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Agamben (2015:284-286) – Lichtung
sábado 12 de outubro de 2024
Quando, em 1994, surgiu a coletânea póstuma de textos de Hannah Arendt , intitulada Essays in Understanding, pôde-se observar com surpresa que o organizador da edição tinha inserido entre os artigos e ensaios um breve apontamento que tinha o tom confidencial de uma nota de diário ou de um mexerico. No texto, que tinha como título “Heidegger the Fox”, Arendt comparava seu antigo mestre a uma raposa, uma raposa, porém, de uma espécie muito particular, que, desejosa como todas as raposas de construir um covil seguro, tinha escolhido como toca uma armadilha. Sob a aparência de um mexerico, o apontamento contém uma indicação preciosa sobre a ontologia de Ser e Tempo . Falou-se muito do aberto como categoria central do pensamento de Heidegger, esquecendo-se, porém, muitas vezes que a especificidade e a novidade dessa abertura consistem precisamente no fato de serem sobretudo abertura a um fechamento e por meio de um fechamento. O Ser-aí é desde o início lançado sem saída em seu “aí”, remetido a uma tonalidade emotiva e a uma situação fáctica determinada que estão diante dele como um enigma impenetrável, de tal modo que sua abertura coincide em cada ponto com o fato de ser destinado a uma queda. Como diz o parágrafo 29 de Sein und Zeit :
Na tonalidade emotiva o Ser-aí está desde sempre aberto segundo uma disposição dada como o ente ao qual o Ser-aí é entregue em seu ser como o ser que ele, existindo, tem de ser. Aberto não significa aqui reconhecido como tal […] O puro fato do “que é” se mostra, mas o de onde e o para onde ficavam na obscuridade […] A esse caráter de ser do Ser-aí, velado em sua proveniência e em sua destinação, mas precisamente por isso tanto mais aberto em si mesmo e sem véus, chamamos o ser-lançado [Geivorfenheit] desse ente em seu “aí” […] A expressão “ser-lançado” significa a facticidade do ser entregue […] Como ente entregue a seu ser, o Ser-aí é sempre entregue a este, de tal modo que ele deve sempre ter já se encontrado, mas um encontrar-se que não tem origem em um buscar diretamente, mas em um fugir. A tonalidade emotiva não abre no modo de um ver o ser-lançado, mas em um processo de conversão ou de evasão.
Tal é a constituição fáctica da Lichtung que o Ser-aí abre e cujo nome é, na verdade, algo como um lucus a non lucendo: mergulhado no que o abre, escondido no que o expõe e obscurecido por sua própria luz. O Ser-aí tem de ser acima de tudo aquilo a que foi desde sempre remetido e abandonado, seus próprios modos de ser. A ontologia heideggeriana é, assim, decididamente maneirista e não essencialista; o Ser-aí não tem uma natureza própria e uma vocação pré-constituída, mas é um ser absolutamente inessencial, cuja essência, sendo lançada, jaz (liegt) agora integralmente na existência, em suas múltiplas maneiras (Weise) de ser.
[AGAMBEN , Giorgio. A potência do pensamento. Ensaios e conferências. Tr. Antônio Guerreiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2015]
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