Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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ser-aí

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Dasein  
Da-sein  

Para reunir, ao mesmo tempo, numa palavra a revelação do ser com a essência do homem, como também a referência fundamental do homem à abertura ("aí"; "da") do ser enquanto tal, foi escolhido para o âmbito essencial, em que se situa o homem enquanto homem, o nome "SER-AÍ". Isto foi feito, apesar de a metafísica usar este nome para aquilo que em geral é designado existentia  , atualidade, realidade e objetividade, não obstante até se falar, na linguagem comum, em "SER-AÍ humano", repetindo o significado metafísico da palavra. Por isso obvia toda possibilidade de se pensar o que nós entendemos quem se contenta apenas em averiguar que em Ser e Tempo   usa-se, em vez de "consciência", a palavra "SER-AÍ" [Dasein]. Como se aqui estivesse apenas em jogo o uso de palavras diferentes, como se não se tratasse desta coisa única: da relação do ser com a essência do homem e com isto, visto a partir de nós, como se não se tratasse de levar o pensamento primeiramente diante da experiência essencial do homem, suficiente para a interrogação decisiva. Nem a palavra "SER-AÍ" tomou o lugar da palavra "consciência", nem a "coisa" chamada "SER-AÍ" passou a ocupar o lugar daquilo que é representado sob o nome "consciência". Muito antes, com o "SER-AÍ" é designado aquilo que, pela primeira vez aqui, foi experimentado como âmbito, a saber, como o lugar da verdade do ser e que assim deve ser adequadamente pensado. [MHeidegger O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA]


Somente à base da originária revelação do nada [Nichts  ] pode o SER-AÍ [Dasein] do homem chegar ao ente [Seiende  ] e nele entrar. Na medida em que o SER-AÍ se refere, de acordo com sua essência, ao ente que ele próprio é, procede já sempre, como tal SER-AÍ, do nada revelado.

Ser-aí quer dizer: estar suspenso dentro do nada. [MHeidegger O QUE É METAFÍSICA?]


O homem somente chegará a saber o incalculável ou, o que é o mesmo, somente chegará a preservá-lo em sua verdade, através de um questionamento e configuração criadores baseados na meditação. Esta translada o homem futuro para esse lugar intermediário, para esse Entre, no qual pertence ao ser e, não obstante, permanece sendo um estranho dentro do ente. [Este espaço aberto entre dois elementos é o SER-AÍ [Da-sein], entendendo a palavra no sentido do âmbito extático do desocultamento e ocultamento do ser.] [DZW  ]
Para reunir, ao mesmo tempo, numa palavra a revelação do ser com a essência do homem, como também a referência fundamental do homem à abertura ("aí") do ser enquanto tal, foi escolhido para o âmbito essencial, em que se situa o homem enquanto homem, o nome "SER-AÍ". Isto foi feito, apesar de a metafísica usar este nome para aquilo que em geral é designado existentia, atualidade, realidade e objetividade, não obstante até se falar, na linguagem comum, em "SER-AÍ humano", repetindo o significado metafísico da palavra. Por isso obvia toda possibilidade de se pensar o que nós entendemos quem se contenta apenas em averiguar que em Ser e Tempo usa-se, em vez de "consciência", a palavra "SER-AÍ". Como se aqui estivesse apenas em jogo o uso de palavras diferentes, como se não se tratasse desta coisa única: da relação do ser com a essência do homem e com isto, visto a partir de nós, como se não se tratasse de levar o pensamento [81] primeiramente diante da experiência essencial do homem, suficiente para a interrogação decisiva. Nem a palavra "SER-AÍ" tomou o lugar da palavra "consciência", nem a "coisa" chamada "SER-AÍ" passou a ocupar o lugar daquilo que é representado sob o nome "consciência". Muito antes, com o "SER-AÍ" é designado aquilo que, pela primeira vez aqui, foi experimentado como âmbito, a saber, como o lugar da verdade do ser e que assim deve ser adequadamente pensado.

Aquilo em que se pensa com a palavra "SER-AÍ" através de todo o tratado de Ser e Tempo recebe já uma luz desta proposição decisiva (p. 42), que diz: "A essência do SER-AÍ consiste em sua existência".

Se se considera que na linguagem da metafísica a palavra "existência" designa o mesmo que "SER-AÍ", a saber, a atualidade de tudo o que é atual, desde Deus até o grão de areia, é claro que apenas se desloca - quando se entende a frase linearmente - a dificuldade do que deve ser pensado da palavra "SER-AÍ" para a palavra "existência". O nome "existência" é usado, em Ser e Tempo, exclusivamente como caracterização do ser do homem. A partir da "existência" corretamente pensada se revela a "essência" do SER-AÍ, em cuja abertura o ser se revela e oculta, se oferece e subtrai, sem que esta verdade do ser no SER-AÍ se esgote ou se deixe identificar com o SER-AÍ ao modo do princípio metafísico: toda objetividade é, enquanto tal, subjetividade. [MHeidegger O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA]


Mundo como totalidade não "é" ente, mas aquilo a partir do qual o SER-AÍ se dá a entender a que ente pode dirigir-se seu comportamento e como se pode comportar com relação a ele. O SER-AÍ "se" dá a entender a partir de "seu" mundo quer então dizer: neste vir-ao-encontro-de-si a partir do mundo o SER-AÍ se temporaliza (zeitigt) como um mesmo, isto é, como um ente que foi entregue a si mesmo para ser. No ser deste ente se trata de seu poder-ser. O SER-AÍ é de modo tal que existe em-vista-de-si-mesmo. Se, porém, o mundo é aquilo em cuja ultrapassagem a mesmidade primeiramente se temporaliza, então ele se mostra como aquilo em-vista-de-que o SER-AÍ existe. O mundo tem o caráter fundamental do em-vista-de… e isto no sentido originário de que é ele que primeiramente oferece a possibilidade interna para cada "em-vista-de-ti", "em-vista-dele", "em-vista-disso" etc. Aquilo em-vista-de-que, porém, o SER-AÍ existe, é ele mesmo. À mesmidade pertence o mundo; ele está essencialmente referido ao SER-AÍ. [MHeidegger SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO]
Ek-sistente, o SER-AÍ é in-sistente. Mesmo na existência insistente reina o mistério, mas como a essência esquecida, e assim ornada "inessencial", da verdade. [MHeidegger - SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE]
As “contribuições” perguntam em uma via que é inicialmente aberta pela transição ao outro início, para o interior do qual o pensamento ocidental agora se volta. Essa via lança a transição no espaço aberto da história e a fundamenta como uma estada talvez muito longa, em cuja realização o outro início do pensamento permanece sempre apenas o pressentido, mas já de qualquer modo decidido. Com isto, apesar de já falarem e mesmo de só falarem da essência do seer, isto é, do “acontecimento apropriador”, as “Contribuições” ainda não conseguem juntar a junção livre e fugidia da verdade do seer a partir dele mesmo. Se isso algum dia tiver lugar, então essa essência do seer determinará em seu estremecimento o conjunto articulado da obra pensante ela mesma. Esse estremecimento se fortalece, então, em nome do poder da ternura liberada característica de uma intimidade daquela deização do deus dos deuses, a partir da qual acontece apropriadoramente a destinação do SER-AÍ para o seer, como para a fundação da verdade que é concernente ao seer. [tr. Casanova  ; GA65  : 1]

Para os poucos que de tempos em tempos perguntam uma vez mais, isto é, que colocam em decisão de maneira renovada a essência da verdade. Para os raros, que trazem consigo a mais elevada coragem para a solidão, a fim de pensar a nobreza do seer e falar de sua unicidade. O pensar no outro início é originariamente histórico de uma maneira única: o dispor autoconjuntivo sobre a essenciação do seer. Um projeto da essenciação do seer como o acontecimento apropriador precisa ser ousado porque não conhecemos a missão de nossa história. Que possamos experimentar de um modo fundamental a essenciação desse desconhecido em seu ocultar-se. Precisamos querer, porém, desdobrar esse saber, segundo o qual o desconhecido que nos é dado como tarefa deixa a vontade na solidão e, assim, obriga a existência do SER-AÍ à mais elevada retenção em relação ao que se oculta. [tr. Casanova; GA65: 5]

No conhecimento filosófico, em contrapartida, com o primeiro passo começa uma transformação do homem que compreende, e, em verdade, não no sentido moral  -“existenciário”, mas de acordo com o modo de ser do SER-AÍ. Isto quer dizer: a ligação com o seer e, antes disso sempre, com a verdade do seer transforma-se ao modo da transposição para o próprio SER-AÍ. Como no conhecimento filosófico tudo é a cada vez e ao mesmo tempo transposto extasiadamente – o ser humano em seu estar aprumado na verdade, essa verdade mesma e, com isto, a ligação com o seer – e como uma representação imediata de algo presente nunca é possível, o pensar da filosofia permanece estranho. [tr. Casanova; GA65: 5]

Sobretudo no outro início é preciso que – em consequência da pergunta acerca da verdade do seer – seja logo levado a termo o salto para o interior do “entre”. O “entre” do SER-AÍ supera o chorismos; não na medida em que ele constrói uma ponte entre o seer (a entidade) e o ente como margens por assim dizer presentes, mas na medida em que ele transforma o seer e o ente ao mesmo tempo em sua coetaneidade. O salto no entre conquista pela primeira vez por meio do salto o SER-AÍ e não ocupa um suporte já pronto. [tr. Casanova; GA65: 5]

Todos os inícios são em si o inultrapassavelmente consumado. Eles se subtraem à historiologia, não porque eles são eternos e supratemporais, mas porque eles são maiores do que a eternidade: os impulsos do tempo, que arranjam para o ser a abertura de seu encobrir-se. Fundação própria desse tempo-espaço significa: SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 5]

Se uma questão pensante não é tão simples e tão pre-ponderante, a ponto de ela determinar a vontade pensante e o estilo de pensamento de séculos, lhes dando a pensar o mais elevado, então ela permanece na melhor das hipóteses inquestionada. Pois ela amplia – meramente enunciada – apenas o mercado anual incessante dos “problemas” que coloridamente se alternam, aquelas repreensões que não acertam em nada e pelas quais ninguém se vê tocado. Como é que as coisas se encontram – assim mensuradas – em relação à questão do seer, questão essa que requestiona, imersa em si mesma em um movimento de viragem, ao mesmo tempo o seer da verdade? Por quanto tempo só o caminho deve surgir, o caminho sobre o qual apenas pela primeira vez a questão da verdade é tocada? O que futuramente e em verdade tem o direito de se chamar filosofia tem de realizar isto como o primeiro e único ponto: primeiro encontrar, isto é, fundar o lugar do questionar pensante da questão uma vez mais inicial: o SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 5]

A questão é que a tonalidade afetiva fundamental afina o SER-AÍ e, com isto, o pensar como projeto da verdade do seer na palavra e no conceito. A tonalidade afetiva é a pulverização do estremecimento do seer como acontecimento apropriador no SER-AÍ. Pulverização: não como um mero desaparecimento e extinção, mas, ao contrário: como guarda da chama no sentido da clareira do aí de acordo com a plena abertura do fosso abismal do seer. A tonalidade afetiva fundamental do outro início quase não tem como ser jamais nomeada por meio de um nome; e isto se mantém até mesmo na transição para ele. A pluralidade de nomes, porém, não nega a simplicidade dessa tonalidade afetiva fundamental e só mostra em meio ao inconcebível todo o seu caráter simples. A tonalidade afetiva fundamental se chama para nós: o espanto, a retenção, o pudor, o pressentimento, o abrir-se para o pressentimento. [tr. Casanova; GA65: 6]

Até que ponto o deus se encontra afastado de nós, aquele que nos nomeia fundadores e criadores, porque sua essência precisa de tais homens? Ele está tão afastado que nós não conseguimos decidir, se ele se movimenta em nossa direção ou se ele está se distanciando de nós. E repensar plenamente essa distância mesma em sua essenciação como o tempo-espaço da suprema decisão significa questionar acerca da verdade do seer, acerca do próprio acontecimento apropriador, do qual toda história futura provém, se é que ainda haverá história. Essa distância da indecidibilidade do mais externo e do primeiro é o iluminado para o encobrir-se, é a essenciação da própria verdade como a verdade do seer. Pois o que se encobre dessa clareira, a distância da indecidibilidade, não é nenhum mero vazio presente à vista e indiferente, mas a essenciação mesma do acontecimento apropriador como essência do acontecimento apropriador, como essência da renúncia hesitante, que se apropria do SER-AÍ em meio ao acontecimento como já copertinente, o deter-se do instante e dos sítios da primeira decisão. [tr. Casanova; GA65: 7]

O despertar dessa indigência é o primeiro tresloucamento do homem para o interior daquele entre, no qual a confusão acossa de maneira uniforme e o deus permanece em fuga. Esse “entre”, contudo, não é nenhuma “transcendência” com relação ao homem, mas é, ao contrário, aquele aberto, ao qual pertence o homem como fundador e guardião, na medida em que ele é apropriado em meio ao acontecimento como SER-AÍ pelo seer mesmo, que não se essencia como nada diverso senão como acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 7]

Somente se mensuramos o quão unicamente necessário o ser é e como ele não se essencia como o próprio deus; somente se tivermos determinado nossa essência com vistas a esses abismos entre o homem e o seer e entre o seer e os deuses, somente então os “pressupostos” começarão uma vez mais a serem efetivamente realizados para uma “história”. Por isto, em termos de pensamento, a única coisa que se mostra como válida é a meditação com vistas ao “acontecimento apropriador”. Por fim e em primeiro lugar, o “acontecimento apropriador” só pode ser re-pensado (compelido para diante do pensar inicial), se o seer mesmo for concebido como o “entre” para o passar ao largo do último deus e para o SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 7]

A distância da indecidibilidade não é naturalmente algo “para além de”, mas o mais próximo do aí infundado do SER-AÍ, que se tornou insistente na prontidão para a recusa enquanto a essenciação do seer. Esse mais próximo é tão próximo que todo exercício inevitável da maquinação e do vivenciado precisa ter já necessariamente passado ao largo dele e, por isto, também nunca pode ser resgatado imediatamente para ele. O acontecimento apropriador permanece o que há de mais estranho. [tr. Casanova; GA65: 7]

O seer se essencia como acontecimento apropriador. A essenciação tem o meio e a amplitude na viragem. A exportação resolutora de contenda e réplica. A essenciação é garantida e abrigada na verdade. A verdade acontece como o encobrimento clareador. A estrutura fundamental desse acontecimento é o tempo-espaço que emerge dele. O tempo-espaço é o que desponta para as mensurações da abertura do fosso abissal do seer. O tempo-espaço é, enquanto junção da verdade, originariamente o sítio instantâneo do acontecimento apropriador. O sítio instantâneo essencia-se a partir desse acontecimento como a contenda de terra e mundo. A contestação da contenda é o SER-AÍ. O SER-AÍ acontece nos modos do abrigo da verdade a partir da garantia do acontecimento apropriador clareado e velado. O abrigo da verdade deixa que o verdadeiro se abra e se dissimule como o ente. O ente se encontra pela primeira vez assim no seer. O ente é. O seer se essencia. O seer (como acontecimento apropriador) precisa do ente, para que ele, o seer, se essencie. O ente pode “ser” ainda no abandono do ser, sob cujo domínio a tangibilidade e a utilidade imediata, assim como a funcionalidade de todo e qualquer tipo (tudo precisa servir ao povo, por exemplo) constituem obviamente o que é sendo e o que não é. A autonomia aparente do ente em face do seer, como se este fosse apenas um suplemento do pensamento “abstrato” representacional, porém, não é nenhum primado, mas apenas o sinal do privilégio em relação à decadência que cega. Esse ente “real e efetivo” é concebido a partir da verdade do seer como o não-ente sob o domínio da inessência da aparência, cuja origem permanece aí encoberta. O SER-AÍ como a fundação da contestação da contenda em meio ao que é aberto por ela é cristalizado humanamente e sustentado na insistência que suporta o aí e que pertence ao acontecimento apropriador. O pensar do seer como acontecimento apropriador é o pensar inicial, que prepara como confrontação com o primeiro início o outro início. O primeiro início pensa o seer como presentidade a partir da presentação, que apresenta o primeiro reluzir de uma essenciação do seer. [tr. Casanova; GA65: 10]

História aqui não concebida como um âmbito do ente entre outros, mas unicamente com vistas à essenciação do seer mesmo. Assim, já em Ser e tempo, a historicidade do SER-AÍ precisa ser compreendida a partir da intenção ontológico-fundamental e não como uma contribuição para a filosofia da história presente à vista. [tr. Casanova; GA65: 12]

[A retenção] Ela só é o estilo do pensar inicial, porque ela precisa se tornar o estilo do ser humano por vir, do ser humano fundado no SER-AÍ, isto é, ela afina inteiramente e suporta essa fundação. Retenção – como estilo – a certeza de si da dotação de medida fundante e da insistência na fúria do SER-AÍ. Ela determina o estilo porque ela é a tonalidade afetiva fundamental. [tr. Casanova; GA65: 13]

A retenção é a prontidão mais intensa e ao mesmo tempo mais terna do SER-AÍ para a apropriação em meio ao acontecimento, o ser jogado no encontrar-se-em propriamente dito na verdade da viragem para o cerne do acontecimento apropriador. O domínio do último deus só toca na retenção; a retenção cria para ele, para esse domínio, assim como para ele, para o último deus, a grande tranquilidade. [tr. Casanova; GA65: 13]

Será que está determinada para nós futuramente uma história totalmente diversa daquilo que parece ser hoje considerado como história: a turva caçada às ocorrências que devoram a si mesmas e que só se deixam fixar ainda por meio do mais estridente barulho? Se é que uma história, ou seja, um estilo do SER-AÍ, ainda nos deve ser doado, então isto só pode ser a história velada da grande tranquilidade, na qual e como a qual o domínio do último deus abre e configura o ente. Portanto, a grande tranquilidade precisa primeiramente se abater sobre o mundo para a terra. Essa tranquilidade emerge apenas do silêncio. E esse silenciamento só desponta da retenção. Ela atravessa de maneira afinadora enquanto tonalidade afetiva fundamental a intimidade da contenda entre mundo e terra e, com isto, a contestação do ataque da apropriação em meio ao acontecimento. O SER-AÍ como contestação dessa contenda tem sua essência no abrigo da verdade do seer, isto é, do último deus em meio ao ente. [tr. Casanova; GA65: 13]

A retenção é o fundamento do cuidado. A retenção do SER-AÍ fundamenta pela primeira vez o cuidado como a insistência que suporta o aí. Mas o cuidado – é preciso sempre dizer isto uma vez mais – não tem em vista a aflição e a opressão, nem tampouco a preocupação atormentada em torno disto e daquilo. Tudo isto diz respeito apenas à inessência do cuidado, na medida em que ele ainda é colocado, além disto, em uma outra incompreensão, segundo a qual ele seria uma “tonalidade afetiva” e uma “postura” entre outras. [tr. Casanova; GA65: 13]

A “visão de mundo” dirige a experiência para uma via determinada e para a sua esfera, até o ponto sempre em que a visão de mundo nunca é colocada em questão; a visão de mundo estreita e impede, por isto, a experiência propriamente dita. Esta é a sua força, visto a partir dela. A filosofia abre a experiência. Por isto, contudo, ela não consegue fundar precisamente de maneira imediata a história. Visão de mundo é sempre um fim, na maioria das vezes um fim longamente estendido e nunca sabido. Filosofia é sempre um início e exige a superação de si mesma. Visão de mundo precisa recusar para si novas possibilidades, a fim de manter a si mesma. A filosofia pode durante muito tempo ficar de fora e aparentemente desaparecer. As duas têm os seus tempos diferentes e se mantêm no interior da história em níveis totalmente diversos do SER-AÍ. A diferenciação entre “filosofia científica” e “filosofia da visão de mundo” é a última ramificação da perplexidade filosófica do século 19, em cujo transcurso a “ciência” conquistou um significado popular técnico peculiar e, por outro lado, a “visão de mundo” do particular, como um substitutivo do solo desaparecido, de maneira bastante fraca, deveria manter coesos ainda os “ideais” e “valores”. [tr. Casanova; GA65: 14]

O “domínio” velado, mas vivido até o fim, das igrejas, o caráter corrente e a acessibilidade das “visões de mundo” para as massas (como substitutivo do “espírito” há muito prescindido e da referência às “ideias”), o levar adiante indiferente da filosofia como erudição e ao mesmo tempo de maneira mediada e imediata como escolástica da igreja e da visão de mundo, tudo isto manterá durante muito tempo afastada a filosofia enquanto cofundação criadora do SER-AÍ a partir da onisciência corrente e ágil da opinião   pública. Isto não é naturalmente algo que se precisaria “lastimar”, mas apenas o sinal de que a filosofia vai ao encontro de um envio destinamental autêntico de sua essência. E tudo depende de nós não perturbarmos esse envio, nem o desfigurarmos muito menos por meio de uma “apologética” da filosofia, uma maquinação, que necessariamente permanece sempre abaixo de sua posição hierárquica. Com certeza, porém, é necessária a meditação sobre a aproximação desse envio destinamental da filosofia, o saber sobre aquilo que perturba e desfigura e que gostaria de fazer valer a pseudoessência da filosofia. Esse saber interpretaria com certeza mal a si mesmo, se ele se deixasse atrair pela possibilidade de tornar aquele elemento adverso objeto da refutação e da confrontação. O saber da inessência precisa permanecer aqui constantemente um passar ao largo. [tr. Casanova; GA65: 14]

A meditação sobre o caráter do povo é uma travessia essencial. Assim como não podemos nos esquecer disso, também precisamos saber que um nível hierárquico maximamente elevado do seer precisa ser conquistado por meio da luta, se é que um “princípio autenticamente popular” deve ser dominado como normativo para o SER-AÍ histórico em meio à sua colocação em jogo. [tr. Casanova; GA65: 15]

O povo só se torna povo, quando os seus elementos mais únicos surgem e quando esses começam a pressentir. Assim, o povo só se torna livre para a lei a ser conquistada por meio da luta como a última necessidade de seu instante extremo. A filosofia de um povo é aquilo que torna povo o povo de uma filosofia, que funda o povo historicamente em seu SER-AÍ e determina para a guarda da verdade do seer. [tr. Casanova; GA65: 15]

A filosofia “de” um povo é aquele elemento livre e único, que tanto se abate sobre o povo, quanto vem “do” povo, na medida em que ele já se decide para si mesmo, para o SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 15]

A filosofia é o saber imediatamente inútil, mas, não obstante, um saber dominante a partir da meditação. Meditação é questionamento acerca do sentido, isto é, acerca da verdade do seer. O questionamento acerca da verdade é o salto para o interior de sua essência e, com isto, para o interior do seer mesmo. A questão é: se, quando e como somos pertencentes ao ser (como acontecimento apropriador). Essa questão precisa ser questionada por causa da essência do ser, que precisa de nós, e, em verdade, não como aqueles que se encontram precisamente ainda presentes, mas de nós, na medida em que nós ratificamos insistentemente suportando o SER-AÍ e o fundamos como a verdade do seer. Por isto, a meditação – salto para o interior da verdade do ser – é necessariamente auto-meditação. Isto não significa consideração voltada para trás de nós como “dados”, mas fundação da verdade do ser si mesmo a partir da propriedade do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 16]

A indigência como aquele elemento que impele de um lado para o outro aquilo que impõe pela primeira vez a decisão e a cisão do homem como um ente com ente e em meio a si e, uma vez mais, de volta a ele. Essa indigência pertence à verdade do seer mesmo. Da maneira mais originária, ela é indigência na coerção para a necessidade das possibilidades extremas, por cujos caminhos o homem criando – fundando para além de si, retorna ao fundamento do ente. Onde essa indigência se eleva ao extremo, ela impõe o SER-AÍ e sua fundação. [tr. Casanova; GA65: 17]

(Sobre a pergunta: quem somos nós?) Como meditação sobre o seer, a filosofia é uma automeditação necessária. A dita fundamentação desse nexo distingue-se essencialmente de todo e qualquer tipo de asseguramento da certeza de “si mesmo” do “eu” justamente em virtude da “certeza”, não da verdade do seer. Mas ela também remonta ainda a um âmbito mais originário do que aquele que precisou levar a termo na transição o posicionamento “ontológico-fundamental” do SER-AÍ em Ser e tempo, posicionamento esse que ainda agora não foi desdobrado de maneira suficiente e elevado ao saber daqueles que questionam. [tr. Casanova; GA65: 19]

Aquele equívoco das pretensões emerge do desconhecimento da essência da verdade como velamento clareador do aí, que precisa ser suportado na insistência do questionar. Mas toda e qualquer reunião com vistas à copertinência mais originária pode ser preparada para a experiência fundamental do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 24]

Estilo: a certeza de si do SER-AÍ em sua legislação fundante e em sua sustentação da grima. [tr. Casanova; GA65: 31]

Enquanto certeza crescida, o estilo é a lei de realização da verdade no sentido do abrigo no ente. E isto porque a arte, por exemplo, é o pôr-em-obra da verdade e porque, na obra, o abrigo em si mesmo chega a se aprumar em relação a si mesmo. Por isto, o “estilo”, ainda que só muito pouco concebido, é particularmente visível no campo da arte. O pensamento do estilo, contudo, não é transposto de maneira estendida a partir da arte para o SER-AÍ enquanto tal. [tr. Casanova; GA65: 31]

O abrigo mesmo realiza-se no e como SER-AÍ. E isto acontece, conquista e perde a história na o-cupação insistente, que pertence de antemão ao acontecimento apropriador, mas que só sabe muito pouco algo sobre esse pertencimento. Essa ocupação pensada não a partir da cotidianidade, mas concebida a partir da ipseidade do SER-AÍ, se mantém em modos múltiplos que se requisitam entre si: fabricação de utensílios, instituição da maquinação (técnica), criação de obras, ato formador de Estado, sacrifício pensante. Em tudo isso a cada vez de maneira diversa, a pré e a co-configuração de conhecimento e de saber essencial como fundação da verdade. “Ciência” apenas uma estaca distanciada de uma penetração determinada da fabricação de utensílios etc.; nada autônomo e nunca podendo ser colocada em conexão com o saber essencial do repensar do ser (filosofia). [tr. Casanova; GA65: 32]

Inversamente: tudo aquilo que só é pensado de início e em meio à necessidade na transição da questão diretriz desdobrada para a questão fundamental sobre o seer e inquirido como caminho para a verdade (o desdobramento do SER-AÍ), tudo isto nunca pode ser traduzido no deserto sem chão de uma “ontologia” e de uma “doutrina das categorias” até aqui. [tr. Casanova; GA65: 34]

Aqui pela primeira vez, nessa interpretação originária do tempo, toca-se no âmbito no qual o tempo alcança com o espaço a mais extrema diversidade e, assim, precisamente a intimidade da essenciação. Essa ligação prepara na apresentação da espacialidade do SER-AÍ, e não, por exemplo, do “sujeito” e do “eu”. [tr. Casanova; GA65: 34]

“O seer” não visa apenas à realidade efetiva do efetivamente real, nem tampouco apenas à possibilidade do possível, em geral não somente ao ser a partir do respectivo ente, mas ao seer a partir de sua essenciação originária na plena abertura do fosso abissal, à essenciação não restrita à “presentidade”. Naturalmente, a essenciação do seer mesmo e, com isto, o seer em sua unicidade mais única não se deixam experimentar de maneira arbitrária e direta como um ente, mas só se abrem na instantaneidade do salto prévio do SER-AÍ para o interior do acontecimento apropriador. Um caminho também nunca conduz imediatamente do ser do ente para o seer, porque a visão para o ser do ente já acontece fora da instantaneidade do SER-AÍ. A partir daqui, é possível trazer para o interior da questão do ser uma distinção e uma clarificação essenciais. Ela não é nunca a resposta da questão do ser, mas apenas a conformação do questionar, o despertar e a clarificação da força questionadora para essa questão, que só emerge sempre e a cada vez da indigência e do desenvolvimento do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 34]

[O repensar do seer e a linguagem] Com a linguagem habitual, que hoje é cada vez mais amplamente abusada e desgastada, a verdade do seer não tem como ser dita. Será que essa verdade pode ser em geral dita de maneira imediata, uma vez que toda linguagem é de qualquer modo linguagem do ente? Ou será que pode ser inventada uma nova linguagem para o seer? Não. E mesmo se tal tentativa tivesse êxito e mesmo sem uma formação vernácula artificial, essa linguagem não seria nenhuma linguagem que diz. Todo dizer precisa emergir concomitantemente do poder ouvir. Os dois precisam ter a mesma origem. Assim, só uma coisa importa: dizer a linguagem mais nobremente amadurecida em sua simplicidade e força essencial, a linguagem do ente enquanto linguagem do seer. Essa transformação da linguagem penetra em âmbitos que ainda se encontram cerrados para nós, porque não sabemos a verdade do seer. Assim, fala-se da “recusa do perseguimento”, da “clareira do encobrimento”, do “acontecimento apropriador”, do “SER-AÍ”, não um escolher verdades e retirar essas verdades das palavras, mas a abertura da verdade do seer em tal dizer transformado. [tr. Casanova; GA65: 36]

Todas essas junções livres e fugidias precisam subsistir em tal unidade a partir da insistência no SER-AÍ, insistência essa que distingue o ser dos que estão por vir. [tr. Casanova; GA65: 39]

A junção livre e fugidia – o dispor que se junta livremente à conclamação e, assim, funda o SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 39]

O domínio histórico da história do pensar ocidental se torna cada vez mais essencial, e a difusão de uma emdição filosófica “histórica” ou “sistemática” cada vez mais impossível. Pois o que importa é não trazer ao conhecimento nenhuma nova representação do ente, mas fundar o ser homem na verdade do seer e preparar essa fundação no repensar do seer e do SER-AÍ. Essa pre-paração não consiste na criação de conhecimentos provisórios, a partir dos quais, então, mais tarde, deveriam ser descerrados os conhecimentos propriamente ditos. Ao contrário, pre-parar significa aqui: abrir o caminho, impor para o caminho – no sentido essencial: afinar. Por outro lado, porém, não como se o pensado e o a se pensar só fossem uma ocasião indiferente para um movimento de pensamento, mas a verdade do seer, o saber da meditação, é tudo. Todavia, o caminho desse repensar o seer não tem já a inscrição fixa em um mapa. A terra vem a ser pela primeira vez, sim, através do caminho e é em cada posição do caminho desconhecida e não tem como ser calculada. [tr. Casanova; GA65: 42]

O perigo de interpretar equivocadamente Ser e tempo nessa direção “antropológico”-“existenciária”, de ver os nexos entre caráter resoluto – verdade – SER-AÍ a partir da resolução visada moralmente, ao invés de, inversamente, a partir do fundamento vigente do SER-AÍ, a verdade como abertura, conceber o caráter resoluto como a espacialização temporalizante do campo de jogo temporal   do seer, esse perigo é natural e é intensificado por aquilo que em muitos aspectos se encontra indomado em Ser e tempo. Mas a interpretação falsa é, no fundo, ainda que não em uma superação executora, alijada, se desde o início se retém a questão fundamental acerca do “sentido do seer” como a única questão. [tr. Casanova; GA65: 43]

Porque a essência do seer se essência no acontecimento da apropriação da de-cisão. Todavia, de onde sabemos isso? Nós não o sabemos, mas o inquirimos e abrimos em tais questões para o seer os sítios e talvez um sítio exigido por ele, caso a essência do seer precise se mostrar como a recusa, para a qual o questionamento insuficiente permanece a única proximidade adequada. E, assim, só um criar que funda todo SER-AÍ com vistas a um longo prazo (e só esse criar, não o empreendimento cotidiano fixo da instituição do ente) precisa despertar a verdade do seer como questão e como indigência através da senda mais decisiva e em impulsos iniciais cheios de alternância, aparentemente desprovidos de conexão e desconhecidos para si, tornar pronto para a tranquilidade do seer; ao mesmo tempo, porém, também decididamente contra toda e qualquer tentativa de confundir e enfraquecer, no mero querer para trás, mesmo que esse querer esteja em relação com as tradições “mais valorosas”, a coação impiedosa na indigência da meditação. [tr. Casanova; GA65: 44]

A missão, porém, à luz e na via da decisão: o abrigo da verdade do acontecimento apropriador a partir da retenção do SER-AÍ na grande tranquilidade do seer. [tr. Casanova; GA65: 45]

Por meio do que é tomada a decisão? Por meio do presente ou da permanência de fora daqueles insignemente delineados, que nós denominamos “os que estão por vir”, em diferença em relação aos muitos que arbitrariamente virão depois e aos imparáveis, que não têm mais nada diante de si e mais nada atrás de si. Desses elementos delineados faz parte: 1) Aqueles poucos particulares, que fundam de antemão os sítios e os instantes para os âmbitos do ente naquelas vias essenciais do SER-AÍ fundante (poesia – pensamento – ação – sacrifício). Eles criam, assim, a possibilidade essenciante para os diversos abrigos da verdade, abrigos esses nos quais o SER-AÍ se torna histórico. 2) Aqueles inúmeros elos de ligação, para os quais está dado pressentir a partir da concepção do querer sapiente e das fundações do particular as leis da recriação do ente, da preservação da terra e do projeto do mundo em sua contenda e torná-las visíveis em meio à execução. 3) Aquelas muitas referências de um para o outro, de acordo com a sua proveniência histórica (terrena e mundana), por meio da qual e para a qual a recriação do ente e, com isso, a fundação da verdade do acontecimento apropriador conquista consistência. 4) Os particulares, os poucos, os muitos (não considerados como número, mas com vistas ao seu caráter assinalado) se encontram ainda em parte nas antigas ordens correntes e planejadas. Essas ordens só se mostram ainda como uma proteção de sua consistência ameaçada ao modo de um invólucro ou ainda como forças diretrizes de seu querer. A consonância desses particulares, desses poucos e muitos é velada, não produzida, crescendo repentinamente e por si. Impera sobre ela o reinado a cada vez diverso do acontecimento apropriador, no qual se prepara uma reunião originária, na qual e como a qual se toma histórico aquilo que pode ser denominado um povo. 5) Esse povo é em sua origem e em sua determinação unicamente de acordo com a unicidade do próprio seer, cuja verdade ele tem de fundar uma única vez junto a um único sítio em um único instante. Como é que essa decisão pode ser preparada? Será que o saber e a vontade têm aqui um espaço para dispor ou só se trata aqui de uma intervenção cega em necessidades veladas? Mas necessidades só reluzem em uma indigência. E a preparação de uma prontidão para a decisão encontra-se naturalmente sob o domínio da necessidade de apenas ainda acelerar por fim a falta de história turbilhonante e calcificar suas condições, onde ela quer de qualquer modo o diverso. [tr. Casanova; GA65: 45]

A decisão precisa criar aquele tempo-espaço, o sítio para os instantes essenciais, no qual a seriedade suprema da meditação emerge em consonância com a maior alegria possível do envio para uma vontade de fundação e de construção, da qual também nenhuma confusão permanece distante. Só o SER-AÍ, nunca uma “doutrina”, pode trazer fundamentalmente a transformação do ente. Tal SER-AÍ enquanto fundamento de um povo carece da mais longa preparação a partir do pensar inicial; mas esse pensar permanece sempre a cada vez apenas um caminho do reconhecimento, que começa ao mesmo tempo por muitas vias, da indigência. [tr. Casanova; GA65: 45]

A essência da decisão só pode ser determinada a partir de sua essenciação essencial. Decisão é decisão entre ou-ou. Com isso, porém, o decisivo já é antecipado. De onde o ou-ou? De onde esse: somente esse ou apenas esse? De onde a incontornabilidade do de tal ou tal modo? Não resta o terceiro elemento, a indiferença? Mas aqui, porém, no extremo, ela não é possível. O que é aqui o extremo: ser ou não-ser e, em verdade, não o ser de um ente qualquer, por exemplo, do homem, mas essenciação do ser, ou? Por que se chega aqui ao ou-ou? A indiferença seria apenas o ser do não-ente, apenas o nada mais elevado. Pois “ser” não tem em vista aqui ao ser em si presente à vista, assim como o não-ser também não visa aqui: ao completo desaparecimento, mas não-ser como uma espécie do ser: sendo e, de qualquer modo, não como uma espécie de ser; e o mesmo vale para o ser: nulo e, de qualquer modo, precisamente sendo. Esse sendo retomado na essenciação do ser exige a intelecção do pertencimento do nada ao ser, e só assim alcança o ou-ou a sua agudeza e a sua origem. Como o seer é nulo, ele precisa para a consistência de sua verdade da subsistência do não e, com isso, ao mesmo tempo do contra tudo o que é nulo, o não-ente. A partir da nulidade essencial do ser (viragem) vem à tona o fato de que ele exige e necessita daquilo que se mostra a partir do SER-AÍ como ou-ou, o um ou o outro, e apenas deles. A essenciação essencial da decisão é um salto em direção à decisão ou a indiferença; ou seja, não a retração e não a destruição. A indiferença como o não-decidir. A decisão passa originariamente por saber se decisão ou não decisão. A decisão, porém, é um colocar-se diante do ou-ou, e, com isso, já é um ter sido decidido, porque aqui já se dá um pertencimento ao acontecimento apropriador. A decisão sobre a decisão (viragem). Nenhuma reflexão, mas o contrário disso: sobre a decisão, isto é, já saber o acontecimento apropriador. Decisão e questão; questão como mais originária: colocar a essência da verdade em decisão. A verdade mesma, contudo, já é o que precisa ser decidido enquanto tal. [tr. Casanova; GA65: 47]

Por que decisões precisam ser tomadas? O que é isso, decisão? A forma necessária de realização da liberdade. Certamente, assim pensamos de maneira “causal” e tomamos a liberdade como uma faculdade. A “decisão” também não é ainda uma forma muito refinada do cálculo? Ou por causa dessa aparência não apenas o oposto mais extremo, mas o incomparável? Decisão, como ato do homem, vista de maneira processual, na sequência. Nela o necessário, que “se encontra” antes do “ato”, que se atém para além dele. O elemento tempo-espacial da decisão como fosso irruptivo do seer mesmo precisa ser apreendido em termos da história do ser, não de maneira moral e antropológica. Arrumação preparatória, então justamente também não uma reflexão ulterior, mas o inverso. Em geral: toda a essência do homem, logo que ela é fundada no SER-AÍ, precisa ser repensada em termos da história do ser (mas não “ontologicamente”). [tr. Casanova; GA65: 49]

O abandono do ser é o fundamento e, com isso, ao mesmo tempo a determinação mais originária da essência daquilo que Nietzsche   reconheceu pela primeira vez como niilismo. O quão pouco mesmo ele e sua força conseguiram impelir o SER-AÍ ocidental à meditação sobre o niilismo! Ainda menor, porém, é a esperança de que essa era traga à tona a vontade de saber sobre o fundamento do niilismo. Ou será que deveria emergir desse saber pela primeira vez a clareza quanto ao “fato” do niilismo? [tr. Casanova; GA65: 57]

3) A irrupção do massificado. Com isto, não se tem em vista apenas as “massas” em um sentido “social”; essas massas só ascendem porque o número já vigora e o calculável, isto é, o acessível a qualquer um da mesma maneira. O que é comum a muitos e a todos é, para os “muitos”, aquilo que eles conhecem como o pre-ponderante; por isso, a interpelação com vistas ao cálculo e à rapidez, assim como, inversamente, a adução realizada por esses do massificado em trilhos e quadros. Aqui a mais aguda oposição, porque a mais discreta, em relação ao raro, ao único (a essência do ser). Por toda parte nesses encobrimentos do abandono do ser, a inessência do ente se difunde, o não ente se expande e, em verdade, com a aparência de um “grande” acontecimento. A propagação desses encobrimentos do abandono do ser e, com isso, precisamente deles mesmos é o mais forte obstáculo, porque ao mesmo tempo um obstáculo que não tem de modo algum como ser notado, para a correta apreciação e fundação da tonalidade afetiva fundamental da retenção, na qual pela primeira vez a essência da verdade reluz, na medida em que a remoção para o interior do SER-AÍ acontece. Aqueles modos da estada no ente e de seu “domínio” são, porém, a tal ponto degradantes porque eles não gastam somente um dia, por exemplo, com formas aparentemente apenas externas que abarcam um interior. Eles colocam a si mesmos no lugar do interior e negam finalmente a diferença entre um interior e um exterior, uma vez que eles são o que há de primeiro e uma vez que eles são tudo o que há. A isso corresponde o modo como se alcança o saber, e a distribuição calculada, rápida e maciça de conhecimentos não compreendidos na maior quantidade possível e no menor tempo possível; “a escolaridade”, uma palavra, que coloca de ponta cabeça em seu significado atual precisamente a essência da escola e da schole. Mas mesmo isso é apenas um novo sinal da reviravolta, que não detém o desenraizamento crescente porque ela não chega às raízes do ente e não quer mesmo chegar até aí; porque se ela chegasse a essas raízes, ela precisaria se deparar com a sua própria ausência de solo. Ao cálculo, à rapidez e à massificação alia-se ainda um outro elemento que, ligado aos três de uma maneira acentuada, assume o encobrimento e a dissimulação da decomposição interior – esse elemento é: [O desnudamento, a publicização e a vulgarização da tonalidade afetiva] [tr. Casanova; GA65: 58]

A ausência de indigência se torna a mais elevada possível, lá onde a certeza de si mesmo se tornou inexcedível, lá onde tudo é considerado como calculável e onde antes de tudo se decide, sem questão prévia, quem nós somos e o que nós devemos ser; lá onde se perdeu o saber e onde esse saber nunca foi fundamentado propriamente, de tal modo que o ser si mesmo propriamente dito acontece no fundar para além de si, o que exige: a fundação do espaço da fundação e de seu tempo, o que requer: o saber da essência da verdade como o que incontornavelmente precisa ser sabido. Onde, porém, a “verdade” há muito tempo não se mostra mais como questão e a tentativa de tal questão é rejeitada como perturbação e como um permanecer ao largo meditabundo, aí a indigência do abandono do ser não encontra de modo algum um tempo-espaço. Onde a posse do verdadeiro como o correto se encontra fora de questão e dirige todo fazer e todo deixar de fazer, em que medida ainda haveria aí espaço para a questão acerca da essência da verdade? E onde essa posse do verdadeiro pode até mesmo se reportar aos fatos, quem gostaria de se perder aí ainda na inutilidade de uma questão essencial e se expor ao escárnio? A partir do soterramento da essência da verdade como o fundamento do SER-AÍ e da fundação da história emerge a ausência de indigência. [tr. Casanova; GA65: 60]

1) A copertinência entre maquinação e vivência. 2) A raiz comum das duas. 3) Em que medida elas consumam a dissimulação do abandono do ser. 4) Por que o conhecimento de Nietzsche do niilismo precisou permanecer inconcebido. 5) O que desentranha – uma vez reconhecido – o abandono do ser acima do seer ele mesmo? A origem do abandono do ser. 6) Por que via o abandono do ser precisa ser experimentado como a indigência? 7) Em que medida já é necessário para tanto a transição para a superação? (SER-AÍ) 8) Por que é que só para essa transição a poesia de Hölderlin   se torna vindoura e, com isso, histórica? [tr. Casanova; GA65: 62]

9) O desdobramento do rigor de uma ciência realiza-se em meio aos modos de avanço (da assunção de uma perspectiva sobre a região de objetos) e de procedimento (de execução da investigação e da apresentação), no “método”. Esse avanço traz o âmbito do objeto respectivamente para o interior de uma determinada direção da explicabilidade, que já assegura de maneira principial a inevitabilidade de um “resultado”. (Algo sempre vem à tona). O modo fundamental do procedimento em toda explicação é a persecução e a disposição antecipativa de séries e cadeias particulares de relações incessantes de causa-efeito. A essência maquinacional do ente, apesar de não ser reconhecida enquanto tal, não apenas justifica, mas exige uma elevação sem limites desse pensar seguro dos resultados em termos de “causalidades”, que, consideradas rigorosamente, não são senão ligações “se-então” sob a forma do quando-então (ao que também pertence, por isso, a “estatística” da física moderna, que não supera de maneira alguma a causalidade, mas a traz simplesmente à luz em sua essência maquinacional). Achar que se pode conceber antes com essa causalidade aparentemente “livre” o vivente revela apenas a convicção secreta fundamental de que um dia também se colocará o vivente sob a jurisdição da explicação. Esse passo encontra-se tanto mais próximo, uma vez que, do lado da região contrária à natureza, na história, predomina o método puramente “historiológico” ou “pré-historiológico”, que pensa completamente em termos de causalidade e torna acessível a “vida” e o “vivenciável” ao computo causal e vê tão somente aí a forma do “saber” histórico. O fato de se admitir na história o “acaso” e o “destino” como codeterminantes atesta com maior razão o domínio único do pensamento causal, na medida em que, sim, “acaso” e “destino” só representam as ligações de causa-efeito não exata e inequivocamente calculáveis. O fato de, em geral, o ente histórico poder possuir um modo de ser completamente diverso (fundado no SER-AÍ), nunca pode se tornar passível de ser sabido pela historiologia, porque ela nesse caso precisaria abdicar, então, de si mesma. Pois enquanto ciência ela tem como seu âmbito de transcurso de antemão fixado o autoevidente, aquilo que é incondicionadamente consonante com uma inteligibilidade mediana, inteligibilidade essa que é exigida a partir da essência da ciência como a instituição de correções no interior do domínio e da direção de tudo o que é objetivo a serviço da utilização e do cultivo. [tr. Casanova; GA65: 76]

Tornar visível a insondável pluralidade de facetas do ponto de partida questionador de Leibniz   e, contudo, ao invés da mônada, pensar o SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 88]

Reconstruir os passos principais de Kant   e, contudo, superar o ponto de partida “transcendental  ” por meio do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 88]

Esses são alguns caminhos, em si independentes e, entretanto, copertinentes, para jogar no saber sempre apenas uma única coisa: o fato de que a essenciação do seer carece da fundação da verdade do seer e de que essa fundação precisa se realizar como SER-AÍ, algo por meio do que todo idealismo e, com isso, a metafísica até aqui e a metafísica em geral são superadas como um desdobramento necessário do primeiro início, que ganha assim pela primeira vez de maneira nova a obscuridade, a fim de só ser concebido a partir do outro início enquanto tal. [tr. Casanova; GA65: 88]

Nietzsche, concebido como o fim da metafísica ocidental, não aponta para nenhuma constatação historiológica daquilo que se encontra atrás de nós, mas se mostra como o ponto de partida histórico do futuro do pensar ocidental. A questão acerca do ente precisa ser trazida para o seu fundamento próprio, para a questão acerca da verdade do seer. E o que constituiu até aqui o fio condutor e a formação do horizonte de toda interpretação do ente, o pensar (re-presentar), é retomado na fundação da verdade do seer, no SER-AÍ. A “lógica” enquanto doutrina do pensar correto transforma-se em meditação sobre a essência da linguagem como a denominação instituidora da verdade do seer. O seer, contudo, até aqui, sob a figura da entidade, o que havia de mais universal e corrente, se torna enquanto acontecimento apropriador o que há de mais único e estranho. [tr. Casanova; GA65: 89]

Ora, mas o “não” (e o sim) não precisaria ter a sua figura essencial no SER-AÍ usado pelo seer? O não é o grande salto livre, no qual o aí é arrancado em meio a um salto no SER-AÍ. O salto livre, que “afirma” até mesmo aquilo de que ele salta, mas que também não tem nada nulo por si mesmo como salto. O salto livre mesmo assume pela primeira vez o ressaltar do salto, e, assim, o não ultrapassa aqui o sim. Esse não, porém, visto externamente, é a de-posição do outro início em relação ao primeiro, nunca “negação” no sentido usual da recusa e quiçá da degradação. Ao contrário, essa negação originária é do tipo daquela recusa, que renuncia para si a um continuar acompanhando a partir do saber e do reconhecimento da unicidade daquilo que, em seu fim, exige o outro início. [tr. Casanova; GA65: 90]

O outro início é o salto que transforma o seer em meio à sua verdade mais originária. O pensar ocidental na questão diretriz estabelece, de acordo com o seu início, o primado do ente ante o ser; o “a priori  ” é apenas o velamento do caráter ulterior do seer, velamento que precisa vigorar, na medida em que, no acesso imediatamente primeiro, acolhedor e reunidor ao ente, é aberto o seer. Assim, não pode causar espanto, mas precisa ser concebido expressamente como consequência o modo como, então, o ente mesmo se torna normativo para a entidade em uma determinada interpretação. Apesar de, sim, com base no primado da physis   e do physei ón  , porém, precisamente o thesei ón e o poioumenon se tornam aquilo que fornece agora para a interpretação apreendedora o elemento compreensível, determinando a compreensibilidade da própria entidade (como hyle  morphe  ). Por isto, encontra-se no pano de fundo e logo se impondo em Platão   de maneira particular no primeiro plano a techne   como caráter fundamental do conhecimento, isto é, da ligação fundamental com o ente enquanto tal. Tudo isso não aponta para o fato de que, porém, mesmo a physis precisa ser interpretada a partir da correspondência com o poioumenon da poiesis  , de que a physis não é suficientemente capaz de exigir a sua verdade para além da parousia   e aletheia   mesmas, levando-a ao seu desdobramento? Isso, porém, é aquilo que o outro início quer realizar e precisa realizar: o salto para o interior da verdade do seer, de tal forma que esse seer mesmo funda o ser do homem e, em verdade, nem mesmo imediatamente, mas o ser do homem só como uma consequência do e como o estar-referido ao SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 91]

O primeiro início não é controlado, a verdade do seer, apesar de sua reluzência essencial, não é expressamente fundada, e isso significa: uma antecipação humana (do enunciado, da techne, da certeza) torna-se normativa para a interpretação da entidade do seer. Agora, porém, faz-se necessária a grande inversão, que está além de toda “transvaloração de todos os valores”, daquela inversão, na qual o ente não é fundado a partir do homem, mas o ser do homem a partir do seer. Isso, porém, carece de uma força superior do criar e questionar, e ao mesmo tempo da prontidão mais profunda para o sofrimento e para a resolução na totalidade de uma mudança completa das relações com o ente e com o seer. Agora, a ligação com o seer não pode mais permanecer em uma repetição que emerge de uma ligação com o ente (dianoein – noein  kategorein  ). Como, porém, aquela antecipação inicial lança o homem para fora e para dentro do ente a partir do comportamento da apreensão (noûs – ratio), de tal modo que graças a ela um ente supremo é pensado como arche  aitia   – causa – como algo incondicionado, as coisas se mostram como se não se tratasse de uma degradação do ser em meio à essência do homem. Aquela antecipação característica do primeiro início do pensar como fio condutor da interpretação do ente pode necessariamente ser concebida a partir do outro início como uma espécie de não dominação do SER-AÍ ainda não experimentável. [tr. Casanova; GA65: 91]

Espaço, porém, também precisa ser concebido aqui originariamente como espacialização (tal como essa espacialização pode ser indicada na espacialidade do SER-AÍ, mas não concebida de maneira completamente originária). [tr. Casanova; GA65: 98]

O fato de a entidade ter sido concebida desde a Antiguidade como presentidade constante já vale para muitos, se é que eles em geral perguntam sobre uma fundamentação, como fundamentação. Mas o caráter do inicial e do primevo nessa interpretação do ente não é imediatamente uma fundamentação, mas torna inversamente essa interpretação pela primeira vez propriamente questionável. Para o questionamento correspondente se mostra: não se pergunta de maneira alguma sobre a verdade da entidade. Para o pensar do primeiro início, a interpretação é infundada e infundável, e isso com razão, se compreendermos por interpretação a explicação explicativa, que reconduz a um outro ente (!). Não obstante, essa interpretação do ón como physis (e mais tarde idea  ) não é sem fundamento, mas com certeza ela permanece velada com vistas ao fundamento (isto é, à verdade). Poder-se-ia achar que a experiência da fugacidade, do surgimento e do perecimento, sugeriria e exigiria como contraparte o estabelecimento da constância e da presentidade. Mas por que é que o que surge e o que perece são considerados como o não ente? De qualquer modo, isso só acontece se a entidade já se encontra fixada como constância e presentidade. Por isto, entidade não é deduzida a partir do ente ou do não-ente, mas o ente é projetado para essa entidade, a fim de se mostrar pela primeira vez no aberto desse projeto como o ente ou não-ente. Mas a partir de onde e por que a abertura da entidade é sempre projeto? Mas a partir de onde e por que o projeto é de tal tempo não concebido por si mesmo? As duas coisas estão em conexão? (Tempo extaticamente e projeto fundado como SER-AÍ). [tr. Casanova; GA65: 100]

O fato de a verdade do seer permanecer velada, apesar de a entidade ser colocada nela (o “tempo”), precisa estar fundado na essência do primeiro início. Será que esse encobrimento do fundamento da verdade do ser não significa ao mesmo tempo que a história do SER-AÍ grego determinado por essa verdade foi colocada sobre a via mais breve e o presente foi levado a termo em um grande e único instante da criação? [tr. Casanova; GA65: 100]

Que ninguém se atreva hoje tanto a tomar como um mero acaso o fato de que esses três, que sofreram por fim cada um à sua maneira do modo mais profundo possível os efeitos do desenraizamento, ao qual é impelida a história ocidental, e que pressentiram ao mesmo tempo da maneira mais íntima possível os seus deuses, tenham precisado abandonar precocemente a claridade de seu dia. O que está se preparando? O que reside no fato de que o primeiro desses três, Hölderlin, tenha sido aquele que da maneira mais ampla possível poetou de antemão nessa era, uma vez que o pensar impeliu uma vez mais toda a história até aqui a saber absolutamente? Que história velada do tão famigerado século 19 aconteceu aqui? Que lei do movimento do que está por vir se prepara aí? Não precisamos repensar em regiões e critérios de medida completamente diversos, assim como precisamos assumir modos totalmente diversos de ser, a fim de nos tornarmos ainda pertencentes às necessidades que aqui irrompem? Ou será que essa história permanece inacessível para nós como fundamento do SER-AÍ? Não porque ela passou, mas porque ela ainda está por vir para nós? [tr. Casanova; GA65: 105]

12) Por meio do nominalismo, porém, o que é interpelado como sendo a realitas   propriamente dita é o conteúdo material coisal do particular, esse, e, de acordo com isso, a realitas é requisitada como sendo a distinção do particular, o ser presente à vista aqui e agora mais próximo, a existentia; o estranho: a “realidade” se torna agora o título para a “existência”, para a “realidade efetiva”, para o “SER-AÍ”. [tr. Casanova; GA65: 110]

24) Para criar uma prontidão para o salto no SER-AÍ, por isso, há uma tarefa incontomável: introduzir a superação do platonismo por meio do saber mais originário em tomo de sua essência. [tr. Casanova; GA65: 110]

O que é estabelecido em Ser e tempo como “compreensão de ser” parecia ser apenas a ampliação dessa representação anterior, e, no entanto, (compreender como pro-jeto – SER-AÍ) é algo completamente diverso; como transição, porém, ele remete para a metafísica. A verdade do seer e a essenciação do seer não são nem o que há de mais primevo nem o que há de mais tardio. [tr. Casanova; GA65: 112]

Por mais certamente que a história do fim prossiga e, medida a partir dos dados presentes, por mais que ela se mostre mais “viva” e “mais rápida” e confusa do que nunca, a própria transição permanecerá o que há de mais questionável e antes de tudo o que há de mais desconhecido. O homem, em pequeno número e sem conhecer a si mesmo, se preparará em meio ao campo de jogo temporal do SER-AÍ e se reunirá em uma proximidade com o seer, proximidade essa que precisa permanecer estranha para todos aqueles que se encontram “próximos da vida”. A história do seer conhece em longos espaços de tempo, que são para ela apenas instantes, acontecimentos apropriadores raros. Os acontecimentos apropriadores enquanto tais: o remetimento da verdade ao seer, a precipitação da verdade, a solidificação de sua inessência (da correção), o abandono do ser do ente, a entrada do seer em sua verdade, o atiçar do fogo da lareira (da verdade do seer) como o sítio solitário do passar ao largo do último deus, o reluzir da unicidade única do seer. Enquanto a destruição do mundo até aqui enquanto autodestruição alardeia em meio ao vazio o seu triunfo, a essência do seer se reúne em sua mais elevada vocação: enquanto acontecimento da apropriação do âmbito de decisão sobre a divindade dos deuses, apropriar-se do fundamento e do campo de jogo temporal, isto é, do SER-AÍ, na unicidade de sua história. [tr. Casanova; GA65: 116]

A transposição para a essência do seer e, com isso, o questionamento da questão prévia (essência da verdade) são diversas de todas as objetivações do ente e de todo acesso imediato a esse ente; nesse caso, ou bem o homem é em geral esquecido, ou bem o ente é atribuído como certo ao “eu” e à consciência. Em contrapartida: a verdade do seer e, com isso, a essência da verdade se es-senciam somente na insistência no SER-AÍ, na experiência do caráter de jogado no aí a partir do pertencimento ao clamor do acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 119]

Para que, porém, esse questionar completamente outro enquanto consistência do SER-AÍ em geral possa ascender a uma possibilidade decidível, é preciso que se tente de saída, a partir da questão diretriz, criar por meio de seu desdobramento completo uma transição para o salto na questão fundamental; nunca uma transição imediata para essa questão. É preciso que se torne visível que e por que na questão diretriz a questão acerca da verdade (sentido) do seer permanece sem ser questionada. Essa questão não questionada é a questão fundamental, vista no campo de visão do caminho da questão diretriz, ou seja, só indicativamente vista; o tempo como verdade do seer; esse experimentado a princípio inicialmente como presentação nas diversas figuras. [tr. Casanova; GA65: 119]

São sempre poucos aqueles chegam ao salto e esses chegam sempre por sendas diversas. Trata-se sempre das sendas da fundação criadora e sacrificial do SER-AÍ, em cujo tempo-espaço o ente é preservado como ente e, com isso, a verdade do seer é abrigada. Isso, porém, acontece sempre no mais extremo encobrimento, o arrebatamento extasiante para o interior do in-calculável e único, na cumeada mais aguda e mais elevada, que constitui o seguir ao longo do a-bismo do nada e funda ele mesmo o abismo. [tr. Casanova; GA65: 120]

As sendas e as veredas mais silenciosas e mais íngremes precisam ser encontradas, a fim de conduzir para fora do hábito há muito tempo duradouro assim como da exploração do seer, fundando para o seer os sítios de sua es-senciação naquilo de que ele mesmo se apropria em meio ao acontecimento como acontecimento apropriador, no SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 121]

Na abertura da essenciação do seer torna-se manifesto que o SER-AÍ não realiza nada, a não ser iniciar o contraimpulso do acontecimento da apropriação, isto é, a não ser inserir nesse contraimpulso e, assim, se tornar ele mesmo: o que guarda o projeto jogado, o fundador fundado do fundamento. [tr. Casanova; GA65: 122]

A situação de emergência essencial não deve se defender da emergência, a fim de afastá-la, mas precisa, em se defendendo, precisamente conservá-la e estendê-la para o interior da exportação resolutora de acordo com a ampliação do estremecimento. Assim, o seer é como a recusa atributiva o acontecimento da apropriação do SER-AÍ. Esse acontecimento da apropriação, porém, tem o ímpeto para o próprio como estremecimento da deização, que precisa do campo de jogo temporal para a sua própria decisão. [tr. Casanova; GA65: 123]

O seer só alcança sua grandeza, se ele é reconhecido como aquilo de que o deus dos deuses e de que toda deização precisam. O “usado” se contrapõe a toda utilização. Pois ele é o acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação do SER-AÍ, no qual o sítio silencioso é fundado como a essenciação da verdade, o campo de jogo temporal do passar ao largo, o em meio a desprotegido, que desencadeia a tempestade do acontecimento da apropriação. [tr. Casanova; GA65: 126]

[A abertura do fosso abissal] Essa abertura é o desdobramento que permanece em si da intimidade do seer mesmo, na medida em que nós o “experimentamos” como a recusa e como a recusa transvertora. Caso se quisesse tentar de qualquer modo o impossível e se buscasse apreender a essência do seer com o auxílio das “modalidades” metafísicas, então poder-se-ia dizer: a recusa (a essenciação do seer) é a mais elevada realidade efetiva do mais elevado possível enquanto possível, e, com isso, a primeira necessidade; contudo, seria preciso deduzir daí a proveniência das “modalidades” da ousia. Essa “elucidação” do seer, porém, o arranca de sua verdade (da clareira do SER-AÍ) e o degrada ao pura e simplesmente presente à vista em si, a mais deserta desertificação que pode caber ao ente. E pensemos no que acontece se essa desertificação for transportada ainda até mesmo para o seer! Ao contrário, precisamos tentar pensar a abertura do fosso abissal a partir daquela essência fundamental do seer, graças à qual ele se mostra como o reino da decisão para a luta dos deuses. Essa luta joga por sua chegada e fuga, em cuja luta os deuses pela primeira vez se deízam e colocam em decisão seu deus. [tr. Casanova; GA65: 127]

O homem pressente o seer, ele é aquele que pressente o seer, porque o seer apropria para si o homem em meio ao acontecimento, e isso de tal modo que o acontecimento da apropriação carece somente de um si-próprio, um si mesmo, cuja ipseidade o homem tem de sustentar na insistência, que deixa o homem, estando-em no SER-AÍ, tornar-se aquele ente, que é apenas e primeiramente encontrado na questão sobre o quem. [tr. Casanova; GA65: 128]

Acontecimento apropriador da fundação do aí deve querer dizer como genitivo objetivo que o aí, a essenciação da verdade em sua fundação (o mais originário do SER-AÍ), é apropriado em meio ao acontecimento, e a fundação mesma clareia o encobrir-se, o acontecimento apropriador. A viragem e o pertencimento da verdade (clareira do encobrir-se) à essência do seer. [tr. Casanova; GA65: 130]

A partir da essência originária da verdade determina-se pela primeira vez o verdadeiro e, com isso, o ente; e, com efeito, de tal modo que agora não é mais o ente que é, mas o seer que emerge como que por um salto para o “ente”. Por isso, no outro início do pensar, o seer é experimentado como acontecimento apropriador; e isso de tal modo, com efeito, que essa experiência muda como um novo salto todas as referências ao “ente”. Desde então, o homem, isto é, o homem essencial e os poucos de seu tipo, precisa construir a partir do SER-AÍ a sua história, o que significa que, antes de tudo, é a partir do seer para o ente que ele precisa provocar efeitos no ente. Não apenas como até aqui, de tal modo que o seer se mostre como algo esquecido, mas incontornavelmente apenas pré-visado, mas de tal modo que o seer, sua verdade, suporte expressamente toda e qualquer ligação com o ente. Isso exige a retenção como tonalidade afetiva fundamental, que afina inteiramente aquela guarda no tempo-espaço para o passar ao largo do último deus. [tr. Casanova; GA65: 130]

O seer torna-se o estranho e, com efeito, de tal modo que a fundação de sua verdade eleve a estranheza e, com isso, todo ente conserve esse seer em sua estrangeiridade. Somente então se cumpre a plena unicidade do acontecimento apropriador e de toda instantaneidade atribuída a ele do SER-AÍ. Somente então o mais profundo desejo é liberto de seu fundamento como o elemento criador, que é preservado na retenção maximamente silenciosa de se degradar em um mero impelir insuficiente de impulsos cegos. [tr. Casanova; GA65: 130]

A medida excessiva não é nenhuma mera demasia quantitativa, mas o subtrair-se a toda avaliação e mensuração. Nesse subtrair-se (encobrir-se), porém, o seer tem a sua proximidade mais imediata na clareira do aí, na medida em que ele se apropria do SER-AÍ em meio ao acontecimento. [tr. Casanova; GA65: 131]

No pensamento transitório, no entanto, nós precisamos suportar esse elemento ambíguo: por um lado, tomar essa diferenciação como ponto de partida para a primeira clarificação e, então, porém, saltar precisamente por sobre essa diferenciação. Esse saltar por sobre, entretanto, acontece concomitantemente por meio do salto como a sondagem do fundamento da verdade do seer, por meio do salto para o interior do acontecimento apropriador do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 132]

Se desconhecermos, porém, a estranheza e a unicidade (incomparabilidade) do seer, e, juntamente com isso, a essência do SER-AÍ, então decairemos por demais facilmente na opinião, segundo a qual essa “ligação” corresponderia ou precisaria ser mesmo equiparada àquela entre sujeito e objeto. Todavia, o SER-AÍ superou toda subjetividade, e seer nunca é objeto e aquilo que se encontra contraposto, algo re-presentável; capaz de se mostrar como objeto é sempre apenas o ente e mesmo aqui nem todo. [tr. Casanova; GA65: 134]

O que aconteceria, porém, se a “subjetividade”, tal como em Kant, fosse concebida como transcendental e, com ela, a ligação com a objetualidade do objeto; e se, além disso, o objeto, a “natureza”, fosse considerada como o único ente experimentável, e se, com isso, a objetualidade fosse equivalente à entidade? Não se oferece aí uma oportunidade, sim, uma posição fundamental historicamente única, junto à qual, apesar de todas as diferenças essenciais, aquela ligação do SER-AÍ e do seer pode ser aproximada pela primeira vez dos homens de hoje a partir do que se teve até aqui? Com certeza. E foi isso que tentamos empreender no “livro sobre Kant”. No entanto, isso só foi possível pelo fato de que nós violentamos Kant na direção de uma concepção mais originária justamente do projeto transcendental em sua unidade, na exposição da imaginação transcendental. Essa interpretação de Kant é certamente incorreta em termos “historiológicos”; certamente também, contudo, ela é historicamente essencial, ou seja, na ligação com a preparação do pensamento por vir e somente aí, ela é uma indicação histórica para algo completamente diverso. [tr. Casanova; GA65: 134]

A essenciação do seer como acontecimento apropriador encerra em si o acontecimento da apropriação do SER-AÍ. De acordo com isso, considerado rigorosamente, o discurso acerca da ligação entre SER-AÍ e seer induz em erro, na medida em que sugere a opinião, segundo a qual o seer se essenciaria “por si” e o SER-AÍ acolheria a ligação com o seer. [tr. Casanova; GA65: 135]

A ligação do SER-AÍ com o seer pertence à essenciação do próprio seer, o que também pode ser dito assim: o seer precisa do SER-AÍ, não se essencia de maneira alguma sem esse acontecimento da apropriação. [tr. Casanova; GA65: 135]

O discurso sobre a ligação do SER-AÍ com o seer torna o seer ambíguo, ele o torna o em-face-de, o que ele não é, na medida em que ele mesmo se apropria primeiro sempre a cada vez em meio ao acontecimento daquilo para o que ele deve se essenciar como um em face de. Por isto, essa ligação também é completamente incomparável com a ligação-sujeito-objeto. [tr. Casanova; GA65: 135]

Se falarmos sobre a ligação do homem com o seer e, inversamente, do seer com o homem, então isso soa facilmente como se o seer se essenciasse para o homem como um em-face-de e como um objeto. Mas o homem é apropriado em meio ao acontecimento como SER-AÍ pelo seer como o acontecimento apropriador e, assim, ele pertence ao próprio acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 136]

O seer se essencia como acontecimento apropriador. Esse é o fundamento e o abismo da disposição do deus sobre o homem e, em meio a uma viragem, do homem para o deus. Essa disposição, porém, só é suportada no SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 136]

A disposição em meio à viragem é afinada em consonância com o SER-AÍ na tonalidade afetiva da retenção, e o elemento afinador é o acontecimento apropriador. Se, contudo, nós interpretarmos a tonalidade afetiva segundo a nossa representação de “sentimento”, então poder-se-ia dizer aqui facilmente: ao invés de estar referido ao “pensar”, o seer está referido agora ao “sentir”. Mas o quão sentimental e extrinsecamente não pensamos aí sobre os “sentimentos” como “faculdades” e “fenômenos” de uma “alma”; o quão distantes nos encontramos da essência da tonalidade afetiva, quer dizer, do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 136]

No compreender como projeto jogado reside necessariamente, de acordo com a origem do SER-AÍ, a viragem; o que joga o projeto é um jogado, mas somente na jogada e por meio dela. Compreender é performance e assunção da insistência que suporta, SER-AÍ; assunção como sofrimento, no qual o que se fecha se abre como sustentador e vinculante. [tr. Casanova; GA65: 138]

Caso não busquemos salvação em uma explicação do ser (da entidade) por meio do estabelecimento da primeira causa de todo ente, causa essa que causa a si mesma; caso não se dissolva o ente enquanto tal na objetualidade e não se explique uma vez mais a entidade agora a partir da re-presentação do objeto e de seu a priori; caso o seer mesmo deva chegar à essenciação e, contudo, todo tipo de ente deva ser mantido distante dele, então isso só se dará a partir de uma meditação necessária (o abandono do ser como consistindo em indigência), para a qual isso se torna inequívoco: A verdade do ser e, assim, esse ser mesmo só se essenciam onde e quando se dá o SER-AÍ. SER-AÍ “é” apenas onde e quando o ser da verdade se dá. Uma, sim, a viragem, que indica justamente a essência do ser mesmo como o acontecimento apropriador contra-agitando-se em si. O acontecimento apropriador funda em si o SER-AÍ (I.). O SER-AÍ funda o acontecimento apropriador (II.). Fundar é aqui marcado pela viragem: I. sustentador e inteiramente imperante, II. instituidor projetante. [tr. Casanova; GA65: 140]

O acontecimento da apropriação do SER-AÍ por parte do seer e a fundação da verdade do ser no SER-AÍ – a viragem no acontecimento apropriador não é nem na conclamação (permanência de fora), nem no pertencimento (abandono do ser) algum dia resolvida sozinha, também não pelos dois juntos. Pois essa junção e os dois mesmos só se tornam acessíveis pela primeira vez no acontecimento apropriador. No acontecimento apropriador, esse acontecimento mesmo vibra na contravibração. [tr. Casanova; GA65: 141]

O estremecimento da vibração na viragem, a apropriação do SER-AÍ pertinente-fundador-acolhedor para o aceno; essa essenciação do seer não é ela mesma o último deus. Ao contrário, a essenciação do seer funda o abrigo e, com isso, o resguardo criador do deus, que sempre apenas deiza inteiramente o seer em obra e sacrifício, em ato e pensamento. Portanto, o pensar enquanto pensar inicial do outro início também consegue chegar à longínqua proximidade do último deus. Ele chega até ela por meio da e em sua história de autofundação; mas isso nunca sob a figura de um resultado, de um modo de re-presentação a ser trazido à tona, que traz o deus para o abrigo. Todas as pretensões como essas, aparentemente supremas, são baixas e não passam de uma degradação do seer! [tr. Casanova; GA65: 142]

Naturalmente, o acontecimento apropriador nunca pode ser representado imediatamente de maneira objetual. O acontecimento da apropriação é a contravibração entre o homem e os deuses, mas justamente esse entre e sua essenciação, que é fundada pelo SER-AÍ nesse SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 143]

O deus não é nem “essente”, nem “não essente”. Ele também não pode ser equiparado com o seer, mas o seer se essencia tempo-espacialmente como aquele “entre”, que nunca pode ser fundado no deus, mas tampouco no homem como presente à vista e vivente, mas no SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 143]

O aí é o sítio acontecencial, apropriado em meio ao acontecimento e insistente do instante da virada para a clareira do ente no acontecimento da apropriação. A diferenciação não tem mais nada do que é visado e necessitado sem qualquer solo de maneira apenas lógico-categorial-transcendental. A mera representação de ser e ente como o diferente se torna agora insípida e induz em erro, na medida em que ela re-tém na mera representação. O que é aberto nela de maneira pensante só pode ser pensado de forma modelar em geral em toda a junção fugidia do projeto do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 151]

Há em geral, questionado a partir da verdade do ser enquanto acontecimento apropriador, níveis desse tipo ou até mesmo níveis de seer? Se pensássemos a diferenciação entre seer e ente como acontecimento da apropriação do SER-AÍ e como abrigo do ente e atentássemos para o fato de que aqui tudo é inteiramente histórico, de tal modo que uma sistemática platônico-idealista se tornou impossível, porque insuficiente, então restaria ainda a questão de saber como o vivente, a “natureza” e seu elemento inanimado, tal como utensílio, maquinação, obra, ato, sacrifício e a força de sua verdade (originariedade do abrigo da verdade e, com isso, reessenciação do acontecimento apropriador) precisam ser ordenados. Toda ordem representacional e calculadora é aqui extrínseca, essencial é apenas a necessidade histórica na história da verdade do seer, cuja era principia. Como as coisas se encontram em relação à “maquinação” (técnica) e como é que se reúne nela todo abrigo ou, antes de tudo, como se fixa nela o extrato do abandono do ser? [tr. Casanova; GA65: 152]

Essencial é a força histórica, fundadora do SER-AÍ, do abrigo e da decisão em relação a ela e à sua amplitude para a constância do acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 152]

Pode haver “biologia”, enquanto faltar a ligação fundamental com o vivente, enquanto o vivente não tiver se transformado na outra ressonância do SER-AÍ? Mas, afinal, precisa haver “biologia” lá onde ela só deriva o seu direito e a sua necessidade do domínio da ciência no interior da maquinação moderna? Toda biologia não destruirá necessariamente o “vivente” e impedirá a relação fundamental com ele? A ligação com o “vivente” não precisa ser buscada completamente fora da “ciência”? E em que espaço deve se manter essa ligação? [tr. Casanova; GA65: 153]

Passar ao largo, acontecimento apropriador e história também não podem ser pensados jamais como tipos de “movimentos”, porque movimento (mesmo pensado como metabole) permanece sempre ligado ao ón enquanto ousia, a cuja ligação também pertencem dynamis e energeia, assim como os seus descendentes posteriores. Antes de tudo, porém, aquilo que constitui o alijamento interno do acontecimento apropriador e que permanece encoberto segundo o acontecimento da apropriação ou que vem à tona a partir dele nunca pode ser enumerado e apresentado em uma “tábua”, nem tampouco na diversificação de um sistema, mas todo dizer da abertura do fosso abissal é uma palavra pensante em relação a Deus e aos homens, e, com isso, no SER-AÍ, e, assim, na contenda de mundo e terra. Aqui não há nenhuma decomposição investigativa de “estruturas”, nem muito menos um mero balbucio em “sinais” de um agir como se algo fosse interpelado discursivamente. A escapatória nas “cifras” é apenas a última consequência da “ontologia” e da “lógica”, as quais não foram superadas, mas justamente pressupostas. O dizer do pensar inicial se encontra fora da diferença entre conceito e cifra. [tr. Casanova; GA65: 157]

Ser para a morte, porém, desdobrado como determinação essencial da verdade do SER-AÍ, abriga em si duas determinações fundamentais da abertura do fosso abissal e é seu reflexo na maioria das vezes desconhecido no aí: Por um lado, encobre-se aqui o pertencimento essencial do não ao ser enquanto tal, o que aqui, no SER-AÍ insigne como fundação da verdade do ser, só vem à luz com uma agudeza única. Em seguida, o ser para a morte encobre a plenitude essencial insondável da “necessidade?, uma vez mais como a necessidade de um fosso do próprio ser; ser para a morte uma vez mais de maneira consonante com o SER-AÍ. O embate entre necessidade e possibilidade. Só em tais regiões é possível pressentir o que pertence em verdade ao que a “ontologia” trata como a miscelânea vazia e esmaecida das “modalidades”. [tr. Casanova; GA65: 160]

Que a morte seja projetada no nexo essencial da futuridade originária do SER-AÍ em sua essência ontológico-fundamental significa, porém, de início, no quadro da tarefa de Ser e tempo, que ela se encontra em uma conexão com o “tempo”, que é estabelecido como âmbito projetivo da própria verdade do seer. Já isso é um aceno suficientemente claro para aquele que quer participar concomitantemente do questionamento de que aqui a questão acerca da morte se encontra em uma ligação essencial com a verdade do seer e apenas nessa ligação; de que, por isso, a morte enquanto a negação do seer ou mesmo enquanto o “nada” nunca é tomada aqui como a essência do seer, mas exatamente o contrário: a morte é a testemunha mais elevada e mais extrema do seer. Mas esse testemunho nunca tem como ser sabido senão por aquele que consegue experimentar e fundar concomitantemente o SER-AÍ na propriedade do ser-si-mesmo, que não é visado em termos morais e pessoais, mas sempre uma vez mais apenas de modo “ontológico-fundamental”. [tr. Casanova; GA65: 161]

Nem todos, porém, precisam levar a termo esse ser para a morte e assumir nessa propriedade o si mesmo do SER-AÍ. Ao contrário, essa realização só é necessária na esfera da fundamentação da questão acerca do seer, uma tarefa que, com certeza, não permanece restrita à filosofia. [tr. Casanova; GA65: 162]

O ser para a morte precisa ser sempre concebido como determinação do SER-AÍ, o que significa dizer: o SER-AÍ mesmo não imerge aí, mas, inversamente, encerra em si o ser para a morte, e, com essa inclusão, ele se mostra pela primeira vez como um SER-AÍ pleno  , a-bissal, isto é, como aquele “entre” que oferece ao “acontecimento apropriador” o seu instante e o seu sítio e, assim, pode se tornar pertinente ao ser. [tr. Casanova; GA65: 163]

Em termos de “visão de mundo”, o ser para a morte permanece inacessível; e, se ele é assim equivocadamente interpretado, como se o sentido de ser em geral e, com isso, a sua “nulidade” no sentido habitual devessem ser ensinados, então tudo é arrancado de seu contexto essencial. O essencial não é levado a termo, a saber, o pensar próprio à suma conceitual do SER-AÍ, em cuja clareira se desentranha a plenitude da essenciação do seer em se encobrindo. [tr. Casanova; GA65: 163]

A morte não chega aqui ao âmbito da meditação que estabelece as bases, para que se possa ensinar “em termos de visões de mundo” uma “filosofia da morte”, mas para que se possa trazer pela primeira vez a questão do ser para o seu fundamento e abrir o SER-AÍ como o fundamento a-bissal, voltando-o para o projeto, isto é, para o com-preender no sentido de Ser e tempo (não, por exemplo, para tornar “compreensível” a morte para os jornalistas e os burgueses). [tr. Casanova; GA65: 163]

Aqui, porém, nesse elemento extremo, a palavra precisa da violência, e essenciação não deve denominar algo que ainda se acha muito para além do seer, mas algo que dá voz ao seu interior, o acontecimento apropriador, aquele contramovimento de seer e SER-AÍ, no qual os dois não se mostram como polos presentes à vida, mas como a pura oscilação mesma. [tr. Casanova; GA65: 164]

A “essência” não é mais o koinon   e o genos da ousia e do tode ti   (ekaston), mas essenciação como o acontecimento da verdade do seer e, em verdade, em sua história plena, que abarca respectivamente o abrigo da verdade no ente. Como, porém, a verdade precisa estar fundada no SER-AÍ, a essenciação do seer só pode ser conquistada na constância, que o aí suporta no saber assim determinado. A essência como essenciação não é nunca apenas re-presentável, mas só é concebida no saber da tempo-espacialidade da verdade e de seu respectivo abrigo. O saber da essência exige e é ele mesmo o salto para o interior do SER-AÍ. Por isto, ele nunca pode ser conquistado por meio da mera consideração geral do dado e de sua interpretação já firmada. A essenciação não reside “acima” do ente e cindida dele, mas o ente se encontra no seer e tem apenas nele, se encontrando imerso nele e apartado, a sua verdade como o verdadeiro. Juntamente com esse conceito da essenciação, então, também precisa ser estabelecida e concebida a “diferenciação” de seer e ente e tudo aquilo que está fundado nessa diferenciação, na medida em que cai do “lado” da entidade todo “categorial” e “ontológico”. [tr. Casanova; GA65: 165]

A essenciação daquilo em que precisamos experimentalmente entrar. Isso visa aqui à “experiência”; entrar experimentalmente, a fim de se encontrar nela e suportá-la, o que acontece como SER-AÍ e sua fundação. [tr. Casanova; GA65: 167]

SER-AÍ significa acontecimento da apropriação no acontecimento apropriador como a essência do seer. Mas é só com base no SER-AÍ que o seer chega à sua verdade. [tr. Casanova; GA65: 168]

Onde, porém, planta, animal, pedra, mar e céu se tornam entes, sem se degradarem na objetualidade contraposta, aí vigora a retração (recusa) do seer, o seer como retração. A retração, porém, é do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 168]

Pertence ao rigor mais duro da oscilação íntima do SER-AÍ o fato de ele não contar os deuses, nem tampouco contar com eles e muito menos contar com um deles em particular. [tr. Casanova; GA65: 169]

O SER-AÍ ainda se encontra em Ser e tempo sob a aparência do “antropológico”, “subjetivista”, “individualista” etc., e, contudo, o que se tem em vista é o o-posto de tudo isso; naturalmente, não como aquilo que é em primeiro lugar e apenas intencionado, mas esse elemento oposto por toda parte apenas como consequência necessária da transformação decisiva da “questão do ser” a partir da questão diretriz em direção ao cerne da questão fundamental. [tr. Casanova; GA65: 172]

“Compreensão de ser” e pro-jeto e, em verdade, como jogado! O ser-no-mundo do SER-AÍ. “Mundo”, porém, não o saeculum cristão e a denegação de Deus, ateísmo! Mundo a partir da essência da verdade e do aí! Mundo e terra (cf conferência sobre a obra de arte). [tr. Casanova; GA65: 172]

A partir do SER-AÍ nesse sentido, o SER-AÍ se torna pela primeira vez “compreensível” como presentidade do ente presente à vista, isto é, a presentidade se revela como uma apropriação determinada da verdade do seer, junto à qual a atualidade experimentou um privilégio determínadamente interpretado em face do sido e do por vir (fixado no caráter do que se encontra contraposto, objetividade para o sujeito). [tr. Casanova; GA65: 173]

O SER-AÍ como a essenciação da clareira do que se encobre pertence a esse encobrir-se mesmo, que se essência como o acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 173]

Todos os âmbitos e aspectos da metafísica fracassam aqui e precisam fracassar, se é que o SER-AÍ deve ser concebido de maneira pensante. Pois a “metafísica” pergunta a partir do ente (na interpretação inicial e, isto significa, derradeira da physis) acerca da entidade e deixa a verdade dessa entidade, isto é, a verdade do seer necessariamente sem ser questionada. A própria aletheia é a primeira entidade do ente, e mesmo essa entidade permanece inconcebida. [tr. Casanova; GA65: 173]

No uso até aqui e no uso ainda corrente, SER-AÍ designa o mesmo que estar presente à vista aqui e lá, ocorrer em um onde e em um quando. [tr. Casanova; GA65: 173]

A insistência como o âmbito do homem fundado no SER-AÍ. Pertencem à insistência: 1) A força: (de modo algum uma mera soma de força, mas) consonante com o SER-AÍ: a maestria da outorga livre dos mais amplos campos de jogo do ultrapassar-se criador. 2) A decisão: (de maneira nenhuma o enrijecimento de uma teimosia, mas) a segurança do pertencimento ao acontecimento apropriador, a entrada no desprotegido. 3) A suavidade: (de modo nenhum a fraqueza da indulgência, mas) o despertar dadivoso do entranhado e resguardado, aquilo que, sempre estranho, vincula todo criar ao seu essencial. 4) A simplicidade: (de maneira nenhuma o “fácil” no sentido do corrente e não o “primitivo” no sentido do não dominado e desprovido de futuro, mas) a paixão pela necessidade do uno, pela necessidade de abrigar a inesgotabilidade do seer na guarda do ente e não largar a estranheza do seer. [tr. Casanova; GA65: 174]

O SER-AÍ visa ele mesmo a um “ente”, não ao modo de ser no sentido acima; e, contudo, o modo de ser na distinção única de que ele é que determina pela primeira vez a constituição, o ser-o-que como ser-quem, ipseidade. [tr. Casanova; GA65: 176]

O discurso sobre o “SER-AÍ humano” (em Ser e tempo) induz nessa medida em erro, uma vez que acaba tornando natural a opinião de que haveria um “SER-AÍ” animal, um “SER-AÍ” das plantas. [tr. Casanova; GA65: 176]

O SER-AÍ: suportar a abertura do encobrir-se. O estar ausente: empreender o fechamento do mistério e do ser, esquecimento do ser. E isso acontece no estar ausente de acordo com o significado: estar louco por e apaixonado por algo, perdido junto a ele. [tr. Casanova; GA65: 177]

Insuficientemente indicado na impropriedade, na medida em que a propriedade não deve ser compreendida de maneira moral e existenciária, mas ontológico-fundamental como indicação do SER-AÍ, no qual o aí é constituído a cada vez a partir de um modo do abrigo da verdade (de maneira pensante, poetante, construtiva, por meio de liderança, sacrifício, sofrimento e júbilo). [tr. Casanova; GA65: 177]

[Existência, SZ:42] De início a partir de um apoio pela antiga existentia: não o quid  , mas o fato-de-que e o modo-de-ser. Isso, porém, parousia, presentidade, presença à vista (presente). Aqui, em contrapartida, existência = a plena temporalidade e, com efeito, como ekstático, ex-sistere – estar exposto ao ente. Já há muito não mais usado porque podendo ser interpretado de maneira falsa – “filosofia da existência”. O SER-AÍ enquanto ex-sistere: ser voltado para o interior de e encontrar-se fora na abertura do seer. A partir daqui pela primeira vez é que se determina o quid, ou seja, o quem e a ipseidade do SER-AÍ. Ex-sistência – em virtude do SER-AÍ, isto é, fundação da verdade do seer. Ex-sistência metafisicamente: pre-sentação, a-parição. Ex-sistência em termos da história do ser: arrebatamento extasiante insistente no aí. [tr. Casanova; GA65: 179]

O “seer” não é um produto do “sujeito”, mas o SER-AÍ como superação de toda subjetividade emerge da essenciação do seer. [tr. Casanova; GA65: 180]

Salto é o lançar-se descerrador “no” SER-AÍ. O SER-AÍ se funda no salto. Aquilo para onde ele, se descerrando, salta se funda pela primeira vez por meio do salto. [tr. Casanova; GA65: 181]

O que se tem em vista é sempre apenas o projeto da verdade do seer. O próprio jogador, o SER-AÍ, é jogado, apropriado em meio ao acontecimento pelo seer. [tr. Casanova; GA65: 182]

1) A tarefa em Ser e tempo: a questão do ser como a questão acerca do “sentido de seer”; cf observação prévia em Ser e tempo. Ontologia fundamental como transitória. Ela fundamenta e supera toda ontologia, mas precisa partir necessariamente do conhecido e corrente, e, por isso, se encontra sempre no lusco-fusco. 2) Questão do ser e a questão acerca do homem. Ontologia fundamental e antropologia. 3) O ser do homem como SER-AÍ (cf observações correntes a Ser e tempo). 4) A questão do ser como superação da questão diretriz. Desdobramento da questão diretriz; cf sua estrutura. O que significa des-dobramento? Reabsorção no fundamento a ser reaberto. [tr. Casanova; GA65: 185]

A necessidade da questão originariamente fundadora acerca do SER-AÍ pode ser desdobrada historicamente: 1) A partir da aletheia como caráter fundamental da physis; 2) A questão imposta pelo ego cogito   e tocada tangencialmente por Leibniz e pelo idealismo alemão acerca da dupla repraesentatio  : 3) Eu represento algo; “SER-AÍ”; 4) Eu represento algo – sou algo; “SER-AÍ”. 5) A cada vez, o “aí” tanto quanto inicialmente a aletheia permanece inquestionado. E esse “aí” é sempre a cada vez apenas o aberto ascendente, que precisa requisitar para si a correção do re-presentar e sua própria possibilidade. [tr. Casanova; GA65: 186]

Somente na sondagem do solo do acontecimento apropriador é que tem sucesso a jurisdicionalidade do SER-AÍ nos modos e nos caminhos do abrigo da verdade no ente. [tr. Casanova; GA65: 188]

A essência do SER-AÍ e, com isso, da história fundada nele é o abrigo da verdade do ser, do último deus, no ente. [tr. Casanova; GA65: 188]

Se o SER-AÍ só se essencia como pertencente ao acontecimento apropriador, então já precisa ser levada a termo como a primeira denominação aquela indicação, graças à qual o SER-AÍ se mostra como essencialmente diverso da determinação apenas formal   do fundamento do ser humano, que em nada nos concerne. [tr. Casanova; GA65: 189]

Só se pode falar de maneira fundante sobre o SER-AÍ, ou seja, na realização pensante da ressonância, da conexão de jogo e do salto. [tr. Casanova; GA65: 190]

A partir daqui já é possível perceber com clareza que força projetiva conjugada fugidiamente de maneira una é necessária, para que o salto da abertura seja realizado como o ressalto do SER-AÍ, preparando suficientemente de maneira questionadora e sapiente a fundação. [tr. Casanova; GA65: 190]

Inversamente, obtém-se agora a necessidade de, na confrontação com a história até aqui da questão diretriz, meditar e perguntar: 1) Por que e em que medida precisamente na interpretação do homem no contexto da questão acerca do ente se faz valer algo do gênero da psyche  , do noûs, do animus, do spiritus, da cogitatio, da consciência, do sujeito, do eu, do espírito, da pessoa? 2) Se e como por meio daí necessariamente, e, em verdade, ao mesmo tempo de maneira necessariamente encoberta, precisa entrar em jogo aquilo que nós denominamos o SER-AÍ? [tr. Casanova; GA65: 193]

Nunca se chega a determinar e a inquirir o ser do homem assim interpretado e, com efeito, em seu papel de fio condutor para a verdade do ente a partir dessa verdade mesma, e, assim, a visualizar a possibilidade de que, por fim, o ser humano assuma em geral em face do ser uma tarefa, que, para além dele, o transponha de maneira revirada naquele elemento questionável, o SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 193]

Somente aquilo que nós, insistentemente no SER-AÍ, fundamos e criamos, e, criando, deixamos vir ao nosso encontro como o que nos toma de assalto, somente isso pode ser algo verdadeiro, manifesto e, consequentemente, pode ser reconhecido e sabido. Nosso saber só se estende até onde chega a jurdisdicionalidade do SER-AÍ, isto é, a força do abrigo da verdade no ente configurado. [tr. Casanova; GA65: 193]

A Crítica da razão pura de Kant, na qual se dá uma vez mais desde os gregos um passo essencial, precisa pressupor esse contexto, sem apreendê-lo enquanto tal e sem poder trazê-lo mesmo a um fundamento (a ligação na viragem entre SER-AÍ e ser). E como esse fundamento não foi fundado, a crítica permaneceu sem fundamento e precisou conduzir ao ponto em que logo se prosseguiu para além dela e, em parte, com os seus próprios meios (o questionamento transcendental) em direção ao saber absoluto (Idealismo alemão). Como o espírito se tornou aqui absoluto, ele precisou conter a destruição do ente e a completa repressão da unicidade e do estranhamento do seer, acelerando a recaída no “positivismo” e no biologismo (Nietzsche) e calcificando-a cada vez mais até bem pouco tempo. Pois a “confrontação” atual com o Idealismo alemão, se é que ela merece ser chamada assim, é apenas “reativa”. Ela absolutiza “a vida” em toda a indeterminação e confusão que pode se esconder por detrás desse nome. A absolutização não é apenas o sinal para o ser determinado pelo adversário, ela é antes de tudo a indicação para o fato de que se chega ainda menos do que com ele a uma meditação sobre a questão diretriz da metafísica. [tr. Casanova; GA65: 193]

Para a resposta da segunda pergunta, porém, (cf acima) é preciso dizer: Se o SER-AÍ entra em jogo, e ele precisa fazer isso por toda parte em que o ente enquanto tal e, com isso, veladamente, a verdade do seer são colocados em questão, então precisamos examinar o que, de maneira correspondente à interpretação inicial do ente (como presentidade constante), se torna corrente e é em geral concebido como o fio condutor. Esse fio condutor é o “pensar” como representação de algo em geral e, aqui, da maneira mais universal e, por conseguinte, como o representar extremo. [tr. Casanova; GA65: 193]

No re-presentar se mostra o rastro do SER-AÍ, a saber, com vistas ao seu arrebatamento extasiante em relação a algo. O re-presentar é, velado para si mesmo, de acordo com o SER-AÍ, um encontrar-se fora no aberto, junto ao qual esse aberto mesmo é tão pouco questionado em sua essência e em seu fundamento quanto a própria abertura. [tr. Casanova; GA65: 193]

Na medida, porém, em que aquele que re-presenta é o que re-presenta a si mesmo, esse encontrar-se fora é apenas repetido e recolhido a esse mesmo, de tal modo que permanece dissimulado o que distingue o SER-AÍ, justamente ser o aí, a clareira para o encobrimento, na jurisdicionalidade da determinação de sua ipseidade como fundação da verdade no ente. [tr. Casanova; GA65: 193]

Se, então, o representar é completamente inserido na “vida”, então acontece o completo velamento do caráter originário de SER-AÍ do re-presentar. Esse representar mesmo só continua sendo avaliado segundo a sua utilidade e valor, e, em tal avaliação, também lhe é atribuída a interpretação, que ele só pode requisitar como “saber” em face do ato. [tr. Casanova; GA65: 193]

A dificuldade de encontrar um ponto de partida a partir de tal re-presentação (semblância) do mundo, a fim de tornar o SER-AÍ experimentável e visível, parece inultrapassável, sobretudo porquanto a pressuposição para tudo, a força para perguntar e a vontade de clareza precisam ser prescindidas. Como é, porém, que, nesse deserto, a questão suprema acerca do ser deve poder se tornar uma questão! [tr. Casanova; GA65: 193]

Mesmo se a “transcendência” for concebida de maneira diversa daquela como ela foi concebida até aqui, a saber, como ultrapassagem e não como o supra-sensível enquanto algo que é: mesmo então, com a sua determinação, a essência do SER-AÍ pode ser dissimulada de uma forma muito fácil. Pois a transcendência já pressupõe também um embaixo e um aquém e corre o risco de, porém, ser mal interpretada como ação de um “eu” e de um sujeito. E, por fim, mesmo esse conceito de transcendência permanece preso no platonismo (cf “Da essência do fundamento”). [tr. Casanova; GA65: 199]

SER-AÍ se encontra inicialmente na fundação do acontecimento apropriador, sonda o solo da verdade do ser e não parte do ente para o seu ser. Ao contrário, a sondagem do solo do acontecimento apropriador acontece muito mais como abrigo da verdade no ente e como ente e, assim, a relação é, se é que uma comparação ainda seria em geral possível, o que não procede, uma relação inversa. [tr. Casanova; GA65: 199]

O SER-AÍ como o tempo-espaço, não no sentido dos conceitos usuais de tempo e de espaço, mas como o sítio instantâneo para a fundação da verdade do seer. [tr. Casanova; GA65: 200]

Ser-ausente é o título originário para a impropriedade do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 201]

Além disso, porém, precisa ser fundado justamente o ser do homem como aquilo que preserva e desdobra por assim dizer o SER-AÍ, pre-parando e combatendo os criadores. [tr. Casanova; GA65: 201]

Antecipação da morte não é vontade de nada no sentido vulgar, mas, ao contrário, um SER-AÍ superior, que vincula concomitantemente o velamento do aí na jurisdicionalidade da subsistência da verdade. [tr. Casanova; GA65: 202]

O projeto não de “explicar”, mas sim de transfigurar em seu fundamento e abismo, tresloucando o ser do homem nessa direção, ou seja, no SER-AÍ e mostrando para ele o outro início de sua história. [tr. Casanova; GA65: 203]

[Aletheia. A crise de sua história em Platão e Aristóteles  , a última irrdiação e a completa queda] aletheia kai ón – desvelamento e, com efeito, do ente: 1) enquanto tal, dito em termos platônicos da idea; aletheia sempre do lado do ón; cf as passagens em Platão, República, Livro VI, Fim; 2) O reluzir do ente enquanto tal; a partir do ente a iluminação, a claridade, na qual o ente se essência. A claridade vista a partir do ente, na medida em que esse ente é concebido como idea (ao mesmo tempo a partir do “a-” considerado como “contra”); 3) A partir daí reluzindo para onde? Para onde senão em direção à apreensão, e essa, por sua vez, no ir ao encontro do ente, a-preensão essa que só é possível na claridade, através dela. Portanto, a claridade, isto é, a idea mesma como o que é visto, o jugo, zugon, apesar de, caracteristicamente, esse não ser nunca expresso; 4) O jugo, porém, ou a verdade apreendida enquanto jugo, é a forma prévia para a verdade enquanto correção, na medida em que o jugo é concebido e sondado como aquilo mesmo que liga e não como o fundamento da concordância; ou seja, a aletheia é propriamente perdida. Resta apenas a lembrança da imagem da “luz”, o que é necessário para o “ver” (cf Idade Média lumen!). Platão concebe a aletheia como zugon. Mas a aletheia não se deixa mais dominar a partir do zugon; ao contrário, o inverso é que é possível. Deu-se o passo em direção à homoiosis  . A interpretação do zugon como aletheia é correta, mas é preciso que se saiba que, com isso, a aletheia mesma é interpretada em um determinado aspecto e o questionamento propriamente dito sobre ela é desde então impedido; 5) E o que foi dito no tópico 4 é inevitável porque há o tópico 2, porque a aletheia sempre é concebida de maneira autenticamente grega a partir do ente e de sua presentidade constante; e, em todo caso, como o entre. Só que, como a história mostra, isso não é suficiente. O desvelamento precisa ser sondado e fundado como abertura do ente na totalidade e como a abertura enquanto tal do encobrir-se (do ser) e esse encobrir-se como SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 211]

1) Não de uma mera alteração do conceito. 2) Não de uma intelecção mais originária da essência. 3) Mas do salto para o interior da essenciação da verdade. 4) E, consequentemente, de uma transformação do ser humano no sentido do tres-loucamento de sua posição no ente. 5) E, por isso, em primeiro lugar, de uma dignificação mais originária e do apoderamento do seer mesmo como acontecimento apropriador. 6) E, por isso, antes de tudo, trata-se da fundação do ser humano no SER-AÍ como o fundamento exigido pelo seer mesmo de sua verdade. [tr. Casanova; GA65: 213]

O acontecimento da apropriação em sua viragem não está encerrado nem no clamor nem no pertencimento apenas. Ele não está em nenhum dos dois e, contudo, é acessível nos dois; e o estremecimento dessa acessibilidade na viragem do acontecimento apropriador é a essência mais velada do seer. Esse encobrimento carece da mais profunda clareira. O seer “precisa” do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 217]

As coisas são diversas, porém, no que concerne à clareira para o encobrimento. Aqui nos encontramos na essenciação da verdade, e essa é verdade do seer. A clareira para o encobrimento é já a oscilação da contraoscilação da viragem do acontecimento apropriador. Mas as tentativas até aqui em Ser e tempo e nos escritos seguintes de impor essa essência da verdade contra a correção do re-presentar e do enunciar como fundamento do próprio SER-AÍ precisavam permanecer insuficientes, porque elas foram sempre realizadas a partir da repulsae, com isso, porém, tinham sempre o re-pelido como ponto de mira, tornando impossível saber a essência da verdade desde o seu fundamento, desde o fundamento como o qual ela mesma se essencia. Para que se tenha sucesso nesse empreendimento é necessário não reter mais o dizer sobre a essência do seer, seguindo uma vez mais a partir da opinião de que se poderia, apesar da intelecção da necessidade do projeto que salta para frente, abrir por fim de qualquer modo, a partir do que se deu até aqui, gradualmente um caminho para a verdade do seer. Isso, porém, precisa sempre fracassar. E o novo perigo se torna tão forte, que o acontecimento apropriador se transforma agora ao mesmo tempo apenas em um nome e em um conceito manuseável, a partir do qual algo diverso poderia ser “deduzido”, mas que precisa, porém, ser dito dele; uma vez mais, contudo, não destacado em uma discussão “especulativa”, mas na meditação exigida, mantida pela indigência do abandono do ser. [tr. Casanova; GA65: 226]

O que significa: “encontrar-se” na clareira do encobrimento e suportá-la? A tonalidade afetiva fundamental da retenção. O elemento único distintivamente histórico dessa insistência, o fato de se decidir aqui em primeiro lugar e apenas sobre o “verdadeiro”. Que constância tem essa insistência? Ou formulando de maneira diversa a questão: quem consegue, quando e como ser o SER-AÍ? O que é que a meditação inicial do dizer pensante consegue realizar aqui para a preparação desse ser? Por que é que, neste instante, esse saber agora, ou seja, o saber questionador precisa trazer consigo o impulso? Em que medida foi agora apenas que o poeta anterior a nós, Hölderlin, se tornou em sua poesia e em sua obra poética mais única a nossa necessidade? [tr. Casanova; GA65: 226]

1) A verdade se essencia e por quê? Porque só assim se tem a essenciação do seer. Por que seer? 2) A essência da verdade funda a necessidade do porquê e, com isso, da questão. A questão acerca da verdade acontece por causa do seer, que precisa do nosso pertencimento como o que funda o SER-AÍ. 3) A primeira questão (1) é em si a determinação essencial da verdade. 4) Como precisa ser estabelecida a questão acerca da verdade. Partir da ambiguidade essencial: a “verdade” visada como “o verdadeiro”; o verdadeiro, porém, é a verdade como encobrimento clareador do acontecimento apropriador. Essa luz para o início é uma claridade, mas sem brilho e sem irradiação. O próprio encobrimento tanto mais claro, brilhando através da profundidade do encobrimento. 5) Como é que o conceito há muito legado da verdade como correção não apenas guia de saída a questão, mas também sugere que a resposta a ela precisaria ser medida por uma correção e, com isso, que a essência da verdade precisaria ser deduzida de algo previamente dado, que ela re-stitui. 6) Desdobrar em primeiro lugar a verdade na essência como encobrimento clareador (dissimulação e velamento). 7) A verdade como fundamento do tempo-espaço, mas, por isso, ao mesmo tempo essencialmente determinável a partir desse tempo-espaço. 8) O tempo-espaço como sítio instantâneo a partir da viragem do acontecimento apropriador. 9) A verdade e a necessidade do abrigo. 10) Abrigo como contestação da contenda entre mundo e terra. 11) As vias historicamente necessárias do abrigo. 12) Como é que no abrigo pela primeira vez o ente se torna essente. 13) Como é que só na mensuração que medita retrospectivamente sobre o caminho precedente se desdobra o âmbito, no qual e o qual acontece como a “diferenciação” de seer e ente. SER-AÍ se essenciando como o “entre”. [tr. Casanova; GA65: 227]

Que sempre subsiste de certa maneira essa verdade, desde que o homem é e caso ele seja historicamente, e que, contudo, esse deslocamento permanece velado, isso se acha essencialmente no domínio da correção. De acordo com ela, o homem se encontra e se acha ao mesmo tempo e apenas em um em-face-de (psyche – antikeimenon, cogito – cogitatum, consciência – o de que se tem consciência). A partir desse em-face-de, ele toma e espera o preenchimento de suas pretensões. Nele se transcorre tudo aquilo em que o homem se acredita versado. A isso também pertence o domínio da ‘‘transcendência”. E aqui está a razão mais profunda para o caráter velado e dissimulado do SER-AÍ. Pois o que é, apesar de toda oposição contra o “eu”, mais inequívoco e mais inquestionado do que o fato de que “eu”, de que “nós” estamos contrapostos aos objetos; por mais que “nós” e “eu” sejamos a princípio o inquestionado que se pode carregar tranquilamente nas costas. E, com isso, não se ousa, porém, levar a meditação a um ponto tão distante, mesmo que apenas no interior dessa posição fundamental, de tal modo que se veja: “nós” não “damos” mais nada que pudesse reproduzir em imagem o verdadeiro e re-stituí-lo. [tr. Casanova; GA65: 227]

O que significa, porém, dizer que, então, o projeto da essência da verdade como encobrimento clareador precisa ser ousado e que o tresloucamento do homem no interior do SER-AÍ precisa ser preparado? [tr. Casanova; GA65: 227]

Quanto mais essencialmente o seer pertence ao SER-AÍ e vice-versa, tanto mais originária é a reciprocidade do não-se-deixar-livre. [tr. Casanova; GA65: 229]

1) Por que essa interpretação é historicamente essencial? Porque ainda se torna visível aqui em uma meditação levada a termo como é que ao mesmo tempo a aletheia suporta e conduz essencialmente a questão grega acerca do ón e como é que precisamente por meio desse questionamento, do estabelecimento da idea, ela experimenta a sua derrocada. 2) Ao mesmo tempo, se mostra muito lá atrás: a derrocada não é a derrocada de algo instituído e mesmo de algo expressamente fundado. Nem uma coisa nem outra chegaram a ser realizadas no pensamento grego inicial; e isso apesar da sentença de Heráclito   sobre o polemos   e do poema de Parmênides  . E, contudo, a aletheia é essencial por toda parte no pensar e no poetar (tragédia e Píndaro  ). 3) Somente se isso for experimentado e exposto é que se tornará possível mostrar de que maneira, então, um resíduo e uma aparência da aletheia precisaram em certo sentido se manter, uma vez que mesmo a verdade como correção e precisamente ela precisa se abrigar em um já aberto (cf sobre a correção). Precisa estar aberto aquilo, pelo que o re-presentar se orienta (se retifica), e precisa estar aberto também aquilo ao que se deve atribuir a justeza (cf correção e relação sujeito-objeto; SER-AÍ e re-presentar). 4) Se considerarmos panoramicamente a história da aletheia a partir da alegoria da caverna, que tem uma posição chave tanto em relação ao que vem antes quanto em relação ao que vem depois, então é possível mensurar de maneira mediata o que significa erigir em primeiro lugar a verdade como aletheia de maneira pensante, desdobrá-la e fundamentá-la na essência. Que isso não apenas não aconteceu na metafísica até aqui e também no primeiro início, mas não podia acontecer. 5) A fundação essencial da verdade como desentranhamento da primeira reluzência na aletheia não é, então, simplesmente a assunção da palavra e de sua tradução adequada como “desvelamento”, mas importante é experimentar a essência da verdade como clareira para o encobrir-se. O encobrimento clareador precisa se fundar como SER-AÍ. O encobrir-se precisa ganhar o espaço do saber como essenciação do próprio seer enquanto acontecimento apropriador. A ligação mais íntima possível entre seer e SER-AÍ em sua viragem torna-se visível como aquilo que impõe a questão fundamental e obriga a ir além da questão diretriz, e, com isso, de toda metafísica; para além de fato em direção ao cerne da tempo-espacialidade do aí. 6) Como, porém, “a verdade” mesma e seu conceito, de acordo com uma longa história e com uma confusa tradição, para a qual muitas coisas confluíram, não se encontram mais em questão em nenhum modo de formulação claro e necessário, mesmo as interpretações da história do conceito de verdade tanto quanto as interpretações da alegoria da caverna se mostram em particular como precárias e dependentes daquilo que mesmo antes foi retirado do platonismo e da doutrina do juízo. Faltam as posições fundamentais para um projeto daquilo que é dito na alegoria da caverna e daquilo que se dá nesse dizer. Por isto, é necessário apresentar algum dia pela primeira vez uma interpretação coesa, proveniente da questão da verdade, da alegoria da caverna e tornar essa interpretação eficaz como uma introdução ao âmbito da questão da verdade e como uma condução à necessidade dessa questão, com todas as reservas que permanecem presas a tais tentativas imediatas; pois o fundamento e a perspectiva do projeto da interpretação e de seus passos permanecem pressupostos como não discutidos e aparecem como violentos e arbitrários. [tr. Casanova; GA65: 233]

O que sobrecarrega tanto e quase chega mesmo a bloquear o pensamento mais próprio de Nietzsche é a intelecção do fato de que a essenciação da verdade significa: SER-AÍ, isto é, encontrar-se em meio à clareira do que se encobre e haurir daí o fundamento e a força do ser humano. Pois, apesar das ressonâncias do “perspectivismo”, a “verdade” continua enredada na “vida” e a vida mesma, de maneira quase coisal, um centro de vontade e de força, que quer sua elevação e superelevação. [tr. Casanova; GA65: 234]

Por que é a verdade? E ela é afinal? Como? Se a verdade não fosse, sobre o que se basearia, então, mesmo que apenas a possibilidade do porquê? Por meio da questão do porquê, a verdade já é ratificada em sua consistência, de tal forma que ela precisaria ser de algum modo? A pergunta como uma busca pelo fundamento, a partir do qual e sobre o qual a verdade deve ser. De onde, porém, o perguntar? Não se encontra à base do questionamento uma irrupção do homem em um aberto, que se abre para encobrir? E isso que se abre, o encobrimento clareador, não é a essência da verdade? Mas de onde e como acontece essa irrupção do homem naquele outro que ele mesmo pretende ser, que lhe aparece como sua circunscrição, e que, porém, ele não é propriamente, que lhe é antes vedado e dissimulado, de tal modo que só lhe resta uma aparência disso (o SER-AÍ)? [tr. Casanova; GA65: 236]

O tempo-espaço como emergente da e pertencente à essência da verdade, como a estrutura extasiantemente arrebatadora e fascinante (junção fugidia) assim fundada do aí. (Ainda não o “quadro” da representação da coisa, ainda não um mero fluir em si do que se sucede). Os sítios instantâneos e a contenda entre mundo e terra. A contenda e o abrigo da verdade do acontecimento apropriador. O tempo-espaço e a “facticidade” do SER-AÍ (cf observações correntes a Ser e tempo I, capítulo 5!). O entrementes da viragem e, com efeito, como algo histórica e expressamente jurisdicional! Ele se determina como o aqui e agora! A unicidade do SER-AÍ. Por isso, unicidade da existência sapiente do que é dado como tarefa e do que é concomitantemente dado. Tempo – eternidade – instante. O eterno não é o que per-dura, mas aquilo que pode se subtrair no instante, a fim de retornar uma vez mais. O que pode retornar não como o igual, mas como o novamente transformador, uno-único, o seer, de tal modo que ele não é reconhecido nessa manifestabilidade de saída como o mesmo! O que é, então, eternização? [tr. Casanova; GA65: 238]

O tempo-espaço é a abertura de um fosso abissal apropriada em meio ao acontecimento das vias da viragem do acontecimento apropriador, da viragem entre o pertencimento e o clamor, entre o abandono do ser e o aceno (o estremecimento da oscilação do seer mesmo!). Proximidade e distância, vazio e doação, ímpeto e hesitação, tudo isso não deve ser concebido tempo-espacialmente a partir das representações usuais de tempo e espaço, mas, inversamente, nelas reside a essência velada do tempo-espaço. Mas como é que isso deve ser aproximado da representação usual atual? Aqui é possível percorrer diferentes caminhos preparatórios. Com efeito, o mais seguro parece ser abandonar simplesmente o campo representacional até aqui de espaço e tempo e de sua apreensão conceitual e começar de novo. Mas isso não é possível porque não se trata de maneira alguma apenas de uma modulação da representação e da direção da representação, mas de um tres-loucamento da essência do homem em meio ao SER-AÍ. O questionamento e o pensamento precisam ser, com efeito, iniciais, mas, de qualquer modo, precisamente transitórios. [tr. Casanova; GA65: 239]

Qual é, porém, o caminho para uma meditação primeira pro-visória e com efeito transitória sobre o tempo-espaço? O caminho dos sítios instantâneos do SER-AÍ. E esses sítios se mostram lá onde somos, assim, subtraídos do SER-AÍ? Pode-se tentar partir da questão da “unidade” de “espaço e tempo” segundo a representação usual? De onde, por que e como as duas se encontram desde sempre juntas? Qual é a experiência fundamental, sem que ela fosse dominada? (o aí!) Só superficialmente de acordo com a entidade diretriz? Mas como o “e” para as duas? Pergunta-se em geral sobre isso e ele é questionável? [tr. Casanova; GA65: 239]

O “e” na verdade é o fundamento da essência dos dois, o tresloucamento no aberto demarcador que forma a presentação e a consistência, mas sem que esse aberto mesmo tenha sido experimentável e fundamentável. Cf. a queda concomitante da aletheia e a sua conversão em homoiosis (correção). Pois o projeto experimentador não acontece aqui na direção da representação de uma essência geral (genos), mas na entrada histórico-originária nos sítios instantâneos do SER-AÍ. Em que medida tal SER-AÍ se dá na tragédia grega? [tr. Casanova; GA65: 239]

A-bismo é a renúncia hesitante do fundamento. Na renúncia abre-se o vazio originário, acontece a clareira originária, mas a clareira ao mesmo tempo, para que se mostre nela a hesitação. O a-bismo é o encobrimento clareador primeiramente essencial, a essenciação da verdade. Uma vez, porém, que a verdade é o encobrimento clareador do seer, ela é como a-bismo antes de tudo fundamento, que só funda como o imperar inteiramente de maneira sustentadora do acontecimento apropriador. Pois a renúncia hesitante é o aceno, no qual o SER-AÍ, justamente a constância do encobrimento clareador, é reacenado, e essa é a vibração da viragem entre clamor e pertencimento, o acontecimento da apropriação, o seer mesmo. [tr. Casanova; GA65: 242]

O “vazio” também não é a mera insatisfação de uma expectativa e de um desejo. Ele é apenas como SER-AÍ, isto é, como a retenção, o manter-se diante da renúncia hesitante, por meio da qual o tempo-espaço se funda como os sítios instantâneos da decisão. O “vazio” é do mesmo modo e propriamente a plenitude do ainda indecidido, a ser decidido, o a-bissal, o que aponta para o fundamento, para a verdade do ser. O “vazio” é a indigência preenchida do abandono do ser, mas esse já voltado para o aberto e, com isso, referido à unicidade do seer e de sua inesgotabilidade. O “vazio” não como o concomitantemente dado de uma precariedade, como sua indigência, mas muito mais como a indigência da retenção, que é em si um projeto irrompendo. Assim, ele se mostra como a tonalidade afetiva fundamental do pertencimento mais originário. A denominação como “vazio” para aquilo que se abre no acontecimento apropriador da retenção para a renúncia hesitante não é, por isso, determinada de maneira apropriada e continua sendo sempre determinada de maneira exagerada a partir do erigir dificilmente superável junto ao espaço da coisa e junto ao tempo do processo. [tr. Casanova; GA65: 242]

A a-bissalização do fundamento não é, com isso, esgotada em sua essência, mas se torna apenas clara como fundação do aí. O tempo-espaço é o repouso que reúne de maneira arrebatadoramente extasiante e fascinante, o a-bismo assim reunido e correspondentemente afinado, cuja essenciação se torna histórica na fundação do “aí” por meio do SER-AÍ (suas vias essenciais do abrigo da verdade). [tr. Casanova; GA65: 242]

O tempo-espaço nessa essência originária ainda não tem nada em si do “tempo” e do “espaço”, que habitualmente se conhece, e, contudo, ele contém o desdobramento em direção a eles em si, e, com efeito, em uma riqueza maior do que a que pôde vir à tona até aqui por meio da matematização de espaço e tempo. Como é se sai de tempo-espaço para “espaço e tempo”? Formulada assim, a questão ainda é muito plurissignificativa e pode ser facilmente mal interpretada. O que precisa ser distinto de antemão é: 1) A história que essencialmente foi de topos   e kronos no interior da interpretação do ente como physis com base na aletheia não desdobrada; 2) O desdobramento de espaço e tempo a partir do tempo-espaço expressa e originariamente concebido enquanto a partir do abismo do fundamento no interior do pensar do outro início; 3) O apoderamento do tempo-espaço como essenciação da verdade no interior da fundação por vir do SER-AÍ através do abrigo da verdade do acontecimento apropriador no ente que se reconfigura por meio daí; 4) A clarificação propriamente dita, a dissolução ou o afastamento das dificuldades, que envolveram desde sempre na história do pensamento até aqui aquilo que se conhece como espaço e tempo; por exemplo, a questão acerca da “realidade efetiva” do espaço e do tempo; acerca de sua “infinitude”, acerca de sua relação com as “coisas”. Todas essas questões permanecem não apenas sem respostas, mas de início inquestionáveis, enquanto espaço e tempo não forem concebidos a partir do tempo-espaço, isto é, enquanto a questão acerca da essência da verdade não for questionada desde o fundamento como a questão prévia à questão fundamental da filosofia (como se essencia o seer?). [tr. Casanova; GA65: 242]

O aberto do a-bismo não é sem fundamento. Abismo não significa o não em relação a todo fundamento como ausência de fundamento, mas o sim ao fundamento em sua amplitude e distância veladas. O a-bismo é, assim, o sítio em si reciprocamente oscilante que se temporaliza e espacializa do “entre”, como o qual o SER-AÍ precisa ser fundado. O a-bismo é tão pouco “negativo” quanto a renúncia hesitante; os dois, com efeito, visados imediatamente (“logicamente”), contêm um “não”, e, não obstante, a renúncia hesitante é a primeira e mais elevada reluzência do aceno. Concebida mais originariamente, essencia-se nela naturalmente um “não”. Mas trata-se do não originário, que pertence ao próprio seer e, com isso, ao acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 242]

O abrigo não é a acomodação ulterior da verdade em si presente à vista no ente, abstraindo-se completamente do fato de que a verdade nunca se acha presente à vista. Abrigo pertence à essenciação da verdade. Essa não é essenciação, se ela nunca se essencia no abrigo. Se, por isso, indicativamente, a “essência” da verdade for denominada como a clareira para o encobrir-se, então isso só acontece para desdobrar pela primeira vez a essenciação da verdade. A clareira precisa se fundar em seu aberto. Ela carece daquilo que ela obtém na abertura, e isso é a cada vez de maneira diversa um ente (coisa – utensílio – obra). Mas esse abrigo do aberto precisa ser ao mesmo tempo e de antemão de tal modo que a abertura se torna essente de tal maneira que, nela, o encobrir-se e, com isso, o seer se essencie. De acordo com isso, precisa ser possível – com o salto prévio correspondente no seer com certeza –, a partir do “ente”, encontrar o caminho até a essenciação da verdade e, por essa via, tornar visível o abrigo como pertencente à verdade. Onde é, porém, que esse caminho deve começar? Não precisamos conceber para tanto em primeiro lugar as referências atuais em relação ao ente, tal como nós nos encontramos aí, ou seja, não precisamos ter diante dos olhos algo extremamente corrente? E justamente isso é o mais difícil, uma vez que ele não é nunca realizável sem um abalo, o que significa: sem um tresloucamento da ligação fundamental com o seer mesmo e com a verdade. É preciso indicar em que verdade e como é que o ente se encontra respectivamente nela. Precisa se tornar claro como é que aqui mundo e terra se encontram em contenda e, com isso, como é que eles mesmos se desencobrem e se encobrem. Esse encobrir-se mais imediato, contudo, é apenas a aparência prévia do a-bismo e, com isso, da verdade do acontecimento apropriador. Mas a verdade só se essencia na clareira mais plena do mais distante encobrir-se sob o modo do abrigo segundo todos os caminhos e maneiras, que pertencem a esse abrigo, que suportam e conduzem historicamente a exposição jurisdicional do SER-AÍ e que constitui, assim, o ser do povo. [tr. Casanova; GA65: 243]

A verdade se essencia apenas e sempre já como SER-AÍ e, com isso, como contestação da contenda. (Sobre a origem da diferenciação eidos   – hyle, cf do mesmo modo as conferências citadas acima). [tr. Casanova; GA65: 243]

Precisa sempre haver, porém, a conservação do encobrir-se. Pois somente assim permanece a história fundada em sintonia com o caráter do SER-AÍ no acontecimento da apropriação e, assim, de maneira pertinente ao seer. [tr. Casanova; GA65: 244]

Buscar nunca é um mero ainda não ter, um prescindir. Visto assim, ele não é senão equivocadamente calculado a partir do resultado alcançado. Em primeiro lugar e propriamente, a busca é o pro-cedimento em direção ao âmbito, no qual a verdade se reabre ou se renuncia. Buscar é algo em si por vir e um aproximar-se do ser. A busca traz aquele que busca pela primeira vez a ele mesmo, isto é, à mesmidade do SER-AÍ, no qual a clareira e o encobrimento do ente acontecem. [tr. Casanova; GA65: 250]

Um povo só é um povo, se ele mantém propriamente na descoberta de seu deus a sua história, aquele deus que ele obriga a se lançar para além de si e que ele recoloca assim no ente. Somente então, ele escapa do perigo de girar em torno de si mesmo e de idolatrar como algo incondicionado aquilo que aponta apenas para as condições de sua subsistência. Mas como ele deve encontrar o deus, se não houver aqueles que buscam por ele silenciosamente e que precisam se encontrar como esses buscadores até mesmo segundo a aparência contra o “povo” ainda não popular! Esses que buscam, contudo, precisam ser eles mesmos primeiro; eles precisam ser preparados como sendo. SER-AÍ, o que ele é senão a fundação do ser desse ente, dos que estão por vir do último deus. [tr. Casanova; GA65: 251]

Os poucos que estão por vir contam entre si os essencialmente inaparentes, aos quais não pertence nenhuma publicidade, mas que reúnem em sua beleza interior o brilho prévio do último deus e doam-no uma vez mais aos poucos e raros no reflexo. Todos eles fundam o SER-AÍ, por meio do qual a consonância da proximidade do deus vibra, proximidade essa que não se excede e também não submerge, mas que toma para si a firmeza da castidade   mais íntima como o espaço da vibração mais única. SER-AÍ – arrebatamento total de todas as ligações de distância e proximidade (acometimento) do último deus. [tr. Casanova; GA65: 252]

A desmedida do que é apenas ente, do não ente no todo e a raridade do ser: é por isso que se busca os deuses no interior do ente. Quando se busca e não se encontra, e, por isso, se enreda em maquinações ramificadas, não há nenhuma liberdade em relação à expectativa retida e ao poder esperar por um encontro e por um aceno. A generosidade do que é reunido pelo destino e a robustez da confiança no aceno, a ira estrondosa do terrível, o SER-AÍ seria a ordem mais íntima, a partir da qual apenas a contestação toma a sua lei. Essa ordem emana seu brilho sobre tudo o que vem ao encontro e nos deixa experimentar pela primeira vez o simples do essencial. A ordem é o que há de mais simples, o que se mostra, e ela é facilmente considerada de maneira falsa como algo “ao lado de” e “acima” das aparições, isto é, ela facilmente não é vista. [tr. Casanova; GA65: 252]

Os que estão por vir, os responsáveis no SER-AÍ fundado pelo ânimo da retenção, à qual apenas cabe o ser (salto) como acontecimento apropriador, se apropriando deles em meio ao acontecimento e potencializando-os para o abrigo de sua verdade. [tr. Casanova; GA65: 252]

Se por meio do acontecimento apropriador o SER-AÍ como meio aberto da ipseidade que funda a verdade é atirado a si e se torna um si mesmo, o SER-AÍ precisa, por sua vez, pertencer como possibilidade velada da essenciação fundante do seer ao acontecimento apropriador. E na viragem: o acontecimento apropriador precisa se valer do SER-AÍ; por meio da necessidade, ele precisa colocá-lo no clamor e, assim, trazê-lo para diante do passar ao largo do último deus. [tr. Casanova; GA65: 255]

A viragem se essencia entre o clamor (ao pertinente) e a escuta (do conclamado). Viragem é contra-viragem. O clamor ao salto no acontecimento da apropriação é a grande tranquilidade do conhecer-se mais velado. É a partir daqui que toda linguagem do SER-AÍ toma a sua origem e está, por isso, na essência o silêncio (cf retenção, acontecimento apropriador, verdade e linguagem). [tr. Casanova; GA65: 255]

Nesses acenos, a lei do último deus lança seus sinais, a lei da grande singularização no SER-AÍ, da solidão do sacrifício, da unicidade da escolha da via mais breve e mais escarpada. [tr. Casanova; GA65: 255]

Somente quem pensa de maneira curta demais, isto é, somente quem nunca pensa propriamente, permanece preso lá onde uma renúncia e uma negação acometem, a fim de ver aí a ocasião para o desespero. Isso, porém, é sempre um testemunho de que nós ainda não mensuramos a viragem plena do seer, a fim de encontrarmos aí a medida do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 256]

A recusa obriga o SER-AÍ a ele mesmo como fundação do sítio do primeiro passar ao largo do deus como o deus que se recusa. Somente a partir desse instante é que pode ser medido como é que o seer como o âmbito do acontecimento apropriador daquela imposição precisa restituir o ente, em que domínio do ente precisa se realizar a dignificação do deus. [tr. Casanova; GA65: 256]

O pensar. O visar do ser. O ser e a diferenciação em relação ao ente. O projeto do seer. O re-pensar do seer. A essenciação do seer. A história. O SER-AÍ. A linguagem e a saga. O “ente”. A questão transitória (por que é em geral o ente e não antes o nada?) A história do seer. O ponto de vista da história do seer. O incalculável. [tr. Casanova; GA65: 257]

A diferença na questão acerca do ser pode ser retida formalmente por dois títulos; o primeiro diz: ser e pensar, o outro: ser e tempo. No primeiro título, o ser é compreendido como a entidade do ente; no outro, como o ser, cuja verdade é inquirida. No primeiro, “pensar” significa o fio condutor, ao longo do qual o ente é interrogado com vistas à sua entidade: o enunciar representativo. No outro, “tempo” designa a primeira indicação da essência da verdade no sentido da clareira aberta de acordo com o arrebatamento extasiante do campo de jogo, no qual o seer se oculta e, se ocultando, se doa pela primeira vez expressamente em sua verdade. Em sua relação, por conseguinte, os dois títulos não podem ser interpretados de maneira alguma de tal modo que não seria necessário senão substituir no segundo o “pensar” que aparece no primeiro pelo “tempo”, como se a mesma questão acerca da entidade do ente devesse a partir de então, ao invés de ser levada a termo a partir do fio condutor da representação enunciativa, ser realizada a partir do fio condutor do tempo, sendo que o “tempo”, então, continuaria sendo pensado imediatamente segundo o seu conceito usual. Ao contrário, o “papel” do pensar e aquele do “tempo” são a cada vez papéis fundamentalmente diversos; sua determinação dá ao “e” nos dois títulos uma inequivocidade a cada vez própria. Ao mesmo tempo, porém, por meio da questão acerca do ser no sentido do título “ser e tempo”, é criada uma possibilidade de conceber mais originariamente, isto é, em termos da história do ser, a história da questão do ser no sentido do título “ser e pensar”, e de tornar visível pela primeira vez a verdade do ser, necessariamente inquestionada no interior da metafísica, no caráter temporal do ser por meio da referência à vigência da presentação e da constância na essência da physis, da idea e da ousia. Essa referência é tanto mais decisiva em termos da história do ser, uma vez que, na história ulterior da questão do ser, o caráter temporal da entidade é cada vez mais velado, de tal modo que a tentativa de unir o ser (e a atemporalidade das categorias e dos valores) com o “tempo”, indiferentemente de como isso possa vir a se dar, se depara imediatamente com uma resistência, que tem sua força naturalmente apenas na cegueira do não querer questionar. Como o caráter “temporal” do próprio ser, com base na não concepção da questão acerca da verdade (do “sentido”) do seer, permanece completamente estranho, as pessoas se salvam por meio da equiparação do ser com o SER-AÍ, que, então, uma vez que ele designa de algum modo o ser humano, é compreensível em sua “temporalidade”. Assim, porém, tudo se evade da via da questão do ser e se comprova ao mesmo tempo que um título por si, caso faltem o empenho e o saber interpretá-lo ao menos em sua intenção, não consegue nada. Todavia, esse saber nunca pode ser comunicado e difundido como os conhecimentos de algo presente à vista. Já na transição devem seguir aqueles que trazem esse saber uns para os outros, na medida em que eles, pressentindo as decisões, se aproximam uns dos outros e, contudo, não se encontram. Pois ele precisa dos particulares dispersos, para deixar amadurecer a decisão. Mas esses particulares trazem consigo ainda o sido da história do ser velado, aquele desvio, tal como poderia se mostrar, que a metafísica precisou pegar pelo ente, a fím de não atingir o ser e, assim, chegar a um fim, que é forte o suficiente para a indigência em relação ao outro início, o qual auxilia imediatamente a voltar para o cerne da originariedade do primeiro início e que transforma o passado no que não foi perdido. [tr. Casanova; GA65: 259]

O projeto do seer só pode ser conquistado pelo próprio seer, e, além disso, é preciso que tenha sucesso um instante daquilo que se apropria do seer como acontecimento apropriador em meio ao acontecimento, daquilo que se apropria do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 262]

Nós pensamos para nós mesmos esses projetos de acordo com um hábito natural como formas da representação, que possibilitam o vir ao nosso encontro de objetos: a condição transcendental de Kant. E nós fazemos bem em exercitar nessa interpretação da entidade como objetualidade o pensar do ente enquanto tal. Não obstante, essa interpretação kantiana se encontra na “base” do subjectum e na esfera da re-presentação. A caracterização do “projeto” se torna “subjetiva” no melhor sentido possível, isto é, não “egoica”, “subjetivista”, epistemológica, mas meíafisicamente determinada como subjectum: ela se encontra à base como o inquestionado e o inquestionável. A interpretação do pensamento kantiano pode experimentar a partir daí uma clarificação essencial e levar a que mesmo nessa posição de sujeito o pensar filosófico não passe ao largo dos abismos (esquematismo e imaginação transcendental). A questão é que já precisamos ter nos aberto questionadoramente para outros âmbitos, para que não designemos simplesmente essa concepção de Kant como uma curiosidade exagerada, mas para que a levemos a sério com a indicação para o abissal. Isso só tem em geral sucesso, se não lermos mais Kant no fundo “subjetivamente”, mas se o reinterpretarmos com vistas ao SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 262]

Em um caminho histórico, esse é um passo para alcançarmos a proximidade daquele pensar, que não compreende mais o projeto como condição da representação, mas como SER-AÍ e como o caráter de jogado de uma clareira que chega a se erguer, cujo primeiro elemento continua sendo permitir o encobrimento e, assim, tornar manifesta a recusa. [tr. Casanova; GA65: 262]

O repensar do seer, contudo, logo que e na medida em que tem sucesso o salto, determinou a sua própria essência como “pensar” a partir daquilo de que o ser se apropria em meio ao acontecimento enquanto acontecimento apropriador, a partir do SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 262]

Somente esse pensar do seer é verdadeiramente in-condicionado, isto é, somente ele não é condicionado e determinado por algo condicionado fora de si e pelo que precisa ser pensado por ele, mas unicamente determinado por aquilo que precisa ser pensado nele, por meio do seer mesmo, que, contudo, não é “o absoluto”. Na medida em que o pensar (no sentido do re-pensar), porém, conserva a essência a partir do seer; na medida em que até mesmo o SER-AÍ, cujo re-pensar precisa ser uma insistência, só é apropriado em meio ao acontecimento pelo ser, o pensar, isto é, a filosofia, tem sua origem mais própria e mais elevada a partir dela mesma, a partir daquilo que precisa ser pensado nela. Somente agora é que ela se mostra de maneira pura e simplesmente inatacável frente a avaliações e valorações, que calculam tudo de acordo com metas e utilidades, isto é, que abusam correspondentemente tanto da filosofia quanto da arte como uma realização cultural ou mesmo por fim apenas ainda como expressão cultural, colocando-as sob o domínio das suposições, que, ao que parece, dominam a filosofia, mas que, com efeito, permanecem muito abaixo dela, desfigurando a sua essência em meio ao compreensível e impelindo em tal desfiguração para o interior daquilo que ainda é precisamente tolerado e ridicularizado. [tr. Casanova; GA65: 265]

As pessoas se despem, por isso, de antemão de todo e qualquer esforço por levar a termo essa diferenciação em geral não como uma diferenciação re-presentacional, na qual o diferenciado é posto homogeneamente no mesmo plano, apesar de esse plano da diferencialidade ser deixado completamente indeterminado; por outro lado, porém, essa diferenciação considerada e exposta formalmente não pode ser senão um sinal de que a ligação com o ser é uma ligação diversa da com o ente, e de que essa alteridade das ligações pertence ao ligar-se diferenciador com os diferenciados. A ligação com o ser é, como uma ligação fundada, a insistência no SER-AÍ, o ser imanente à verdade do seer (como acontecimento apropriador). A ligação com o ente é a conservação criativa da preservação do seer naquilo que se coloca na clareira do aí de acordo com tal preservação enquanto o ente. [tr. Casanova; GA65: 266]

Na transição para o SER-AÍ no interior do questionamento acerca da verdade do seer não resta nenhuma outra possibilidade senão mudar de saída a representação até o ponto em que a ligação com o ser como projeto e, por isso, como o caráter da compreensão for fixado (a compreensão de ser do SER-AÍ). Mas essas determinações, por mais decisivas que elas permaneçam para uma primeira elucidação do questionamento completamente outro da questão do ser, são, porém, vistas a partir da questionabilidade do ser e de sua essenciação, apenas um primeiro passo tateante em uma longa prancha de salto, um passo no qual quase não se pressente a presença de algo da exigência, que é feita no final da prancha para o salto. Todavia, toma-se esse passo não apenas como o primeiro em um longo estar “a caminho”, mas já como o passo derradeiro, a fim de erigir-se no dito como uma “doutrina” e “perspectiva” determinada e de organizar com ela todo tipo de coisas em um aspecto historiológico. Ou, porém, se recusa essa “doutrina” e se imagina que, com ela, se teria decidido algo sobre a questão do ser. [tr. Casanova; GA65: 266]

O fato, porém, de essa diferenciação poder ser denominada como a estrutura de campo da metafísica ocidental e o fato de ela precisar ser denominada sob essa forma indeterminada têm sua razão de ser na história inicial do próprio seer. Na physis encontra-se implicado o fato de que, para a representação maximamente universal (pensar), o ser é o que mais se presenta de maneira mais constante e, enquanto um tal ente que se presenta, o fato de que ele é o vazio da atualidade mesma. Na medida em que o pensamento se embrenhou no domínio da “lógica”, esse elemento atual de tudo o que se presenta (do presente à vista) se transforma no que há de mais universal, e, apesar da rejeição de Aristóteles, que afirma que ele não seria um genos, no “que há de mais genérico”. Se levarmos em consideração essa proveniência histórica da diferença ontológica a partir da própria história do ser, então o saber dessa proveniência já impõe uma distância prévia em relação ao pertencimento à verdade do ser, a experiência de que nós, sustentados pela “diferença ontológica” em todo ser do homem enquanto ligação com o ente, permanecemos expostos ao poder do seer por meio daí de maneira mais essencial do que em toda e qualquer ligação ainda “próxima da vida” com qualquer coisa “real e efetiva”. E isso, o ter sido inteiramente afinado do homem pelo próprio seer, precisa ser levado à experiência por meio da denominação da “diferença ontológica”; a saber, caso a questão do ser mesma tenha de ser desperta enquanto questão. Por outro lado, porém, com vistas à superação da metafísica (a conexão de jogo histórica do primeiro e do outro início), é preciso que tenha ficado clara a “diferença ontológica” em seu pertencimento ao SER-AÍ; visto a partir daí, ela nos volta para uma, sim, para a “estrutura fundamental” do próprio SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 266]

Acontecimento apropriador tem em vista sempre o acontecimento apropriador como acontecimento da apropriação, de-cisão, contra-posição, des-locamento, retração, simplicidade, unicidade, solidão. Não objetiva é a unidade dessa essenciação e ela só pode ser sabida naquele pensar, que não precisa ousar aquele elemento inabitual como o particular do que chama a atenção, mas como necessidade do que há de mais inaparente, no qual se abre o fundamento abissal da falta de fundamento dos deuses e da atividade de fundação do homem, e no qual é atribuído ao seer aquele pensar que a metafísica nunca tinha podido saber, o SER-AÍ. [tr. Casanova; GA65: 267]

O seer des-loca, na medida em que se apropria do SER-AÍ em meio ao acontecimento. Esse des-locamento é uma afinação, sim, o rasgo originário do próprio elemento afinador. A tonalidade afetiva fundamental da angústia suporta a exposição ao des-locamento, na medida em que esse des-locamento anula em um sentido originário, de-põe o ente enquanto tal, isto é, na medida em que esse niilizar não é nenhuma negação, mas, se é que ele pode ser interpretado a partir do comportamento que assume uma posição, uma afirmação do ente enquanto tal como o de-posto. A questão é que a niilização é justamente a própria de-posição, por meio da qual o seer se sobreapropria enquanto de-posição da clareira do aí apropriado em meio ao acontecimento. E, por sua vez, a niilização do seer na re-tração, inteiramente irradiada pelo nada, essencia o seer. E somente quando tivermos nos libertado da falsa interpretação do nada a partir do ente, somente quando determinarmos a “metafísica” a partir da niilização do nada e por meio daí, ao invés de, ao contrário, degradarmos o “nada” a partir da metafísica e a partir do primado nela vigente do ente, transformando-o no mero não da determinação e mediação do ente como Hegel   e todos metafísicos antes dele: somente então teremos pressentido que força da insistência no ser humano entretece a partir do “deslocamento”, agora visado como tonalidade afetiva fundamental da “ex-periência” do seer. Por meio da metafísica, e isso significa ao mesmo tempo por meio do cristianismo, somos desencaminhados e nos habituamos a supor no “deslocamento”, ao qual pertence a angústia como o nada ao seer, apenas o elemento desértico e sombrio, ao invés de experimentarmos nela a determinação em meio à verdade do seer e a partir dela saber jurisdicionalmente o estado de sua essenciação. [tr. Casanova; GA65: 269]

No primeiro início, uma vez que a physis se iluminou na aletheia e como ela, o es-panto era a tonalidade afetiva fundamental. O outro início, o início do pensar da história do seer, é a-finado e previamente determinado pelo deslocamento. Esse abre o SER-AÍ para a indigência da falta de indigência, em cuja proteção se esconde o abandono do ser do ente. [tr. Casanova; GA65: 269]

Todo dizer sobre o seer precisa denominar o acontecimento apropriador, aquele entre do entrementes de deus e SER-AÍ, de mundo e terra, ;empre elevando ao cerne da obra afinadora com uma clareza intermediária e de maneira decisiva o fundamento-entre como a-bismo. Esse dizer não é nunca inequívoco no sentido da inequivocidade do discurso habitual, mas ele também não é como esse discurso apenas plurissignificativo e multissignificativo. Ao contrário, ele é unicamente denominador de maneira jurisdicional daquele entre do acontecimento querelante da apropriação. [tr. Casanova; GA65: 270]

A excedência dos deuses é o ocaso na fundação da verdade do seer. O seer, porém, se apropria do SER-AÍ em meio ao acontecimento para a fundação de sua verdade, isto é, de sua clareira, porque, sem essa de-cisão clareadora de si mesmo na urgência do deus e na guarda do SER-AÍ, ele precisaria consumir a si mesmo no fogo da própria brasa não dissolvida. Como podemos saber o quão frequentemente isso já não aconteceu? Se nós o soubéssemos, então não haveria a necessidade de pensar o seer na unicidade de sua essência. [tr. Casanova; GA65: 271]

O aei dos gregos não é a duração historiologicamente pensada da perduração sem fim em progresso, mas a constância da presentação da essência inesgotável. Os gregos eram desprovidos de historiologia, o istorein se remetia ao atual e presente à vista e não ao passado enquanto tal. Os gregos, porém, eram históricos; e isso de maneira tão originária que, para eles, a história mesma ainda permaneceu velada, isto é, não se transformou no fundamento essencial de configuração de seu “SER-AÍ”. O aei não é a presentação daquilo que é ininterrupto, mas a simplificação que se reúne no presente do sempre e a cada vez essencial (o hen   como ón). [tr. Casanova; GA65: 278]

O acontecimento apropriador e a possibilidade do porquê! Será que o porquê ainda pode ser transformado em um tribunal, diante do qual precisamos colocar o seer? Por que, porém, a verdade do seer? Ela pertence à sua essência! Por que ente? Porque um ente supremo provoca, produz tal ente? Mas sem levarmos em conta o elemento desmedido da fabricação, o ente supremo, o summum ens, pertence com maior razão ao ente. Como é que, a partir daí, a pergunta sobre o porquê pode ser respondida? Por que ente? Por quê? Em razão do quê? Em que medida? Razões! Razão e origem do porquê. A cada vez para além do ente. Para onde? Porque o ser se essencia. Por que seer? A partir dele mesmo. Mas o que é esse mesmo? A sondagem do fundamento do seer, a sondagem de seu fundamento, é o entre do seer como a-bismo. O saber abissal como SER-AÍ. SER-AÍ como apropriado em meio ao acontecimento. Sem fundamento; abissal. [tr. Casanova; GA65: 279]

A linguagem se funda no silêncio. O silêncio é a mais velada retenção da medida. Ele mantém a medida, porquanto ele estabelece os critérios de medida. E, assim, a linguagem é estabelecimento de medidas no que há de mais íntimo e mais abrangente, estabelecimento de medidas como re-essenciação da junta fugidia e de sua junção (acontecimento apropriador). E uma vez que a linguagem é o fundamento do SER-AÍ, reside no SER-AÍ a comedida e, com efeito, como fundamento da contenda de mundo e terra. [tr. Casanova; GA65: 281]