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Boutot (IFH:39-42) – A significação originariamente temporal do cuidado
sábado 18 de fevereiro de 2017
A resolução antecipativa constitui o ser originário do ser-aí. Heidegger mostra, e está aí o ponto culminante da segunda seção de Ser e Tempo , que o sentido profundo da resolução antecipativa e, portanto, do ser do ente que nós somos, reside na temporalidade. Ser, para o ser-aí, é ser temporal. Heidegger não quer dizer com isso que a existência humana se desenrolaria no tempo. A temporalidade do ser-aí não tem nada a ver, com efeito, com a intratemporalidade do ente intramundano. E uma temporalidade originária que se temporaliza segundo três direções, ou três «êxtases», que correspondem aos três momentos estruturais do cuidado autêntico, quer dizer a resolução antecipativa.
A primeira dimensão da temporalidade originária é o futuro. O futuro originário não é o conjunto dos acontecimentos que não estão ainda presentes, mas o movimento pelo qual o ser-aí, ao antecipar resolutamente a sua morte, se projeta para diante dele próprio e se abre ao seu próprio poder ser. «O deixar-se advir a si», diz Heidegger, «na possibilidade (a mais própria) que se mantém (como possibilidade) é o fenômeno originário do futuro» (Ser e Tempo , p. 325).
Antecipando resolutamente a morte, o ser-aí encontra-se ao mesmo tempo entregue ao seu estar-lançado no mundo que é o seu e à faticidade da sua existência. O movimento pelo qual o ser-aí faz o retorno ao seu estar-lançado constitui o passado originário, o ter-sido (Die Gewesenheit). Heidegger faz do passado a segunda dimensão da temporalidade originária, pois é só projetando-se para a sua possibilidade mais própria que o ser-aí pode descobrir e assumir o seu ser-sempre-já. «O passado», diz Heidegger, «de uma certa maneira faz jorrar o futuro» (p. 326).
A terceira dimensão da temporalidade originária, aquela que Heidegger designa em último lugar, é o presente. O presente originário não é o agora da temporalidade vulgar, mas designa, enquanto existenciário, o movimento pelo qual o ser-aí, projetando-se para o seu poder-ser mais próprio e assumindo o seu ser-sempre-já, descobre o mundo que é a cada momento o seu, quer dizer a sua «situação» (Lage). O presente autêntico, enquanto presentificação pelo ser-aí da sua situação, é o que Heidegger chama «o instante» (der Augenblick) (Ibid., p. 338). No instante, o ser-aí torna-se livre para o seu mundo e descobre as possibilidades concretas e as circunstâncias determinadas que se oferecem ao seu agir.
Estes três êxtases, que brotam co-originariamente, formam, na sua unidade, o fenômeno da temporalidade. «O ser-aí brota do futuro, de tal maneira que o futuro ’sido’ (ou melhor ’tendo-sido’) liberta de si o presente… A este fenômeno unitário enquanto futuro tendo sido presentificante, nós chamamos a temporalidade» (p. 326). A temporalidade assim compreendida torna possível a unidade do fenômeno do cuidado. «A unidade originária da estrutura do cuidado», diz Heidegger, «reside na temporalidade» (p. 327).
A temporalidade temporalizante originária, enquanto existenciária, não seria confundida com a temporalidade ordinária. Ela existe à partida «extática», termo que não deve evocar um qualquer transporte místico, mas exprime a aperidade constitutiva do ser-aí. «O futuro, o ter-sido, o presente», diz Heidegger, «manifestam os caracteres fenomênicos do ’a-si’, do ’regresso-para’ e do ’deixar-fazer-frente’. Os fenômenos do a…, do para… e do junto a… revelam a temporalidade como o ekstatikon por excelência. A temporalidade é um ’fora de si’ originário e para si mesmo. Por consequência, nós chamamos aos fenômenos caracterizados de futuro, de ter-sido e de presente, os êxtases da temporalidade» (p. 328). Extática, a temporalidade originária é fixa: enquanto temporal, o ser-aí não está em devir mas ex-iste, quer dizer tem-se a ele próprio fora dele próprio. Extática e estática, a temporalidade original temporaliza-se primeiramente pelo futuro. «O fenômeno primário da temporalidade originária e autêntica», diz Heidegger, «é o futuro» (p. 329). Pondo o acento sobre o futuro, Heidegger quer indicar antes de mais e primeiro que tudo a essência «futurante» do próprio tempo. O tempo originário não é uma realidade dada entre outras, mas um acontecimento ou um advento. Ele nomeia o movimento pelo qual o ser-aí, na antecipação resoluta da morte, advém a ele próprio. A temporalidade originária é então finda. «O tempo originário», diz Heidegger, «é acabado» (p. 331). A finitude da temporalidade originária heideggeriana não tem nada a ver, note-se, com a ideia de um qualquer fim do tempo, mas resulta do enraizamento do tempo na morte. A temporalidade surge na antecipação resoluta pelo ser-aí da morte, e é, a este título, finita. Ela fecha o poder-ser do ser-aí. E preciso inverter, neste ponto de vista, a relação estabelecida tradicionalmente entre a mortalidade e a temporalidade: a mortalidade não é a consequência, mas a origem da temporalidade. A finitude do tempo originário opõe-se à infinitude da temporalidade derivada da qual ela é, paradoxalmente, a condição de possibilidade. «E somente porque o tempo originário é finito», diz Heidegger, «que o tempo ’derivado’ se pode temporalizar como in-finito» (p. 331). (1993, p. 39-42)
Ver online : Alain Boutot