem um sentido pertinente. Por fim, não se pode deduzir tão-somente de se poder algo que também se fará uma tal coisa, e isso significa uma vez mais: é-se indeterminado no que se será. Esse ser indeterminado iminente Heidegger denomina “existência”. É fácil ver, agora, que essa noção de existir é aparentada com a tese central do indeterminismo epistêmico. Todavia, Heidegger não se diferencia do indeterminismo epistêmico apenas por não conceber o contexto do comportamento como um contexto causal, mas sim como mundo; além disso, ele interpreta o não-saber do ser iminente como um saber, e, em verdade, mais exatamente como um apreender. Se o ser iminente já não estivesse sempre descerrado para alguém como um ser indeterminado, não se teria em geral nenhuma ocasião para se perguntar como se pode e se quer ser. “Compreender” não consiste, contudo, em se perguntar por isso e em responder de uma maneira ou de outra à questão. Ao contrário, um tal perguntar e responder já pressupõem o compreender. “Compreender” é o apreender do ser iminente e indeterminado e de determinados modos de comportamento por meio dos quais esse ser é determinável. Vistas assim, todas as possibilidades determinadas de comportamento, nas quais o ente é “significativo” [151] para alguém, não são senão “em virtude” do ser indeterminado, iminente. E, porque os dois são apreendidos no compreender, Heidegger também pode dizer: “Como o descerramento do em-virtude-de e da significância, o descerramento do compreender diz respeito co-originariamente ao ser-no-mundo pleno” (ST, 143).
[FIGAL , Günter. Fenomenologia da Liberdade. Tr. Marco Antonio Casanova . São Paulo: Forense, 2005]
Ver online : Günter Figal
[1] Ryle acolheu uma vez mais essa tese aristotélica. Cf. Ryle (1949), especialmente, p. 101-103.